Rostand Medeiros – Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
No ano de 2010 soube do desenvolvimento do “Projeto Território Sertão do Apodi – Nas Pegadas de Lampião”, pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Norte – SEBRAE/RN, do qual a gestora era a competente consultora Kátia Lopes. Fui ao seu encontro soube que Kátia planejava criar um grupo para percorrer o mesmo caminho palmilhado por Lampião e seus cangaceiros, como parte de um amplo reconhecimento histórico. Ali estava uma oportunidade imperdível de conhecer esse caminho e o que restava de sua memória.
Foi realmente um momento muito especial e um trabalho maravilhoso. Depois de 2010 eu tive a oportunidade de percorrer esse caminho em mais outras quatro ocasiões. As duas primeiras oportunidades, em 2012 e 2014, foram com pessoas que me contrataram para conhecer trechos no Rio Grande do Norte, com foco nas áreas da Serra de Martins e de Mossoró. Já em 2015 estive percorrendo esse antigo caminho dos cangaceiros durante dezessete dias.
Desta vez partindo da cidade cearense de Aurora, adentrando depois em território paraibano, percorrendo na sequência todo trecho potiguar e encerrando na cidade cearense de Limoeiro do Norte. O objetivo da jornada de 2015 foi à realização da película Chapéu Estrelado, um documentário de longa metragem da Locomotiva Produções Cinematográficas, do Rio de Janeiro, sendo dirigido pelo mineiro Silvio Coutinho, com roteiro de Iaperi Araújo e produção de Valério Andrade e o autor desse texto, esses últimos potiguares. Apesar de filmado com esmero em sistema 4K, com interessantes depoimentos, esse documentário nunca esteve no circuito de festivais e, afora algumas exibições em rede nacional através da TV Brasil, ele foi pouco visto pelo grande público. A razão principal foi o falecimento precoce do diretor Sílvio Coutinho, ocorrido no ano de 2018, em decorrência de um ataque cardíaco fulminante, ocorrido no Rio de Janeiro.
Trajeto dos cangaceiros em 1927, em um mapa do Exército Brasileiro, em escada de 1:100.00, com as propriedades invadidas marcadas. Existe um erro no mapa, pois um dos locais atacados foi denominado como “Carícia”, quando o certo é “Caricé”.
A última oportunidade se deu em 2017, quando uma grande parte do trajeto com o artista plástico e fotógrafo Sérgio Azol. Potiguar de nascimento, mas radicado há muitos anos na capital paulista, Azol me chamou para percorremos esse caminho visando o desenvolvimento de uma exposição fotográfica a ser realizada em São Paulo. Ele clicou as paisagens, as vivendas e as pessoas de forma magistral. Aquela era a segunda oportunidade que percorria o sertão nordestino com Sérgio Azol, tendo tido oportunidade em 2016 de visitar importantes locais ligados a história do Cangaço na Paraíba, Pernambuco e Alagoas.
Essa memória se inicia em um sábado, dia 11 de junho de 1927, o segundo dia de Lampião e seus cangaceiros em solo potiguar.
Antiga casa do Sítio Cascavel, zona rural de Pilões – Foto – Rostand Medeiros
Em meio a um grande lajedo ao norte da atual cidade potiguar de Marcelino Vieira, os cangaceiros vão acordando e se preparando para seguir a sua jornada em direção a Mossoró. Após acordarem parte em direção aos Sítios Cascavel e São Bento, cujas terras em dias atuais são parte do município potiguar de Pilões. Depois atacam os Sítios Poço Verde, Poço de Pedra e a Fazenda Caricé, do prestigiado pecuarista Marcelino Vieira da Costa. Sobre o assalto ao Caricé vejam esse texto que escrevi, onde trago alguns detalhes do episódio – /2019/02/10/marcos-de-religiosidade-no-caminho-de-lampiao-no-rio-grande-do-norte/
Punhal de um cangaceiro deixado no Sítio Poço de Pedra, zona rural de Pilões-RN – Foto – Rostand Medeiros
A partir da velha Fazenda Caricé, mesmo a distância, já é possível visualizar o grande maciço rochoso que formam as Serras de Martins e de Portalegre, onde se encontram alguns dos pontos de maior altitude do Rio Grande do Norte, com locais que ultraam os 800 metros. Essas duas grandes elevações se interpunham diante daqueles viajantes que seguiam em direção a Mossoró vindos do extremo oeste da Paraíba. Para os cangaceiros continuarem em busca do seu alvo principal, vários caminhos se colocavam a disposição. O matreiro Lampião, certamente secundado por Massilon, o mais experiente de todos aqueles bandoleiros em relação aos caminhos potiguares, perceberam que teriam de optar por um desses caminhos.
O primeiro trajeto poderia ser: subir a Serra de Martins, ar pela cidade homônima e descer do outro lado da elevação. Bastava seguir pelo antigo caminho que ligava essa cidade até a Vila de Alexandria. Segundo as pessoas da região, partes do antigo trecho dessa estrada ainda existem, fazendo parte da atual rodovia estadual RN-075.
Aspecto dos caminhos dessa região – Foto – Rostand Medeiros.
O segundo caminho, caso o grupo desejasse seguir em direção a Mossoró sem ar pela cidade de Martins, poderia ser feito do seguinte modo: cavalgar até a extremidade oeste do grande maciço rochoso. Nesse caso, os cangaceiros fatalmente chegariam próximo de Pau dos Ferros. Então, depois de ar ao lado da serra, eles percorreriam a antiga estrada que seguia pela cidade de Apodi e, depois de vários quilômetros, chegariam a Mossoró.
Teoricamente, esses dois caminhos não trariam maiores problemas para um viajante comum. Entretanto, aquele estranho grupo de homens armados poderia ser classificado de tudo, menos de “viajantes comuns”.
Desde a saída do bando no Ceará, os celerados deixaram de lado a discrição, ando para a prática aberta de toda sorte de delitos, chamando a atenção das autoridades potiguares. Inclusive, essas autoridades já tinham entrado em contato e combatido o grupo na Caiçara. Mesmo com a derrota da polícia estadual naquele entrevero, Lampião sabia que a qualquer momento as forças do governo potiguar poderiam dar o devido revide. Se decidissem subir a serra, poderiam facilmente esbarrar em um piquete de homens armados, já previamente alertados. Como o bando tinha poucos recursos humanos e bélicos para realizar combates contínuos, esse possível confronto poderia infringir sérios problemas aos cangaceiros na tentativa de galgar a grande serra.
Rostand Medeiros diante da capela da Fazenda Caricé, zona rural de Marcelino Vieira – RN em 2015 – Foto – Silvio Coutinho.
Se o bando seguisse próximo da cidade de Pau dos Ferros, a maior e a mais policiada da região, para depois trotarem em direção a Apodi (uma cidade invadida por Massilon apenas um mês antes), fatalmente homens armados poderiam estar aguardando o grupo em um desses locais, ou nos dois. Aí os resultados desses novos tiroteios poderiam ser extremamente negativos. Deve-se levar em consideração que, além da polícia potiguar, Lampião se preocupava igualmente com a polícia de outros estados no seu encalço, principalmente a paraibana.
Lampião na Fazenda Morada Nova
Havia outra alternativa: era possível contornar o grande maciço através da extremidade mais a leste dessas elevações, ando por um caminho que os levariam para a Vila de Boa Esperança, atual município de Antônio Martins.
O grupo de bandoleiros então se afastaria de áreas onde presumivelmente haveria mais atividade policial, poderiam então alcançar zonas teoricamente mais desprotegidas e possivelmente ainda não alertadas da presença deles na região. Esse caminho se mostrava mais promissor!
Casa da Fazenda Morada Nova, zona rural de Pau dos Ferros – RN – Foto – Rostand Medeiros.
Contudo, aparentemente, essa decisão não deve ter ocorrido antes ou durante a agem pela Fazenda Caricé, pois, logo depois da saída da propriedade do fazendeiro Marcelino Vieira, os cangaceiros seguiram primeiramente na direção sudoeste, apontando para a cidade de Pau dos Ferros. Após rápida cavalgada, surgiu o próximo alvo daquela jornada insana – A Fazenda Morada Nova.
Quando visitei essa propriedade pela primeira vez em 2010, ali encontrei a senhora Firmina Aquino de Oliveira, então com 95 anos de idade, e sua nora Maria Ivaneide de Aquino. Ivaneide era neta de Antônio Januário de Aquino, antigo dono do lugar, que teve a difícil missão de receber Lampião em 11 de junho de 1927.
Lampião
Elas me informaram que não tinham conhecimento se o parente já falecido possuía laços de amizade, ou de inimizade, com o cangaceiro Massilon. Igualmente não souberam comentar se a chegada do bando se deu a uma indicação desse celerado, ou se a casa dos seus anteados foi atacada simplesmente por ter sido um alvo que surgiu à frente do grupo.
Entretanto, essas senhoras relataram que antes do bando chegar à casa de Aquino, que não mais existia em 2010, eles arrombaram uma residência onde vivia um trabalhador da propriedade, que juntamente com sua família fugiu para o mato. Logo os bandidos pararam diante da casa grande da Fazenda Morada Nova.
Além do proprietário, na casa estavam sua mulher Raimunda Nonato de Aquino, seu filho Cosme e suas três belas e jovens filhas, Raimunda, Arcanja e Maria. Segundo Sérgio Augusto de Souza Dantas (Lampião no Rio Grande do Norte – A História da Grande Jornada, 1ª edição, págs. 119 e 120), foi exigido alimentos e dinheiro ao dono da Fazenda. Antônio Aquino era um produtor próspero, sendo apontado inclusive como dono de um engenho de açúcar e aguardente.
Diante da beleza das moças, alguns cangaceiros logo se mostraram interessados nas meninas. Sérgio Dantas relatou que Aquino pediu proteção a Lampião, que prontamente refreou os ânimos da cabroeira e o próprio chefe chegou a pedir desculpas ao pai das jovens pela falta cometida pelos seus homens. Após varejarem toda a casa e retirarem o que os interessava, a malta de bandidos seguiu viagem.
A Foto
As senhoras Firmina e Maria Ivaneide comentaram que a agem do bando causou extrema comoção entre os membros da família Aquino. Todavia, Antônio Januário se sentiu até mesmo com “sorte”, pois, apesar de ter havido perda material com o saque praticado, o fato das suas filhas não haverem sofrido qualquer tipo de violência, principalmente sexual, foi considerado um resultado extremamente fortuito diante da extrema gravidade do problema.
No dia 11 de novembro de 1928, um domingo, quase um ano e meio depois da agem dos cangaceiros, Antônio Januário reuniu sua família em um estúdio fotográfico de Pau dos Ferros para a realização de um interessante instantâneo. Essa fotografia, que trago com exclusividade e conseguida a partir do material original, possui no verso a seguinte frase “Uma pequena lembrança que ficará para sempre”.
Bando de Lampião, após o ataque a cidade de Mossoró em 1927.
Nela é possível ver Antônio e sua esposa Raimunda sentados em um pequeno sofá de madeira e vime, em uma posse de tranquilo comando de suas vidas e de sua prole familiar, que se encontravam todos presentes. De pé, logo atrás do móvel é possível ver Cosme, tendo a sua direita suas irmãs Maria e Arcanja e ao seu lado esquerdo Raimunda. Essa última e Arcanja trazem dois objetos que escaparam das mãos dos cangaceiros – são dois belos crucifixos com corrente e pedras.
Depois de observar milhares de fotos antigas, ao longo de vários anos de pesquisas, posso comentar que, a exceção de Dona Firmina, todos os outros participantes do instantâneo se vestem com roupas modernas para os padrões sertanejos do interior potiguar da década de 1920. Inclusive suas filhas, onde é possível ver Maria e Arcanja utilizando saias acima do joelho, apesar de estarem com meias. Antônio e Cosme igualmente seguem um padrão de vestimenta masculina bem moderna para a época. Ao olhar detidamente essa foto, vejo o registro de uma família que aparentemente superou o susto causado pelo bando de Lampião.
Violeiros Cantam a História do Assalto
A senhora Ivaneide me comentou em 2010 que nessa propriedade era comum a apresentação de cantadores de viola afamados da região e até de outros estados. Mesmo com o crescimento das bandas de forró eletrônicas, da televisão e outros meios de entretenimento, na época essas cantorias de viola possuíam público cativo na comunidade.
Casa da Fazenda Morada Nova em 2010. Reparem os bancos feitos de troncos de carnaúba, utilizados para a comunidade assistir duelo de cantadores de viola. Ao fundo o maçiço da Serra de Martins – Foto – Rostand Medeiros.
Ela narrou que era praxe as pessoas do lugar transmitirem para os violeiros visitantes os acontecimentos testemunhados pela família Aquino em 1927 e o que eles sabiam do ataque do grupo de cangaceiros a Mossoró. Com isso, solicitava-se que esses artistas transformassem as histórias ouvidas em uma cantoria tipicamente nordestina.
Já as estradas existentes entre as propriedades Caricé e a Fazenda Morada Nova foram sem nenhuma dúvida o pior trecho percorrido para a realização deste trabalho. As maiores dificuldades se encontravam na já rotineira falta de sinalização, mas principalmente no péssimo estado de conservação desses caminhos.
A Fazenda Morada Nova está localizada em um ponto extremamente afastado de áreas urbanas. A cidade de Pau dos Ferros fica a cerca de 24 quilômetros de distância, já a zona urbana de Pilões se encontra a 16 quilômetros e a cidade de Antônio Martins a 19. Entretanto, o melhor o utilizado é a partir de Antônio Martins, onde o motorista percorre oito quilômetros de asfalto da rodovia federal BR-226 e depois segue por mais 11 quilômetros de estradas vicinais. Contudo, nesse caso, existe a imprescindível necessidade de contar com a ajuda de uma pessoa da região que conheça o trajeto. Nesse caso eu contei com o apoio do amigo Chagas Cristóvão, da cidade de Antônio Martins.
Junto a Chagas Cristóvão, da cidade de Antônio Martins, na Fazenda Morada Nova.
Atualmente, Pau dos Ferros é a principal cidade da Região do Alto Oeste Potiguar, com uma população acima de 30.000 habitantes, estando a 389 quilômetros de distância de Natal, ocupando uma área de aproximadamente 260 km² e possuindo uma história bem antiga.
Acredita-se que a toponímia Pau dos Ferros foi criada a partir de uma determinada árvore. Essa árvore certamente devia ser um excelente local para repouso e com ótima sombra, onde vaqueiros viajantes, utilizando ferro em brasa, deixavam marcado no seu tronco as marcas do gado sob sua responsabilidade. Em uma época onde as fazendas não tinham arames farpados e o gado era criado solto, essa prática serviu para esses trabalhadores conhecerem as marcas de outras propriedades. Isso tornava mais fácil a identificação dos animais perdidos nos pastos e a realização de troca das reses encontradas. Não é difícil imaginar como essa árvore ficou bem conhecida na região. Logo ao seu redor se fixaram pessoas e isso deu início a uma pequena comunidade. Já sobre a questão da posse da terra, consta que no ano de 1733, por ocasião da morte do Coronel Antônio da Rocha Pita, foi doada a sesmaria de Pau dos Ferros a seus filhos e herdeiros. Um deles, Francisco Marçal, foi a pessoa que mobilizou os que ali viviam para erguer uma capela em 1738. Somente através da Resolução Provincial nº 344, de 4 de setembro de 1856, Pau dos Ferros tornou-se um município, sendo desmembrada da cidade serrana de Portalegre.
Foto – Rostand Medeiros.
Na trajetória do bando em direção a Mossoró, ao se aproximar dos contrafortes da Serra de Martins, o caminho percorrido por Lampião ou onde atualmente estão localizadas as áreas territoriais das cidades de Serrinha dos Pintos, Antônio Martins, Frutuoso Gomes, Lucrécia e Umarizal.
O Início – Primo Cangaceiro – A Luta Contra Os Bandos de Antônio Silvino e dos Sipaúbas – Em Fernando de Noronha – Combates Contra os Seguidores do Padre Cícero na Sedição de Juazeiro – Confrontos Contra os Chefes Cangaceiros Sinhô Pereira e Luís Padre.
Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Higino José Belarmino foi um homem que veio ao mundo no dia 11 de novembro de 1895, no sertão alagoano, em meio a uma origem muito humilde, sendo filho do agricultor José de Moura Belarmino e da dona de casa Agda Maria da Conceição. Em um extenso depoimento realizado ao jornal recifense Diário da Noite de 1952, essa figura pouco comentou sobre sua família, mas disse que dos três filhos do humilde casal só ele “vingou”, ou seja, só ele sobreviveu as secas, a fome e as doenças que grassavam no interior nordestino o final do século XIX e nos primeiros anos do século XX, mostrando que desde cedo era um forte.
Frederico Pernambucano de Mello informou que Higino Belarmino era primo de um cangaceiro cognominado André Tripa, um homem que buscou a sobrevivência com um “Pau de fogo” nas mãos[1].
Sobre ele Frederico escreveu – Notório bandido de região fértil, a zona de transição mata-agreste de Pernambuco, nos anos relativamente calmos do início do século XX, terá sido também André Tripa, a quem Pereira da Costa distingue com o título de “célebre cangaceiro”, adiantando que se tratava do “terror” da zona sul do Estado. Na memória do nosso principal informante, Miguel Feitosa, fomos buscar a explicação para o vulgo curioso do bandido, em estanca dotada de irável movimento, cuja autoria lamentavelmente ignorava:
Havia nas Alagoas
Uma tal Joana Fateira
Não tenho ciência certa
Se era casada ou solteira
Sei que tinha um bom menino
Que ajudava, por contínuo
A vender tripa na feira
Jornal comentando sobre a morte do cangaceiro André Tripa.
Essa “tal Joana Fateira”, segundo Miguel nos adiantou com toda segurança, além de mãe do Tripa, era tia do famoso comandante de volantes da polícia pernambucana Higino José Belarmino, o Nego Gino, que após duros combates na década dos 20 contra bandidos, principalmente Lampião, chegaria a patente mais alta da força, a demonstrar o quanto era vária e imprevisível a sorte de um menino do mato naquela época. Sim, porque a de seu primo valente muito cedo teria fim na vertigem da violência a que se entregou, sem ser socorrido nem mesmo pelas suas orações:
E certo que as orações
Não servem para ofender.
Mas fazem quem as traz consigo
Com elas se enfurecer,
Como André Tripa fazia,
Pois crendo que não morria
Matou gente até morrer”
Talvez temendo alguma perseguição pelo fato do parentesco com André Tripa, José de Moura Belarmino e Dona Agda deixaram o solo alagoano e aram a residir na cidade pernambucana de Correntes, não muito distante de Garanhuns. Trabalhavam nas terras do Dr. Eutrópio Gonçalves de Albuquerque e Silva[2], juiz de direito aposentado e pessoa de muito prestígio na região.
Nessa convivência o juiz Eutrópio se afeiçoou do jovem Higino e ou, com a anuência de seus pais, a lhe ensinar elementos básicos da educação. Depois o patrão dos seus pais conseguiu para o garoto de quinze anos de idade um emprego na empresa Carlos de Britto & Cia., mais conhecida como Fábrica Peixe. Essa firma havia sido fundada por Maria da Conceição Cavalcanti de Britto e Carlos Frederico Xavier de Britto, no ano de 1898, na cidade pernambucana de Pesqueira. Começou como um pequeno negócio destinado a produção de doces de goiaba, mas em poucos anos se tornaria uma grande empresa e um marco da industrialização do Nordeste[3].
Logo Higino Belarmino deixa esse trabalho na Fábrica Peixe em 1911 e vem para o Recife com a intenção de ingressar como soldado raso na Força Pública de Pernambuco, atual Polícia Militar. Contou que tinha sido aberto o voluntariado, pois, como não era algo anormal das primeiras décadas do século XX, havia estourado uma nova revolta política no Brasil. Dessa vez o movimento ocorreu no Nordeste e foi comandada pelo general Emídio Dantas Barreto.
Esse militar havia decidido concorrer naquele ano contra Francisco de Assis Rosa e Silva, então governador de Pernambuco. Dantas Barreto perdeu a eleição, mas seus correligionários não aceitaram a derrota e o Recife testemunhou inúmeros acontecimentos violentos que deixaram a sua população apavorada. Tiroteios, brigas, fechamento do comércio, paralisação dos bondes e o povo sem ir às ruas. Até mesmo tropas federais do 49º Batalhão de Caçadores, junto com populares, realizaram ataques contra os quartéis da Polícia e o próprio Palácio do Governo. Finalmente, em 19 de dezembro de 1911, Dantas Barreto assumiu o cargo de Governador de Pernambuco[4].
Quanto a Higino Belarmino, apenas em 1º de março de 1912 quando a revolta já tinha sido encerrada, efetivamente se tornou um militar.
Realmente parece que Higino José Belarmino não havia nascido para ser operário de uma fábrica de doces, mas para viver com um “pau de fogo” nas mãos, tal como seu pretenso primo André Tripa. A diferença era que enquanto o Tripa apodrecia em uma cova, Higino utilizou sua farda e seu fuzil pelo resto de sua longa vida!
Trocando Tiros com Antônio Silvino e em Fernando de Noronha
Mal havia entrado na polícia Higino Belarmino já foi deslocado para a Zona da Mata Norte de Pernambuco, sob o comando do alferes Nicolau Pinto Teixeira, com ordens de perseguir o cangaceiro Antônio Silvino e seu bando. A sua volante tinha sede na cidade pernambucana de Timbaúba e por lá o antigo operário de Pesqueira chegou em julho de 1912 e lá permaneceu um ano inteiro. Higino comentou que entre suas perseguições ao célebre cangaceiro, ele foi ferido por um balaço na coxa direita em um combate ocorrido nas imediações da cidade paraibana de Pedra de Fogo.
Ao cruzamos essa informação com os jornais pernambucanos e paraibanos de julho de 1912, não encontramos nenhuma referência sobre algum combate nessa cidade paraibana. Mas sabemos que no começo desse mesmo mês Antônio Silvino e seus cangaceiros estiveram próximos da vila pernambucana de São Vicente, atual cidade de São Vicente Ferrer, localizada a cerca de 60 quilômetros de distância de Pedra de Fogo. Nessa aproximação supostamente houve um tiroteio e depois os cangaceiros se homiziaram nas matas dos engenhos Patos e Condado, locais que estavam localizados na área do município pernambucano de Bom Jardim. Os jornais afirmaram que o cangaceiro Silvino conhecia bem aquelas brenhas, que utilizava aquela área como base para ataques aos lugares Macapá (atual Macaparana), Pirauá (hoje um distrito de Macaparana), São Vicente (atual São Vicente Ferrer) e Vicência[5].
Fernando de Noronha no início do século ado.
Após o ferimento Higino segue para o Recife para se reestabelecer e receber ordens. Não demorou e lhe foi informado que deveria seguir para o Arquipélago de Fernando de Noronha com um grupo de prisioneiros. Nessa época o mais belo e paradisíaco conjunto de ilhas oceânicas brasileiras possuía um dos mais temidos presídios do país. Era comum o tráfego de condenados, pessoal istrativo e guardas penitenciários entre Recife e a Vila dos Remédios, a capital de Fernando de Noronha. Para isso era utilizado o vapor de pesca “Alberto Maranhão”, pertencente à Companhia de Pesca do Norte do Brasil.
Esse barco havia sido construído na Inglaterra, sendo originário do porto de Grimsby, na região de North East Lincolnshire, leste da Inglaterra e batizado como Grover. Foi comparado em 1910 pelo empresário pernambucano, de origem holandesa, Julius von Shösten. Tinha 32 metros de comprimento, pesava 180 toneladas brutas, comportava uma tripulação de 12 homens, pescava com redes de arrasto que poderiam conseguir até 60 toneladas de peixes. Sabemos que Shösten tinha negócios no Rio Grande do Norte e isso talvez possa explicar a bajulação em batizar esse barco como “Alberto Maranhão”, então governador potiguar em 1910[6].
Mas aparentemente o negócio de pesca com o “Alberto Maranhão” não parece ter sido muito favorável para o empresário Shösten, pois no segundo semestre de 1912 essa nave basicamente fazia a ligação istrativa entre Recife e Fernando de Noronha e abastecia o faroleiro que atuava no Atol das Rocas.
Não temos indicação da data quando o soldado Higino Belarmino participou da viagem a bordo do vapor de pesca “Alberto Maranhão”, mas em 26 de agosto de 1912 essa nave retornou de Fernando de Noronha com nada menos que 42 detidos, que iriam concluir suas penas na Casa de Detenção de Recife[7].
Imagem antiga da Vila dos Remédios, em Fernando de Noronha.
Não sabemos como era realizado o transporte desses condenados em um barco originalmente destinado a pesca, nem como a escolta trabalhava, ou se os compartimentos de guardar pescados, que certamente deveriam existir em um barco de pesca, haviam sido adaptados como celas parza trazer os prisioneiros. Deveria ser o tipo de viagem que deixaria com calafrios o pessoal que atualmente trabalha nas audiências de custódia pelo Brasil afora.
Versos e Balas Contra os Seguidores do “Padim Ciço”
Após conhecer o Oceano Atlântico e Fernando de Noronha, em 5 de dezembro de 1912 o soldado Higino recebeu ordens para se deslocar para a cidade de Exu, distante 600 quilômetros de Recife. Ele ficou por dois anos compondo a guarnição local[8]. Foi quando no Ceará estourou a Sedição do Juazeiro de 1914.
No contexto das lutas entre as oligarquias pela conquista do poder político na época da Primeira República (1889 a 1930), os poderosos coronéis da região do vale do Cariri, utilizaram a influência que o médico e deputado federal Floro Bartolomeu tinha sobre a figura do padre Cícero Romão Batista, o “Padim Ciço do Juazeiro”. Com isso eles insuflaram os sertanejos da região a pegarem em armas para derrubar do poder o governador do estado do Ceará, o coronel Marcos Franco Rabelo. O governo de Pernambuco então envia homens da sua polícia para evitar a invasão do território pelos sediciosos do Juazeiro[9].
Padre Cícero Romão Batista
Higino conta no seu relato de 1952, mesmo sem detalhar, que ocorreu uma luta no lugar Cana Brava, no município de Exu, Pernambuco, entre a força policial e os homens armados de Juazeiro. Contou que durante essas lutas os combatentes trocavam muitos insultos, palavrões e declamavam versos para ridicularizar os oponentes. O militar recordou essa quadra, criada e declamada pelo “Povo do Juazeiro”:
Higino animava seus companheiros, mandava bala e também afrontava os oponentes. Tirava a longa baioneta do seu fuzil, colocava no cano e dizia ”fulano, olha aqui a tua vela. Olha que vais ser sangrado”. Na mesma hora vinha a resposta do outro lado – muita bala e outro verso:
Segundo relatou o soldado Higino, ou Nego Gino, como ficou mais conhecido, recebeu por participar dessas ações de combate a patente de anspeçada e logo depois a de cabo. Mas houve outro prêmio – Segundo o relato de Higino, os homens do padre Cícero criaram uma quadra enaltecendo sua valentia…
Eu sei que quando morrer,
Nos inferno vou pará,
Me valha padim Ciço,
Se eu encontrar Gino pru lá.
Não sabemos maiores detalhes da entrada dos sertanejos seguidores do padre Cícero em território pernambucano e de suas lutas com a força policial daquele estado, mas sabemos que o grosso da “Gente do padre Cícero” marchou e combateu desde o Cariri até Fortaleza e foram vitoriosos. Franco Rabelo foi deposto em 15 de março de 1914, ficando no poder apenas três meses.
Contra os Sipaúbas
No ano seguinte, nos primeiros dias de outubro de 1915, Higino Belarmino estava servindo sob as ordens do então tenente José Caetano de Mello, um oficial brioso e valente. Nessa época esse militar atuava na cidade de Cabrobó e juntos com outros policiais aram a perseguir um grupo de cangaceiros que se encontrava atuando nessa região[12]. Este era o bando dos Sipaúbas, ou Cipaúbas, cuja grafia muda conforme a fonte pesquisada.
Um jornal de época e o depoimento de Higino Belarmino comentaram que esses cangaceiros atuavam nas caatingas dos municípios pernambucanos de São José de Belmonte, Salgueiro e Cabrobó. Já a prisão ocorreu no lugar Jacaré, cerca de duas léguas (16 quilômetros) de Cabrobó, próximo ao sítio Barro Vermelho. Foram presos os irmãos Cassiano e José Sipaúba.
Segundo Jorge Mattar Villela, autor do interessante livro O povo em armas : violência política no sertão de Pernambuco, esses bandoleiros formavam um “microgrupo de base familiar cujas façanhas, já em 1915, os retirava das pequenas intrigas e fazia seus nomes migrarem para as preocupações das autoridades policiais litorâneas”. Villela informa que José Sipaúba foi a julgamento em 1916 e foi inocentado por unanimidade. Nos anos vindouros esse cangaceiro vai lutar ao lado de Sinhô Pereira e de Lampião[13].
Ainda sobre os Sipaúbas não podemos deixar de comentar que em Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil, Frederico Pernambucano de Mello informou que o grupo dos Sipaúba era composto por parentes e amigos, sendo naturais da famosa serra d’Umã, município de Floresta, Pernambuco. Essa era a terra dos índios da tribo Aticum-Umã, que se misturaram com um grupo de negros fugidos e ali aquilombados ainda no século XIX.
Notícia do ataque realizado em 25 de setembro de 1926, quando os Sipaúba mataram seis soldados de uma volante pernambucana que era chefiada pelo sargento José Alves de Barros, o Zé Saturnino.
Frederico conta que a serra d’Umã possuía uma “tradição de selvageria” e que muitos assaltos ocorriam nas estradas da região. Para esse autor o principal expoente desse bando foi Livino Sipaúba. Em 25 de setembro de 1926, os Sipaúba mataram seis soldados de uma volante pernambucana que era chefiada pelo sargento José Alves de Barros, o Zé Saturnino. Mas nos primeiros meses de 1927 o tenente Arlindo Rocha, também da polícia de Pernambuco, prendeu Livino Sipaúba e em seguida o fuzilou[14].
Não sabemos se os Sipaúbas capturados em Cabrobó pelo tenente José Caetano e seus policiais eram do mesmo grupo familiar dos Sipaúbas da serra d’Umã.
Combate da Quixaba, ou Queixada?
O relato de Higino José Belarmino então nos leva a 6 de novembro de 1919, na zona rural de São José de Belmonte, em um momento de seca tremenda. Nessa região o cabo Higino fazia parte de uma numerosa volante composta por mais de 70 militares e paisanos, comandados pelo agora capitão José Caetano de Mello e os tenentes Manuel da Costa Gomes e Augusto de Lira Guedes[15].
Antiga Rua do Comércio, em São José de Belmonte – Fonte – Arquivo de Valdir Nogueira, Belmonte-PE, através do pesquisador Artur Carvalho.
Os policiais receberam a informação que um grupo com cerca de 45 cangaceiros, comandados pelos chefes Sinhô Pereira e Luís Padre, estavam arranchados em uma propriedade que eles denominaram como Quixaba, a cerca de 8 léguas (48 quilômetros) de São José de Belmonte, tendo esses bandoleiros ado no dia anterior pelo lugar Olho D’Água[16]. Essa propriedade Quixaba pertenceria então a Antônio Pereira de Araújo, conhecido como Antônio Maroto, primo de Sinhô Pereira e Luís Padre.
Ao realizar essa pesquisa, nada descobri com o cruzamento de informações sobre a existência de alguma propriedade denominada Quixaba, localizada na zona rural de São José de Belmonte e que pertencia a Antônio Maroto. Diante da dúvida realizei um telefonema para meu amigo Valdir José Nogueira, a quem considero um dos maiores e mais abnegados pesquisadores nas questões sobre as lutas das famílias Pereira e Carvalho, sobre o cangaço na região do Pajeú pernambucano e sobre a história de São José de Belmonte, sua querida cidade.
Para Valdir o fato de não encontrar uma fazenda denominada Quixaba, que tenha pertencido a Antônio Maroto, reside em uma situação bem simples – Nunca existiu em São José de Belmonte uma propriedade com esse nome e que tenha pertencido a essa pessoa. Para esse pesquisador o fazendeiro Antônio Maroto tinha sim uma grande propriedade, mas essa era a Queimada Grande, com uma parte de suas terras pertencendo a São José de Belmonte e outra na área territorial do vizinho município de Jardim, já no Ceará[17].
Matriz de de São João, Mirandiba, Pernambuco – Foto – Kelvis Filipe.
Em relação ao combate de 1919, Valdir afiança que ele se desenrolou não muito distante de um pequeno arruado em desenvolvimento, denominado Queixada, e não Quixaba, atualmente a sede do município autônomo de Mirandiba[18]. Para o pesquisador belmontense, seja por erro de interpretação, ou de grafia, nos telegramas emitidos para o quartel da polícia em Recife, posteriormente divulgados para a imprensa local, sempre aparece o nome Quixaba.
Valdir Nogueira afiança também que o combate de 6 de novembro de 1919 se deu na área da serra da Forquilha, uma elevação com cerca de 600 metros de altitude, próximo da serra Comprida e ao norte do riacho Terra Nova. Essa região fica cerca de 16 quilômetros da antiga comunidade da Queixada, atual Mirandiba.
E realmente tudo parece ter bastante fundamento, pois segundo Valdir Nogueira a distância da região de São José de Belmonte para a Queixada equivale a 8 léguas (48 quilômetros). Próximo da área da serra da Forquilha existe até hoje uma propriedade denominada Olho D’Água. Valdir me recordou também que o local desse combate fica próximo das antigas comunidades de Bom Nome, Santa Maria (atual Tupanaci) e São Francisco (pequena vila que foi coberta pelas águas do açude da Serrinha, cuja população mudou para uma comunidade denominada Pajeú). Esses locais eram pontos de forte apoio e concentração de membros da família Pereira, onde Sinhô Pereira e Luís Padre contavam com bastante proteção.
Antiga ermida de São Francisco.
Ainda em relação ao combate da serra da Forquilha, Valdir Nogueira apontou que no Folheto XVII, intitulado A Primeira Caçada Aventurosa, do Romance D’ A Pedra do Reino e o Príncipe do sangue do vai-e-volta, 2ª Ed. 1972, p. 83, o escritor Ariano Suassuna, rememorou esse acontecimento:
“Saímos, tomando o lado do qual se avista, do terraço (do casarão da fazenda Carnaúba), a célebre “Serra da Forquilha”, aquela na qual um dos Pereiras mais valentes do nosso tempo, Sinhô, Chefe venerado de Virgolino Ferreira Lampião, tinha obtido vitória num sangrento combate contra a Polícia e os Carvalhos”.
Visual da caatinga na zona rural de São José de Belmonte – Foto – Rostand Medeiros.
Voltando para o combate de 6 de novembro de 1919.
O numeroso grupo de 45 bandoleiros estava na área da Quixaba, ou Queixada, porque esse local, segundo os estudiosos do tema Cangaço, pouco tempo antes tinha sido atacado por Cindário e outros inimigos da família Pereira. Sinhô Pereira então acreditava que nem a polícia e nem seus inimigos retornariam ao lugar naquele momento. Mesmo assim ele e Luís Padre dividiram seus homens pelos serrotes existentes, em um riacho próximo e em uma casa que havia sido anteriormente queimada, mas que possuía boas condições de proteger parte de seu grupo.
Em seu depoimento de 1952, Higino Belarmino afirma de maneira categórica que entre os cangaceiros que estavam ao lado de Sinhô Pereira nesse combate temos o vilabelense Virgulino Ferreira da Silva e dois de seus irmãos, que cada vez mais aprendiam sobre as táticas de combates na caatinga.
Enquanto os cangaceiros descansavam, a volante com mais de 70 militares e paisanos avançavam atrás deles!
Naquele dia Cindário e seu grupo de homens armados estavam entre os paisanos que acompanhavam os policiais. O nome real de Cindário era Jacinto Alves de Carvalho, sendo também conhecido como Cindário Carvalho, ou ainda Cindário das Piranhas. Esse homem é tido por Frederico Pernambucano de Mello como um “Cangaceiro vingador”, que havia se tornado o braço armado da família Alves de Carvalho em sua sangrenta luta contra a família Pereira[19].
Higino Belarmino narra então que a volante chegou na área onde se concentravam os cangaceiros ainda com dia claro, tendo ele seguido junto com o capitão José Caetano. O grupo se aproximou da casa semidestruída, onde os soldados desconfiavam que estivessem os bandoleiros. Quando estavam a dez metros do local os cangaceiros abriram fogo cerrado e oito militares tombaram ao solo, ficando sete feridos e um morto. Esse último foi o cabo José de Souza Oliveira, que segundo Higino recebeu um tiro na carótida e morreu nos seus braços.
Higino Belarmino
O tiroteio continuou forte, com os policiais em campo aberto e os cangaceiros, em número superior a vinte, atirando do interior da casa e gritando que os militares eram “filhos da besta torta”. Os soldados feridos gemiam e pediam ao capitão José Caetano que não os deixassem serem mortos a punhaladas pelos cangaceiros. Higino narra que aqueles pedidos desesperados tornaram seus companheiros mais aguerridos. Nesse momento o capitão chamou Higino e lhe disse que eles deviam tomar aquela casa “de qualquer maneira”. Mesmo com a munição escasseando, o cabo comandou um grupo de dez policiais em um ataque direto contra a casa. Entraram lutando pelos fundos da vivenda e se misturando aos cangaceiros, que fugiram pelas janelas, aos gritos[20].
Por volta das seis da tarde chegou na área do combate o capitão Theophanes Ferraz Torres, com um reforço de homens e munições. Esse militar informou ao comando da força policial em Recife que o combate durou duas horas e, além da morte do cabo José de Souza Oliveira, ficaram feridos os soldados Izidoro Leite da Silva, João Mathias Santos, José Soares da Costa, Henrique Ludgero Santos, Firmino Jeronymo Silva, Antônio Francisco Xavier e o cabo Antônio Marques Silva. O capitão Theophanes informou que o cabo Marques levou um tiro no crâneo, mas estava vivo quando o encontrou[21].
Na página 29 do livro de Nertan Macedo Sinhô Pereira – O Comandante de Lampião, publicado em 1975 (Ed. Artenova, São Cristóvão-RJ), o autor trás o depoimento de Sinhô Pereira sobre esse combate.
O antigo combatente das caatingas afirmou que o combate se deu realmente na propriedade Quixaba, que a mesma pertencia a seu primo Antônio Maroto e que o bando teria “23 ou 24 homens” e não 45 como Belarmino afirmou em 1952. Sinhô confirmou que a casa do lugar havia sido anteriormente depredada por Cindário e seu grupo e nela se encontrava seu primo Luís Padre com cinco ou seis homens. Já Sinhô estava em um riacho próximo com outros dezessete cangaceiros, deitados no chão, descansando. A polícia e Cindário chegaram e cercaram a casa, pensando que todos os cangaceiros estavam lá e para Sinhô Pereira a volante teria “20 e tantos homens”. Já o tiroteio teria durado três horas, em meio a um sol bastante quente. Ficaram feridos cinco cangaceiros: Zé Preto, Moreno, Teotônio, Chiquito e Zé Piutá. Além desses outro ferido foi Luís Padre, atingido de raspão na pestana, ferimento esse que sangrou bastante. Sinhô confirmou que um soldado ficou morto no terreiro e um dos policiais feridos ficou “todo aleijado”. Em nenhuma linha do seu depoimento a Nertan Macedo o ex-chefe cangaceiro afirmou que Virgulino Ferreira da Silva e seus irmãos estiveram presentes nesse combate.
Parte da entrevista concedida por Higino em 1952.
Em seu extenso depoimento realizado ao jornal recifense Diário da Noite de 1952, Higino Belarmino afirmou que após o termino do tiroteio o capitão José Caetano solicitou ao capitão Theophanes Ferraz a promoção do cabo Higino pela sua bravura e seu comportamento naquele combate. Mas o capitão Theophanes negou, visto não ter o inferior “morto o chefe dos bandidos Sebastião Pereira”[22].
NOTAS DESTE TEXTO..…………………………………………………………………………………………………………………………
[1] Ainda sobre André Tripa, Frederico Pernambucano de Mello nos conta o seguinte – Foi Morto com uma manulixa de um Tenório, da localidade Gentio, e também Miguel quem nos revela como isto se deu, a partir, como sempre, de uma denúncia:
Levaram fresca a noticia,
Na Pedra, ao capitão Basto,
Este tirou dez soldados,
Ver se o Tripa tinha gasto.
Seguiram para Santo Antonho,
Onde tem cabra medonho,
Bom de espingarda e de rasto.
Famoso e legendário ainda em vida, como costumava acontecer com os bandoleiros que mais se destacavam, Tripa mereceria, por morte, citação no relatório anual do chefe de polícia de Pernambuco, Manuel dos Santos Moreira, dirigido ao governador Sigismundo Antônio Goncalves, com data de 31 de janeiro de 1905:Nos limites da Pedra com o município de Garanhuns, deu-se o encontro da força com o grupo chefiado pelo célebre bandido André Tripa, resultando a morte deste e de uma praça.
Ver – Mello, F. P. Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo-SP, 2013, páginas 355 a 357.
[2] Eutrópio Gonçalves de Albuquerque e Silva foi juiz em várias cidades do interior pernambucano, como Flores e Cimbres, tendo sido aposentado por problemas de saúde em 1905, conforme se descreve na primeira página, da edição de 7 de julho de 1905, do Diário de Pernambuco. O Dr. Eutrópio ou a receber uma pensão anual de três contos, oitocentos e sessenta mil e quinhentos e dezoito réis (3:860$518).
[5] Ver Jornal do Recife, Recife-PE, edições de 20 de julho de 1912, pág. 2, e 24 de julho de 1912, pág. 2.
[6] Ver jornal A República, Natal-RN, edição de 19 de julho de 1910, pág. 1.
[7] Ver Jornal Pequeno, Recife-PE, edição de 26 de agosto de 1912, sem indicação de página.
[8] Ver Diário da Noite, Recife-PE, edição de 19 de abril de 1952, pág. 1.
[9] Ver Diário de Pernambuco, edição de 18 de fevereiro de 1914, pág. 1
[10] A declamação de versos em meio aos tiroteios na caatinga nordestina era algo comum e prática antiga, destinada a animar os combatentes no meio da refrega, ou “fogo”. Frederico Pernambucano de Mello nos conta – Rio Preto, no quartel final do século XIX, foi cangaceiro e cantador apreciado na fronteira da Paraíba com Pernambuco, dele não se sabendo se mais temido por conta dos desafios ou das brigadas em que se envolveu. Findo o combate, armas ainda em brasa, do bando de Sinhô Pereira – de atuação na mesma área mas já no século XX – alteava-se uma voz que fazia a perfeita crônica em versos de todo o combate. Ver – Mello, F. P. Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo-SP, 2013, página 24.
[11] O termo cruzeta aqui empregado, se refere a uma denominação utilizada no Nordeste do Brasil, para determinados modelos do rifle de fabricação norte-americana da marcar Winchester.
[12] José Caetano de Mello nasceu em 18 de julho de 1872 no distrito de Papagaio, na cidade pernambucana de Pesqueira, sentou praça na então Força Pública de Pernambuco em 1893 nas patentes mais baixas e durante as três décadas em que esteve na corporação ascendeu as patentes mais elevadas pela sua capacidade na luta contra o cangaço. Esteve em atuação em mais de vinte cidades pernambucanas e travou lutas com célebres cangaceiros como Antônio Silvino, Sinhô Pereira e Lampião. Aparentemente foi aposentado em 1926 por um problema na mão esquerda, em decorrência de um tiro recebido. Escolheu viver na cidade de Angelim, no agreste pernambucano, a 25 quilômetros de Garanhuns, onde constitui família e findou seus dias em 5 de novembro de 1964. Apesar dos seus feitos como policial é um homem praticamente esquecido pelos que estudam o tema do Cangaço no Nordeste do Brasil. Exceção do pesquisador e escritor pernambucano Júnior Almeida, que em junho de 2018 participou, juntamente com a Polícia Militar do Estado de Pernambuco e da Prefeitura Municipal de Angelin, de uma tocante cerimônia em memória desse valente militar.
[13] Ver Vilella, J. M. O Povo em Armas : violência política no sertão de Pernambuco. 1ª ed. Rio de Janeiro-RJ, 2004, páginas 178 e 178. O trabalho de Vilella é muito interessante, onde durante suas pesquisas entrevistou participantes diretos ou indiretos de movimentos armados ocorridos no sertão pernambucano e pesquisou em vários processos judiciais arquivados nos fóruns das cidades interioranas.
[14] Ver – Mello, F. P. Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo-SP, 2013, página 234.
[15] Ver Diário da Noite, Recife-PE, edição de 22 de abril de 1952, sem indicação de página.
[16] Sobre as informações referentes a distância e quantidade de cangaceiro ver jornal A Província, Recife-PE, edição de 13 de novembro de 1919, pág. 1.
[17] Para Valdir José Nogueira, com as divisões territoriais que afetaram inúmeros municípios nordestinos ao longo das últimas décadas, as terras da fazenda Queimada Grande que se encontram no Ceará atualmente pertencem ao município de Penaforte, criado em 31 de outubro de 1958.
[18] Segundo informações existentes a primeira casa da atual sede do município de Mirandiba foi construída em 1915, por um proprietário rural chamado Elizeu Campos e queixada é a denominação de um tipo de porco selvagem existente no Nordeste do Brasil, cujo nome cientifico é Tayassu pecari. Depois a localidade foi crescendo e teve sua denominação alterada para São João de Campos (1915) e na sequência para Mirandiba (1938), que é uma denominação indígena para porco selvagem ou porco queixada. Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Mirandiba
[19] Cindário, segundo Frederico Pernambucano de Mello, perdeu nas lutas sangrentas seus irmãos José e Antônio e fizeram parte do seu grupo os sertanejos José Cipriano, Vicente Moreira, João Porfírio, João Juvino, Barra de Aço, Eliziário e os irmãos Pedro. Ver – Mello, F. P. Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo-SP, 2013, página 227.
[20] Ver – Gueiros, O. Lampeão – Memorias de um Oficial Ex-comandante de Forças Volante. 4ª ed. Livraria Progresso Editora, Salvador-BA, 1957, páginas 119 a 120.
[21] Torres Filho, G. F. de S. Pernambuco no tempo do cangaço (Antônio Silvino Sinhô Pereira, Virgulino Ferreira “Lampião”) : um bravo militar : a vida e a época do tenente-coronel Theophanes Ferraz Torres : 1894-1925. 1ª ed. CEHM, Recife-PE, 2002, páginas 222 a 224.
[22] Ver Diário da Noite, Recife-PE, edição de 22 de abril de 1952, sem indicação de página.
Depois de quase sete meses recluso na minha residência em Natal devido ao atual problema da pandemia, por esses dias eu tive a grata oportunidade de pegar a estrada BR-101 e seguir para Recife, onde visitei o amigo Frederico Pernambucano de Mello.
Como já aconteceu em outras oportunidades e apesar do distanciamento em relação a questão do COVID-19, eu fui muito bem recebido pelo amigo e a conversa foi bastante ampla e excepcional. E só tiramos as máscaras para bater uma chapa e registrar o momento!
Sempre é bom encontrar alguém com amplo conhecimento em determinados temas e mais ainda quando essa pessoa, como é o caso de Frederico, possuí algumas qualidades simples e que parecem faltar nos dias de hoje – Transmitir conhecimentos de forma clara e objetiva, além de escutar com atenção ideias e opiniões. Isso tudo em meio a muita simplicidade, algo que lhe é próprio e normal. Pude aprender mais sobre a História do nosso querido Nordeste.
Na ocasião lhe ofertei um exemplar do meu novo livro “1927 – O Caminho de Lampião no Rio Grande do Norte”. Fiquei muito agradecido pela atenção, respeito e fidalguia dispensada a esse potiguar.
Realmente valeu a viagem!
Segundo o Wikipédia, Frederico Pernambucano de Mello nasceu na cidade do Recife, capital do estado brasileiro de Pernambuco, é Procurador federal aposentado, é formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela tradicional Faculdade de Direito do Recife e em 1988 foi eleito para a Academia Pernambucana de Letras e foi superintendente da Fundação Joaquim Nabuco. Tem entre suas obras Rota Batida: escritos de lazer e de ofício,Guerreiros do sol: o banditismo no Nordeste do Brasil, Quem foi Lampião, A Guerra Total de Canudos, Delmiro Gouveia: desenvolvimento com impulso de preservação ambiental,Guararapes: uma visita às origens da pátria,A tragédia dos blindados: um episódio da Revolução de 30 no Recife,Estrelas de couro: a estética do cangaço,Benjamin Abrahão: Entre Anjos e Cangaceiros,Na trilha do cangaço: o sertão que Lampião pisou,Guerra em Guararapes & outros estudos,Apagando o Lampião: Vida e Morte do Rei do Cangaço.
Rostand Medeiros – Sócio efetivo do IHGRN e autor do livro “1927 – O Caminho de Lampião no Rio Grande do Norte”.
Em 2010 encontrei a consultora Kátia Lopes, do Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Norte – SEBRAE/RN. Através de Kátia soube do desenvolvimento do “Projeto Território Sertão do Apodi – Nas Pegadas de Lampião”, do qual ela era a gestora. No diálogo soube que ela planejava criar um grupo para percorrer o mesmo caminho palmilhado por Lampião e seus cangaceiros, como parte de um amplo reconhecimento histórico. Ali estava uma oportunidade imperdível de realizar um antigo sonho que desejava realizar.
Em grande parte do trajeto a motocicleta foi o meu transporte, como na ladeira do Riacho Preto, em Felipe Guerra, Rio Grande do Norte.
Com o apoio institucional da Sociedade Espeleológica Potiguar – SEP, através de Sólon Almeida Netto, pudemos apresentar a Kátia Lopes e a outros técnicos do SEBRAE, como seria possível coletar de forma sistemática as informações relativas ao caminho percorrido pelo bando de Lampião na sua invasão ao Rio Grande do Norte e as ações ali ocorridas.
Descobrimos que na antiga divisão territorial do Rio Grande do Norte, o bando de Lampião havia percorrido seis municípios – Luís Gomes, Pau dos Ferros, Martins, Caraúbas, Apodi e Mossoró. Para a realização deste projeto observamos que o antigo caminho está atualmente localizado na área territorial de dezenove territórios municipais potiguares. São eles Luís Gomes, Major Sales, Paraná, José da Penha, Tenente Ananias, Marcelino Vieira, Pilões, Pau dos Ferros, Serrinha dos Pintos, Antônio Martins, Frutuoso Gomes, Lucrécia, Umarizal, Caraúbas, Apodi, Felipe Guerra, Governador Dix-sept Rosado, Mossoró e Baraúnas.
No Povoado Cruz, na zona rural de Frutuoso Gomes, Rio Grande do Norte.
E teríamos de ar por todos esses locais.
Nesta área previamente delimitada procuramos identificar, documentar e catalogar o maior número de informações, tais como a descrição do trajeto percorrido pelos cangaceiros, a situação do patrimônio que eles atacaram, como também compilar as informações transmitidas pelas testemunhas e descendentes daqueles que presenciaram os episódios de 1927. Junto a essas informações utilizamos a bibliografia existente, complementada por informações de jornais e mapas.
Após esta fase, buscamos entrar em contato com as prefeituras, entidades e pessoas nos dezenove municípios listados, com o intuito de corroborar as informações coletadas e sobre ações realizadas no sentido de preservar a memória destes fatos.
Na bela cidade serrana de Martins-RN.
Munidos destas informações foi planejada a sequência de viagens de campo, a logística envolvida para a execução desta fase do trabalho e, no momento certo, seguimos adiante pelas estradas do sertão!
Durante a realização da pesquisa de campo pelo oeste do Rio Grande do Norte, fossem nas cidades, distritos, localidades e propriedades visitadas, buscamos contatar primeiramente as testemunhas da agem do bando ainda vivas e que se encontravam mais lúcidas. Mesmo sendo poucas as pessoas enquadradas nesse grupo que conseguimos encontrar, foi possível coletar alguns interessantes relatos destes acontecimentos. Percebemos que o muito do que essas pessoas guardavam em suas mentes sobre aqueles dias sombrios, estavam relacionados ao choque da agem daqueles cangaceiros, com a quebra total de suas rotinas, suas perdas pessoais e materiais, das humilhações, das sevícias, deixando terríveis lembranças.
Às margens da rodovia estadual RN-117, na zona rural do município de Mossoró, no Sítio Lagoa dos Paus, encontramos o agricultor Expedito Evangelista de Oliveira, que narrou as agruras que seu sogro, João Abdias de Araujo, ou junto ao bando.
Mas foi com aqueles que não haviam nascido no momento da agem de Lampião e seus homens, que em 2010 estavam na faixa entre os 70 a 80 anos de idade, que tivemos oportunidades de escutar ótimos relatos. Estas pessoas viveram em uma época anterior a existência massificada do rádio e da televisão, onde os relatos de viva voz feitos pelas testemunhas dos episódios de 1927, muitas vezes em inesquecíveis diálogos nos alpendres das casas sertanejas, que marcaram profundamente suas lembranças.
Em meio a esta coleta de informações, buscamos realizar a maior quantidade possível de registros fotográficos, para apresentar o que restava dos locais invadidos pelo bando. Infelizmente constatamos, desde a nossa primeira agem, que uma taxa bastante elevada deste patrimônio já não mais existia.
Com a conclusão desta etapa, percebemos que havíamos seguido pelo caminho correto, pois foi possível elucidar dúvidas existentes na bibliografia tradicional, descartar informações duvidosas e descobrir novos detalhes da agem deste grupo de cangaceiros pelos nossos sertões.
Buscamos então apresentar um relatório ao SEBRAE sobre a marcha do bando de forma cronológica, sequenciando os locais onde os cangaceiros estiveram apresentando fotografias dos pontos visitados e detalhando as informações conseguidas. Depois de 2010 eu tive a oportunidade de percorrer esse caminho em mais outras quatro ocasiões.
Fazenda Campos, Umarizal-RN.
Uma experiência rica e maravilhosa.
Gostaria de abrir um parêntese aqui, para comentar algo percebido durante o trajeto percorrido para a conclusão desta pesquisa.
Principalmente no trecho compreendido entre as cidades de Umarizal e de Governador Dix-sept Rosado. Percebi, por meio dos vários relatos transmitidos pelos descendentes dos que testemunharam os fatos de 1927, que a figura do cangaceiro Lampião assumiu uma interessante conotação positiva. Ouvi várias vezes que ele “Não era tão ruim”, “Que ele não era tão mal”.
No entendimento da maioria das pessoas entrevistadas, eram os “outros cangaceiros”, ou “o resto da tropa”, aqueles que realmente praticaram as ações mais negativas, mais malévolas, especialmente Sabino, Jararaca e Massilon. Praticamente quase não ouvi a menção dos nomes de outros cangaceiros ao longo do caminho, ficando esses três celerados como os mais recordados negativamente.
Sei, por meio da tradição oral e dos materiais publicados nos livros existentes sobre esse tema, que Lampião pontualmente praticou alguns gestos de boa vontade ao longo desse largo caminho, principalmente com mulheres gestantes ou que se encontrava em estado de resguardo. Observei que aparentemente essas suas “boas ações” lhe granjearam entre os potiguares da zona rural invadida uma imagem que ao longo de décadas cada vez mais foi se transformando em positiva.
Lampião
Em relação a Sabino, como todos naquela turba, foi um cangaceiro que praticou toda sorte de crimes por onde ou no Rio Grande do Norte, principalmente surras, e alguns desses acontecimentos são aqui narrados. Contudo, percebi que, aparentemente, a imagem negativa dele tinha uma forte ligação com a cor de sua pele. Para se referir a Sabino, não foi nem um pouco raro encontrar relatos em que sobraram termos como: “O safado do negro Sabino”, “O negro medonho do Sabino”, “O negro nojento do Sabino” e outros que descambaram para termos impublicáveis. Seja qual for o termo, sempre havia o adjetivo “negro” presente.
Jararaca é um caso à parte! O negro valente de Buíque (PE), alto e forte, que, segundo os estudiosos, seguia quase sempre à frente do grupo de bandoleiros, tem a sua figura associada a um crime verdadeiramente assombroso, que foi repetido muitas e muitas vezes durante meu deslocamento.
Cangaceiro Sabino.
Quando Jararaca se encontrava preso e indefeso na cadeia de Mossoró, foi-lhe questionado se tinha algum arrependimento pelos erros ados. Ele comentou que se arrependia apenas de uma coisa: em determinado lugar (que nunca é especificado), ao se encontrar em uma casa que estava sendo assaltada pelo bando, ele pegou um risonho bebezinho nos braços e o lançou para o alto. Quando a criança vinha caindo, o cangaceiro sumariamente o apunhalou, ou “aparou” no dizer do sertanejo, utilizando seu longo punhal. A criança teria morrido rindo, pois na sua inocência imaginava que Jararaca a teria jogado para o alto como parte de uma brincadeira.
Na sequência desse relato, quando Jararaca morreu, muitos fizeram questão de dizer que ele tinha “Pago por esse crime terrível” quando ele morreu nas mãos dos policiais potiguares no Cemitério de Mossoró.
Para muitos entrevistados, o fim violento, covarde e cruel de Jararaca nas mãos dos agentes do Estado serviu como redenção do hediondo crime praticado contra a criancinha. Para corroborar com essa suposta redenção, muitos fizeram questão de me lembrar do fato de Jararaca ser considerado um “santo” pelo povo de Mossoró.
Mesmo a história dessa punhalada sendo repetida à exaustão ao longo do trajeto, esse crime nunca foi comprovado pelos principais estudiosos que se debruçaram sobre o tema.
Nos casos de Sabino e Jararaca, percebi que as violências praticadas pelo primeiro, principalmente por meio de suas inúmeras surras com chicotes, colocaram-lhe numa situação de repulsa muito intensa e logo surgia a lembrança de sua negritude. Já o segundo, Jararaca, mesmo sendo igualmente negro como Sabino, ele é pouco recordado pela cor de sua pele, mas sim pelos episódios narrados anteriormente.
O cangaceiro Jararaca ao lado de dois soldados, em Mossoró, Rio Grande do Norte
Já em relação ao cangaceiro Massilon, que era branco e – desde a fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba, dependendo do lugar visitado e de acontecimentos ocorridos no ado – sua memória se alternou entre positiva e negativa.
Por um lado, nos locais onde anteriormente Massilon foi destratado pelos ricos proprietários e que, consequentemente, sofreram sua vingança já como cangaceiro, ele foi lembrado principalmente com termos como “moleque safado”, “cabra de peia” e “marginal”.
Por outro lado, nos locais onde ele realizou positivas ações de proteção dos velhos amigos, soltura de presos conhecidos, ou a preservação de patrimônios, houve definições que iam desde “um homem correto e de palavra”, até outras que apontavam Massilon como “uma pessoa boa que entrou na vida do cangaço por conta dos outros”. Ao questionar quem seriam esses “outros”, invariavelmente a resposta foi “os que tinham dinheiro e lhe trataram mal antes de ser cangaceiro”.
Bem amigos e amigas, a jornada foi percorrida e agora, em 2020, como que fechando um ciclo, através do apoio de SEBRAE/RN, apresento o que vi!
Quando o chapéu estrelado de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, cruzou a vista dos primeiros alpendres no sertão do Rio Grande do Norte, vindo da Paraíba, o destino do cangaceiro e seu bando já estava traçado: o plano era entrar em Mossoró, a cidade mais próspera do oeste potiguar em busca de dinheiro dos coronéis, tendo a ajuda do jagunço nativo Massilon que já tinha praticado assalto na região um mês antes. Mas a invasão fracassou e o fatídico 13 de junho de 1927 entrou para a história e o folclore do cangaço. A expulsão de Lampião foi registrada por historiadores e também pelos poetas nos versos de cordel, ressaltando o heroísmo dos mossoroenses que rechaçaram o famoso bando de cangaceiros de porteira afora.
Mas até chegar a Mossoró, por onde mais Lampião andou? Em menos de uma semana, o bando cruzou a cavalo um território que compreende 14 municípios do Rio Grande do Norte, incluindo Pau-do-Ferros e Martins, deixando um rastro de violência e impacto que o tempo não apagou da memória dos sertanejos. Foi preciso refazer todo esse chão para trazer à luz novas histórias, um desafio para o escritor e pesquisador Rostand Medeiros que agora chega ao livro “1927: O Caminho de Lampião no Rio Grande do Norte” (Caravela Selo Cultural, 375 págs.), com patrocínio do Edital de Economia criativa do Sebrae.
“1927: O Caminho de Lampião no Rio Grande do Norte” é divido em capítulos por dia em que os cangaceiros aram pelas cidadezinhas. Era manhã de sexta-feira, dia 10 de junho de 1927, quando Lampião cruza a fronteira por Luís Gomes, trecho que hoje seria a BR-405. Sem polícia no encalço, eles então assassinam o lavrador Mané Chiquinho, dono da propriedade chamada Vaquejador. Foi a partir desse crime que as polícias da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará aram a acompanhar o bando. Fatos importantes foram acontecendo no caminho até o ataque a Mossoró (dia 13) e a prisão e morte de Jararaca no dia 14 seguindo-se a fuga de Lampião para o Ceará.
Imagem dos defensores da frustrada invasão de Lampião: “Eram quatro para 1 cangaceiro”, relata o autor
Algo que se destaca neste livro é a reconstituição dos cenários mais antigos a partir das propriedades rurais. São sítios e fazendas centenárias de nomes curiosos que traçam um caminho de contornos semidesaparecidos: Sítio Bom Jardim, Sítio Diamantina, Fazenda Aroeira, Sítio Corredor, Sítio Gangorrinha, Fazenda Ausente, Sítio Saco, Fazenda Picada, agem de Oiticica, Fazenda Cacimba, Caboré, dentre muitas outras.
Um dos locais da agem é o Sítio Ponta de Serra, com traços preservados. Ao fundo, a Serra de Martins. Foto: Rostand Medeiros.
Idas e vindas
Há mais de dez anos Rostand segue o rastro de Lampião pelo Rio Grande do Norte. Só de viagens foram cinco. De motocicleta, de carro e com diferentes propósitos. A primeira em 2010 a convite do Sebrae-RN, para criar o roteiro de turismo cultural. “A pesquisa fez parte do projeto Pegadas de Lampião, uma ideia do superintendente do Sebrae Zeca Melo, que inclusive prefaciou o livro que estou lançando”, destaca.
Ao final da primeira jornada, o pesquisador entregou o resultado para a instituição e desde então vinha tentando publicar o texto. Até que em 2015 pegou novamente na estrada para participar das filmagens do documentário “Chapéu Estrelado”, do diretor Silvio Coutinho, como principal consultor. “Participei ativamente das filmagens a convite de Silvio, Iaperi Araújo e Valério Andrade e foram vários dias de muito chão, poeira e aprendizado”, conta o escritor.
Vale lembrar que ‘Chapéu Estrelado’ foi apresentado em Natal e exibido no Canal Brasil, que era o co-produtor do documentário junto com a Locomotiva Cinema e Arte. “Quando estava sendo preparado para percorrer os circuitos de festivais de cinema, inesperadamente Sílvio Coutinho faleceu de um ataque cardíaco no Rio e aí tudo parou. Hoje eu nem sei como está a situação dessa obra cinematográfica, lamenta.
Em 2017, de volta a estrada em companhia do artista plástico e fotógrafo potiguar Sérgio Azol, focado em uma coleta de material fotográfico para o desenvolvimento de uma exposição em São Paulo, onde Azol é radicado. A exposição também ou por Natal.
A clássica foto do bando de Lampião em Limoeiro, após a fuga do Rio Grande do Norte.
Histórias coletadas
Após esse tempo de vivência, o autor se voltou aos registros em cartórios, jornais de época e bibliografia anterior. Rostand destaca o livro de Sérgio Augusto de Souza Dantas, que foi “muito elucidativo sobre o caminho”. O livro em questão é “Lampião e o Rio Grande do Norte: A História da Grande Jornada” (Ed.: Gráfica Real, esgotado).
Além desse autor, foram consultados trabalhos de Raul Fernandes e Raimundo Nonato. E ainda os processos criminais abertos em Pau dos Ferros e Martins sobre os ataques dos cangaceiros, reproduzindo depoimentos dos cangaceiros Mormaço, Casca Grossa e Jararaca, nomes famosos que estavam no bando de Lampião à época.
“Nos depoimentos eles declararam que vieram para o Rio Grande do Norte por instância do cangaceiro Massilon e em nenhum dos depoimentos informaram alguma motivação diferente das ações que normalmente os cangaceiros efetuavam na época”, pontua.
Rostand ficou impressionado com o destaque dado pelos jornais de todo Brasil ao ataque a Mossoró e como a agem do bando marcou de forma intensa as muitas comunidades que visitou. “Encontrei poucas pessoas que foram testemunhas diretas dos episódios, mas delas colhi depoimentos preciosos. Principalmente os filhos, que escutaram essas histórias nos alpendres das casas sertanejas antes da chegada do rádio e da televisão, que consegui ótimas memórias da agem do bando”. O autor confrontou o depoimento dos sertanejos às informações que estavam nos livros, jornais e processos.
Noticiário relatado no jornal A República de 16 de junho de 1927.
No livro Rostand reforça que o objetivo de Lampião no Rio Grande do Norte não era guerrear, mas tentar conseguir dinheiro com alguma aliança com os coronéis. “Lampião normalmente só se envolvia em contendas de outras pessoas se isso de alguma forma lhe trouxesse vantagem. Não podemos esquecer que Lampião sequer conhecia o Rio Grande do Norte e aqui não tinha inimigos.”
Para o autor a tentativa de invasão a Mossoró foi o maior combate da história do Cangaço em área urbana e, apesar de haver quatro defensores para cada cangaceiro, a chamada Resistência Cívica do povo de Mossoró contra Lampião e seu bando merece todas as loas.
Mas em acontecimento dessa magnitude não poderia deixar de existir controvérsias. “Uma foi sobre o destino do jovem cangaceiro Menino-de-Ouro. Este teria sido gravemente ferido no combate em Mossoró e por não ar a dor teria pedido a Lampião que o executasse e assim foi feito. Mas o pesquisador Hilário Lucetti encontrou um idoso Menino-de-Ouro morando no sul do Ceará e sua história foi contada em um interessante livro de 1995”.
Outros temas
Rostand Medeiros é escritor, pesquisador e formado em Turismo, e escreve no blog Tok de História. Temas como Segunda Guerra também fazem parque do seu foco de pesquisa. Escreveu “Lugares de Memória: edificações e estruturas históricas utilizadas em Natal durante a Segunda Geurra” (Caravela), “Os Cavaleiros do Céu: A Saga do Vôo Ferrarin Del Prete” (Caravela), “João Rufino: Um Visionário de Fé”, dentre outros.
Documentos,
fotos e novos capítulos sobre a participação do RN na história do conflito mundial
estão em coleção de livros da Caravela Cultural. Uma dessas informações
inéditas está em “Sobrevoo – Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande
do Norte”, do historiador Rostand Medeiros, que resgata a história de uma queda
de avião no Seridó. A série faz parte de edital lançado pelo SEBRAE
Yuno
Silva – Repórter
Publicado no jornal Tribuna do Norte, edição de quartafeira, 27 de março de 2019, na primeira paginado Caderno Viver.
“A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra
Mundial” ainda rende, e muito! A cada remexida em arquivos e documentos, surgem
novas memórias, detalhes e curiosidades sobre esse período importante para a
história mundial e que as cidades de Natal e Parnamirim ainda não souberam
preservar e nem tiara nenhum proveito turístico e/ou museógrafo. Foi aqui,
nessa esquina continental, no início da década de 1940, onde mascaram o
primeiro chiclete, beberam o primeiro chope de máquina, vestiram a primeira
caça jeans e jogaram a primeira partida de fliperama da América do Sul.
Parnamirim, por sua vez, abrigou um dos maiores
entrepostos comerciais do planeta na época do conflito; só aqui no RN era possível
compara meia calça de nylon – no restante dos países, todo o estoque do tecido
sintético criado em 1935 já tinha virado material para fabricação de
paraquedas.
A Segunda Guerra se estendeu entre 1939 e 1945, o Brasil
se envolveu oficialmente a partir de agosto de 1942, e perceber o que restou do
legado norte-americano em terras potiguares exige um olhar atento.
É nesse momento, da necessidade do “olhar atento”, que
entram em cena três novos motivos para revisitar aquele momento de efervescência
urbana, cultural e social que sacudiram Natal e Parnamirim a editora Caravela
Selo Cultural lança no próximo dia 2 de abril, às 11 horas, na sede do
SEBRAE-RN, os três livros que integram a coleção “A participação do Rio Grande
do Norte na Segunda Guerra Mundial”.
São três obras independentes, com abordagens diferentes,
que se complementam e acrescentam mais “molho” no que já se sabe. “São livros
diferentes sobre a mesma temática, e que trazem informações inéditas sobre o
assunto”, assegurou o jornalista, engenheiro civil e pesquisador Leonardo
Dantas de Oliveira, coautor do livro “A engenharia norte-americana em Natal na
Segunda Guerra Mundial”, que ele assina junto com Osvaldo Pires de Souza e
Giovanni Maciel de Araújo Silva.
Completam a coleção uma coletânea “Observações sobre a
Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, reunindo artigos científicos e
organizados pelo escritor e editor da Caravela José Correia Torres Neto; e o
livro “Sobrevoo – Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”,
do pesquisador e historiador Rostand Medeiros.
A coletânea, explicou José Correia, reúne textos atuais
produzidos por especialistas e estudiosos da UFRN e de outras universidades de
outros estados. “Boa parte do material que estamos publicando já vinha sendo
organizado e catalogado pelos autores, e quando decidi editar a coleção tivemos
seis meses para deixar tudo pronto para impressão”, lembrou o editor, que
aproveitou o edital Economia Criativa 2018 do SEBRAE-RN para viabilizar o projeto.
“O lançamento da coleção no SEBRAE-RN vai coincidir com
o lançamento da edição 2019 do edital”, avisou Correia.
Papagaio
de guerra
O volume da coletânea organizado pelo editor da Caravela
Selo Cultural traz oito artigos científicos e pelos títulos percebe-se que as
abordagens buscam ir além do lugar comum.
Entre os textos publicados destaque para “Cabarés de
Natal: do esplendor do Cabaré de Maria Boa ao ostracismo do Beco da Quarentena
(1942 – 1950)”, escrito por Jéssica Freire Dalcin, Monique Maia de Lima e
Yasmênia Evelyn de Barros.
Outros artigos buscam ir mais fundo para instigar a
reflexão, como “A busca de um tesouro perdido: o desejo das elites de Natal
(RN) em torná-la uma cidade moderna no século 20”, de Giovana Paiva de
Oliveira; e “Uma cidade marcada por perdas e sonhos: a Natal da Segunda Guerra
Mundial”, de Giovana Paiva de Oliveira em parceria com Ângela Lúcia Ferreira e
Yuri Simonini.
Já o livro de Rostand Medeiros faz, literalmente, um
“sobrevoo” sobre o momento histórico com textos curtos recheados por
curiosidades, detalhes e agens que ainda não tinham sido revelados.
Relatos e depoimentos se misturam a uma narrativa
alicerçada por documentos que comprovam cada afirmação. Medeiros aborda desde a
“Influência das tripulações alemãs em Natal”; casos de espionagem; o resgate
das primeiras vítimas da guerra em Rio do Fogo, litoral norte do RN, em 1941; e
a presença de “Parnamirim Field” na imprensa internacional.
Os autores Leonardo Dantas, José Correia Torres Neto e Rostand Medeiros, junto ao jornalista Yuno Silva, da Tribuna do Norte.
No tocante às curiosidades, destaque para “A pitoresca
história de um papagaio que voou em combate nos céus da Europa”; e a queda de
um avião de guerra modelo Catalina na cidade de Riachuelo, agreste potiguar. O
papagaio “Jock”, inclusive foi notícia em vários jornais e Rostand Medeiros comprova
a história emplumada com fac-símile de uma manchete publicada no jornal carioca
A Noite em 19 de janeiro de 1944 – naquele momento, de acordo com o jornal, “Jock”
acumulava 50 horas de voo e havia sido indicado para receber medalha do
Exército americano.
“Muitas das informações são inéditas, extraídas de
documentos e diários que só foram liberados recentemente”, disse Leonardo
Dantas, que buscou no diário de obras dos batalhões de engenharia notas sobre o
legado deixado pelos norte-americanos na infraestrutura urbana: “Avenidas que
hoje são importantes vias que cortam a capital do RN foram construídas naquela
época. A primeira ‘pista’ de asfalto do Estado foi construída pelos soldados, e
ia do Colégio Ateneu até a base de Parnamirim”.
Nesses diários, também foram colhidos relatos sobre a
alimentação e de como era a hora de descanso dos trabalhadores braçais que
prestaram serviço para o Exército dos Estados Unidos. “Veio gente de outros
estados para trabalhar, pois não tinham mais quem contratar aqui em Natal e
Parnamirim para fazer o que eles precisavam”, completou Leonardo.
Coleção “A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial”
SERVIÇO
Lançamento
da coleção “A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial”,
dia 2 de abril, às 11 da manhã, na sede do SEBRAE-RN em Lagoa Nova. Após o dia
de lançamento, os livros estarão disponíveis na livraria da Cooperativa
Cultural da UFRN.
VIERAM IGUALMENTE DEBATER SOBRE AS HOMENAGENS À TRIPULAÇÃO DESSA AERONAVE, QUANDO ESSE EPISÓDIO HISTÓRICO COMPLETARÁ 75 ANOS EM 10 DE MAIO PRÓXIMO.
Foto de um hidroavião PBY-5A Catalina, do VP-45, junto com militares desse esquadrão de patrulha aérea da Marinha dos Estados Unidos – Fonte – NARA – através do pesquisador Rostand Medeiros.
Fonte – Prefeitura Municipal de Riachuelo-RN
Em 29 de março de 2019, estiveram em Riachuelo o diplomata Daniel A. Stewart e funcionário do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife Stuart Alan Beechler.
A Prefeita Mara Cavalcanti junto ao diplomata americano Daniel A. Stewart, do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife- Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Entre os objetivos da visita estava um encontro com a prefeita Mara Cavalcanti para conhecer aspectos gerais o município e buscar detalhes sobre o acidente de um hidroavião modelo PBY-5A Catalina da Marinha dos Estados Unidos, ocorrido em 10 de maio de 1944, em pleno período da Segunda Guerra Mundial.
Nesse dia a quase 75 anos, em
um dia bastante nublado, por volta das 3 da tarde, antigos membros da nossa
comunidade testemunharam a queda e destruição dessa aeronave a cerca de 20
quilômetros da pequena Riachuelo, onde então viviam cerca de 200 habitantes.
Foto da época da Segunda Guerra Mundial de um hidroavião Catalina, igual ao que se acidentou próximo a Riachuelo– Fonte – NARA – através do pesquisador Rostand Medeiros.
No desastre pereceram dez
aviadores navais americanos, entre eles o oficial Calder Atkinson, Comandante
do esquadrão de patrulha antissubmarino VP-45, que nesse período tinha base em
Belém, estado do Pará. Nessa época as forças armadas brasileiras lutavam em conjunto
com militares dos Estados Unidos contra as ações beligerantes dos submarinos
alemães e italianos no Oceano Atlântico, que atacaram e destruíram vários
navios mercantes brasileiros e de outros países. O Catalina do VP-45 que caiu
próximo a nossa cidade era uma das aeronaves que participavam das ações de
combate.
Outra visão de um Catalina– Fonte – NARA – através do pesquisador Rostand Medeiros.
Em meio aos destroços foram encontrados os corpos desfigurados do Comandante Calder Atkinson e nove outros tripulantes. Mesmo diante do quadro sinistro, os nossos anteados tiveram todo o cuidado para trazer esses restos mortais para o cemitério da cidade, onde foram enterrados com todo o respeito, dignidade e atenção.
Foto do Comandante Calder Atkinson, que pereceu na queda do Catalina em 10 de maio de 1944– Fonte – NARA – através do pesquisador Rostand Medeiros.
Essa atitude honrada do povo riachuelense chamou à atenção de Daniel Stewart e Stuart Beechler, que informaram que o Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife vai participar das homenagens planejadas pela nossa istração municipal para marcar os 75 anos desse episódio. Nessa ocasião estará presente em nossa cidade o Sr. John Barrett, atual Cônsul Geral dos Estados Unidos na capital pernambucana.
Os visitantes que estiveram em Riachuelo. Da esquerda para a direita vemos os Srs. Stuart Alan Beechler e Daniel A. Stewart , do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife, seguido de Rostand Medeiros , escrito e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e o Capitão de Mar e Guerra Fuzileiro Naval (R.R.) Edison Nonato de Faria – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Além dos membros dessa representação diplomática e do executivo municipal, vão participar das homenagens a Marinha do Brasil, que estará presente com a Banda de Música do Corpo de Fuzileiros Navais e uma representação oficial do Terceiro Distrito Naval de Natal. Apoiando esse importante intercâmbio entre a Marinha e a Prefeitura de Riachuelo, contamos com a inestimável participação do Capitão de Mar e Guerra Fuzileiro Naval (R.R.) Edison Nonato de Faria, que também esteve junto aos americanos na visita a nossa cidade.
Reunião dos visitantes junto com a Prefeita Mara Cavalcanti – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Esse episódio histórico é bastante conhecido dos habitantes da nossa comunidade. Mas recentemente o escritor e pesquisador Rostand Medeiros, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN esteve em Riachuelo em busca de maiores informações sobre o acidente. Esse pesquisador desejava conseguir mais subsídios para o desenvolvimento de um livro sobre a Segunda Guerra no Rio Grande do Norte. Na realização dessa pesquisa Rostand Medeiros contou com o apoio de Aílton de Freitas Macedo, Secretário de istração de Riachuelo, que buscou ajudar com todas as informações possíveis.
O Secretário de istração Aílton Freitas apresentando um dos possíveis locais para a realização do evento dia 10 de maio– Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Uma das últimas testemunhas
diretas desse episódio é o Sr. José Lourenço Filho, que foi entrevistado, como
também moradores da zona rural e sítios da região. O resultado dessa pesquisa é
um dos capítulos do livro “Sobrevoo – Episódios da Segunda Guerra Mundial no
Rio Grande do Norte”, lançado em 2 de abril do corrente na sede estadual do
SEBRAE-RN, que apoiou a confecção dessa obra.
Livro onde está inserido o episódio da queda dessa aeronave próximo a Riachuelo em 1944. Segundo Rostand Medeiros esse livro faz parte da coleção “A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial”,coleção de três livros produzida pela editora Caravela Selo Cultural e apoio do SEBRAE-RN. Fazem parte dessa coleção os livros “A engenharia norte-americana em Natal na Segunda Guerra Mundial”, de Leonardo Dantas de Oliveira, Osvaldo Pires de Souza e Giovanni Maciel de Araújo Silva., além da obra “Observações sobre a Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, reunindo artigos científicos e organizados pelo escritor e editor da Caravela José Correia Torres Neto .
Rostand Medeiros igualmente esteve acompanhando Daniel Stewart e Stuart Beechler nessa visita.
Por volta de oito da manhã eles
chegaram à sede da prefeitura, onde mantiveram uma reunião preliminar com a
Prefeita Mara Cavalcanti, Secretário de istração Aílton Freitas e Sara Gardênia,
Secretária Adjunta. Nesse contato ficou definido como será a realização do
evento de caráter histórico/educativo do próximo dia 10 de maio e foram
tratados aspectos como a localização da cerimônia e a participação das
entidades envolvidas. Depois os visitantes percorreram vários locais da cidade,
seguindo para um encontro com o Sr. José Lourenço Filho, que bastante
emocionado recebeu a todos e narrou alguns fatos relativos ao episódio corrido
em maio de 1944.
O Sr. José Lourenço Filho rememorando para os americanos o episódio de 10 de maio de 1944 – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Depois a comitiva seguiu para o Cemitério Municipal, onde os funcionários americanos desejaram conhecer o local onde foram depositados pelos Riachuelenses os restos mortais dos dez aviadores navais. A cova coletiva ficava na área antiga dessa necrópole, junto ao muro da parte posterior desse local. Um dado interessante narrado pelo pesquisador Rostand Medeiros é que na atualidade esses aviadores navais se encontram sepultados em um cemitério militar no estado de Illinois, Estados Unidos, onde seus despojos estão reunidos em um único túmulo, tal como em Riachuelo.
O grupo de visitantes, tendo à frente o Secretário Aílton Freitas visitando o local onde os aviadores navais do seu país foram enterrados em 1944 – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Antes do grupo seguir para
o local onde a aeronave Catalina caiu, de forma surpreendente eles puderam
conhecer um objeto original oriundo dos destroços: uma colher de prata com o
símbolo da Marinha dos Estados Unidos e bastante conservada. Essa verdadeira
relíquia histórica atualmente está de posse de uma família riachuelense, que
tem enorme respeito pela peça e a preserva da melhor maneira possível.
Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Na sequência todos seguiram
por estradas da zona rural, circulando por áreas que estão recebendo boas
chuvas neste ano de 2019. O grupo foi até a área da queda do Catalina, onde
debateram aspectos históricos do episódio.
Daniel Stewart , Stuart Beechler, Aílton Freitas e Rostand Medeiros na área do desastre do Catalina – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
No retorno a sede de nossa
prefeitura, houve um novo encontro com a Prefeita Mara Cavalcanti e ficaram acertadas
várias deliberações para o evento que ocorrerá em 10 de maio próximo.
A Prefeita Mara Cavalcanti recebendo um presente do diplomata Daniel A. Stewart – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.
Com essa atividade a Prefeitura
Municipal de Riachuelo honrará de forma digna a memória dos militares aliados
que sacrificaram suas vidas em prol da liberdade, bem como a dos nossos
anteados que souberam com extrema dignidade e atenção conceder a esses
aviadores navais o descanso em solo riachuelense.
A grande base de Parnamirim Field durante a Segunda Guerra Mundial – Fonte – NARA.
Rostand
Medeiros – Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte –
IHGRN
Na tarde da última quinta-feira, 14 de março de 2019,
ocorreu no prédio anexo da Procuradoria do Ministério Público Federal do Rio
Grande do Norte-MPF-RN, através da ação do seu Núcleo de Cidadania e Ambiental,
uma importante e interessante audiência extrajudicial com o objetivo de tratar
de assuntos pertinentes ao resgate, preservação e valorização do patrimônio
histórico existente em Natal e Parnamirim ligados ao período da Segunda Guerra
Mundial.
O Dr. Victor Manoel Mariz, Procurador Federal.
Essa reunião foi provocada pela positiva iniciativa do
amigo Ricardo da Silva Tersuliano, do Instituto dos Amigos do Patrimônio
Histórico e Artístico Cultural e da Cidadania-IAPHACC, que em 29 de agosto do
ano ado deu entrada no MPF-RN com um ofício solicitando a realização de uma
audiência para debater temas ligados ao período da Segunda Guerra Mundial.
Nesse documento, entre outras coisas, Ricardo sugeriu a criação de um
inventário do patrimônio histórico utilizado pelas forças militares
estrangeiras e brasileiras que se encontravam sediadas no Rio Grande do Norte durante
o conflito, a criação de uma possível rota histórico-turística abrangendo essas
edificações, além do tombamento e preservação desse patrimônio.
Em 15 de fevereiro de 2019 recebi um ofício do MPF-RN convidando-me
para participar dessa reunião, fato que me trouxe muita satisfação.
Da esquerda para direita Ricardo Tersuliano do IAPHACC, Leonardo Dantas da Fundação Rampa, o autor desse texto e João Hélio do SEBRAE.
Estiveram presentes o vereador Felipe Alves,
representando a Câmara de Vereadores de Natal, João Hélio Cavalcanti, Diretor
do Serviço de Apoio da Micro e Pequena Empresa do Rio Grande do Norte-SEBRAE,
Leonardo Dantas e Augusto Maranhão como representantes da Fundação Rampa,
Maximiniano Braga representando a Secretaria Municipal de Turismo, Hélio de
Oliveira da Fundação Cultural Capitania das Artes-FUNCARTE, Márcio Alekssander
como representante do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no
Rio Grande do Norte-IPHAN/RN, os comandantes Henrique Afonso e João Leal Neto
representando o 3º Distrito Naval da Marinha do Brasil, o coronel Tito Tavares
como representante da 7ª Brigada de Infantaria Motorizada do Exército
Brasileiro, o major Cidney Paiva Ribeiro, a 2º tenente Rosa Célia Gonçalves e a
professora Grazielly dos Anjos Fontes representando a ALA-10 da Força Aérea
Brasileira, a Procuradora Estadual Majore Madruga representando a Procuradoria
Geral do Estado, além de Sérgio W. B. Paiva e Harryson Magalhães como
representantes da Fundação José Augusto.
Participantes.
A audiência foi presidida pelo Procurador Federal Victor
Manoel Mariz, que me pareceu uma autoridade do judiciário bastante centrado no
desenvolvimento do seu trabalho, além de interessado e preocupado com as
questões envolvendo o patrimônio histórico potiguar. Fato esse bastante
alvissareiro em uma terra onde eu tenho a impressão que tudo ligado a questões
sobre a sua própria história é tratado de forma irresponsável, desleixada e
secundária por muitas de suas autoridades.
Inicialmente o Dr. Victor Mariz ressaltou que o MPF-RN não pode interferir de maneira abrangente na execução de políticas públicas, mas informou que esse órgão tem a incumbência constitucional de fomentar o debate e instar o Poder Público a adotar medidas voltadas a conferir proteção aos valores históricos e culturais.
Na sequência o Procurador Federal apontou duas questões que para ele estavam bastante claras: a enorme importância histórica da região de Natal e Parnamirim em relação a história da Segunda Guerra Mundial e o descaso do Poder Público no tocante a valorização e ao resgate da memória desses fatos. Finalizou seus apontamentos iniciais comentando que o objetivo daquela reunião era provocar a ação dos atores interessados nesse tema, que permitisse promover o resgate desse patrimônio histórico, bem como sua valorização.
Depois ocorreram várias manifestações dos presentes, das
quais separei as que eu considero as mais relevantes, além da minha própria
manifestação perante o Procurador Federal.
Ricardo Tersuliano, do IAPHACC, comentou que o motivo
que levou a sua instituição a provocar o MPF-RN foi a percepção que Natal e
Parnamirim estão perdendo de maneira célere as suas respectivas identidades
históricas em relação à importância que tiveram durante o período da Segunda
Guerra. Para ele não existe até o presente momento ações concretas destinadas
ao resgate e a preservação desse importante patrimônio histórico.
Já a Procuradora do Estado Majore Madruga comentou que tem visualizado a subutilização do patrimônio histórico do Estado do Rio Grande do Norte, notadamente no âmbito das atividades turísticas. Acrescentou que é preciso conhecer quais das edificações que foram importantes para a época, saber o estado que se encontram e adotar as medidas necessárias para evitar possíveis demolições.
Procuradora do Estado Majore Madruga e o Dr. Victor.
Os representantes da Fundação Rampa Leonardo Dantas e
Augusto Maranhão informaram que essa entidade vem desde 2008 realizando estudos
sobre a Segunda Guerra e promovendo ações como o resgate do eio de Jeep
realizado por Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt por Natal e ocorrido em
janeiro de 1943. Esse resgate é realizado através de uma interessante encenação
histórica pelas ruas da cidade.
Tripulação de um avião da marinha norte americana do tipo PB4Y-1 LIBERATOR, do esquadrão VPB-107, com base em Natal, Rio Grande do Norte, que patrulhava e caçava submarinos na costa brasileira.
Já João Hélio Cavalcanti, Diretor do Serviço de Apoio da
Micro e Pequena Empresa do Rio Grande do Norte-SEBRAE-RN, informou que esta
entidade está trabalhando há quatro anos na elaboração de um projeto que tem
como tema a importância de Natal no cenário histórico da Segunda Guerra e visa
a criação de uma rota turística, onde tanto a Governadora do Estado quanto o
Prefeito de Natal tem conhecimento desse projeto.
Como escritor, pesquisador e sócio efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte-IHGRN, eu tive a oportunidade de
compartilhar minhas experiências com estudos e pesquisas sobre a Segunda Guerra
Mundial no meu estado.
Aproveitei a ocasião para ressaltar o positivo trabalho
realizado na cidade de Mossoró em relação ao resgate da memória histórica da
resistência cívica, efetuada pela sua população em 1927 contra o ataque do bando
de cangaceiros de Lampião. Apontei a importância das ações em prol desse projeto
e da existência do conhecido Memorial da
Resistência como um local que ajudou e vem ajudando a população mossoroense
a ampliar a percepção relativa a esse episódio e, consequentemente, valorizar a
história da sua cidade.
´Memorial da Resistência, um exemplo de como Mossoró preserva a memória do ataque de Lampião d um exemplo para Natal e Parnamirim.
Como muitos dos presentes afirmaram nessa reunião, eu
também endossei que pouco tem sido feito para resgatar e preservar a memória da
Segunda Guerra em Natal e Parnamirim, um momento histórico tão intenso e
importante dessas duas cidades. Mas na minha fala igualmente eu fiz questão de
enaltecer que é primordial a criação de um memorial da Segunda Guerra Mundial
em Natal. Como vários comentaram nessa reunião, igualmente apontei que
certamente o melhor local para existir esse espaço é o prédio histórico da
Rampa, com a sua utilização sendo istrada pela Fundação Rampa.
Não tenho dúvidas que a existência desse espaço será de
suma importância para ampliar o conhecimento e a própria valorização sobre esse
tema que, mesmo de forma limitada, é referenciado por uma grande parcela da
população potiguar.
Inclusive informei situações e problemas pela não existência
de um local de memória especializado no período da Segunda Guerra no Rio Grande
do Norte e a minha atuação profissional junto ao turismo potiguar. Citei como exemplo
que durante o período de grande fluxo de turistas estrangeiros ao Rio Grande do
Norte, ocorrido entre o final da década de 1990 e início da década seguinte,
quando então desenvolvia atividades laborais como Guia de turismo cadastrado
pela EMBRATUR e atendia visitantes oriundos da Península Ibérica, após relatar com
detalhes as histórias relativas a Segunda Guerra na nossa região, em algumas ocasiões
fui cobrado a apresentar os locais históricos citados, ou algum museu que
mostrasse com detalhes o período. Essas situações me causaram constrangimento
junto a esses turistas, por ter pouco a apresentar e a inexistência de um museu
especializado para a realização de visitas.
Ainda durante a minha fala trouxe para o Dr. Victor
Mariz a informação que em junho de 2015 o Dr. João Batista Machado, então
Promotor de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, na época titular da 41ª
Promotoria de Justiça da Comarca de Natal, me solicitou a elaboração de um
relatório preliminar sobre os locais utilizados pelas forças militares
norte-americanas que se encontravam estacionados em Natal durante a Segunda
Guerra Mundial. Como resultado desse relatório o Dr. João Batista decidiu
organizar uma visita a esses locais, o que efetivamente ocorreu no dia 20 de
junho de 2015. Participaram dessa visitação membros do Ministério Público
Estadual, do IAPHACC, outras entidades e convidados.
Convite da 41ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal para a realização das visitas aqui comentadas.
Quando da elaboração do documento apresentado ao
Ministério Público Estadual encontrei na bibliografia e fontes existentes a
referência de 32 locais utilizados em Natal. Mas como o relatório focava nos
pontos utilizados pelos norte-americanos eu listei e detalhei então 17
edificações, as quais foram efetivamente visitadas em 20 de junho de 2015. Quanto
aos outros 15 locais os mesmo não foram visitados por não terem sido inseridos
no relatório, em razão de possuírem utilizações históricas diversas da focada
no objetivo solicitado.
Comprovante da entrega do relatório de 2015.
Por determinação do Dr. Victor Mariz, como uma das
deliberações finais dessa reunião, coube a mim e ao amigo Leonardo Dantas ampliar
o relatório que entreguei ao Ministério Público Estadual em 2015, coletando
todas as informações disponíveis sobre as 32 edificações consideradas
interessantes para a época histórica pesquisada. Isso não impede que outros
locais sejam apontados como importantes para aquele período histórico e sejam
acrescentados a esse novo relatório. Igualmente foi solicitado a outros
representantes das entidades presentes na reunião o cumprimento de outras
deliberações.
“Sobrevoo-Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, meu quinto e mais novo livro, que faz parte da “Coleção A Participação do RN na Segunda Guerra Mundial”, material que contou com o apoio do SEBRAE-RN para sua elaboração, através do Edital Economia Criativa 2018. Esse livros será lançado no dia 2 de abril de 2019, na sede do SEBRAE de Natal, junto com os livros dos amigos Leonardo Dantas e José Correia Torres Neto.
Acredito que essa reunião foi extremamente positiva, bem como positiva é a ideia do MPF-RN de provocar a ação dos atores interessados nesse tema. Talvez os desdobramentos desse momento possam promover o resgate desse patrimônio histórico, bem como sua valorização. Fico na torcida para que tudo funcione corretamente.
No nariz de um PBSY-1 LIBERATOR, em meio a uma pintura de mulher, conhecida como “pin-up art”, o nome da cidade potiguar de Macaíba, escrito na forma antiga.
Entretanto não tenho muitas ilusões sobre uma possível
atuação de maior relevância do Poder Público nesse caso. Apesar desse tema ser
de alta relevância para a história e memória potiguar, devido a continuada omissão
desse mesmo Poder Público, creio que eu tenho direito a não ter ilusões.
E o Exemplo De Uma Cidade Potiguar na Preservação de Um Dia Intenso
Autor – Rostand Medeiros
1927 foi um ano bem intenso na história do Rio Grande do Norte. Enquanto os sobrevoos de aeronaves vindas da Itália, Portugal, Estados Unidos e França faziam com que a capital potiguar marcasse presença em jornais de circulação mundial com, o nosso sertão era “visitado” pelo maior bandoleiro da história do Brasil, o cangaceiro pernambucano Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião.
Seu ataque às terras potiguares, junto com um numeroso e feroz bando de cangaceiros, aconteceu em junho daquele ano e tinha como principal objetivo a progressista cidade de Mossoró. Mas ao longo do trajeto algumas comunidades e muitas propriedades foram invadidas, ultrajadas, roubadas e saqueadas. Em um imemoriável frenesi de medo, terror, gritos, sangue e mortes.
O ataque de Lampião ao Rio Grande do Norte jamais foi esquecido nestas comunidades e em alguns destes locais existe uma luta muito interessante e louvável para preservar a memória daqueles dias estranhos e intensos.
Um destes locais é a cidade de Antônio Martins.
A Chegada dos Celerados
Em 2010 eu percorri pela primeira vez o caminho de Lampião no Rio Grande do Norte, ando pelos territórios de dezenove municípios potiguares, como parte de uma pesquisa para o SEBRAE-RN[1].
Cidade de Antônio Martins
Quando estive em Antônio Martins eu conheci e recebi o apoio do escritor Chagas Cristóvão, que na época exercia o cargo de Secretário Municipal de Turismo e Cultura daquela cidade.
Competente pesquisador da história da sua comunidade, Cristóvão comentou que na época da invasão dos cangaceiros a atual cidade de Antônio Martins tinha a denominação de Boa Esperança. Era então uma pequena concentração de casas, onde viviam cerca de 350 a 400 habitantes, sendo parte do território da cidade serrana de Martins[2].
Em 11 de junho de 1927, dia da chegada do bando de cangaceiros a localidade, coincidiu com as celebrações da festa do padroeiro local, Santo Antônio.
De certa maneira esta situação de comemoração, novenas e alegria do povo do lugarejo foi muito útil para o grupo de celerados, pois pegou a todos na comunidade bastante desprevenidos, sendo a pequena urbe rapidamente ocupada. Aquela localidade era o primeiro núcleo urbano invadido pelo bando de cangaceiros de Lampião no Rio Grande do Norte.
Justino Ferreira de Souza, fundador do povoado de Boa Esperança.
Naquele mesmo 11 de junho, o povo de Boa Esperança aguardava a chegada de uma banda de música da cidade paraibana de Catolé do Rocha. Mas por atraso da saída destes músicos da cidade fronteiriça, não ouve o encontro da banda musical com os cangaceiros. Para Cristóvão esta também é outra das razões para a população da cidade ter sido pega totalmente de surpresa quando da entrada do bando. Vale ressaltar que durante a entrada dos bandidos na vila, um deles fazia a função de corneteiro, tocando um destes instrumentos que havia sido capturado dos policiais batidos no combate da Caiçara[3].
Neste período o fundador do lugar e líder político era Justino Ferreira de Souza. Ele foi avisado da chegada do grupo, mas diante do fato consumado decidiu esperar e ver o que acontecia.
Logo o bando adentra a rua principal. Ao perceberem quem eram os cavaleiros o pânico se instalou. Pessoas correram para todo lado. Os cangaceiros atiravam para o alto, gritavam, urravam, batiam e galopavam invadindo e saqueando as casas do lugarejo.
Lampião estava particularmente raivoso. Entre as sandices cometidas em Boa Esperança temos o suplício de Vicente Teixeira de Lira.
Aqui vemos Vicente Teixeira de Lira, que escapou por milagre de morrer nas garras de Lampião e dos seus homens.
O caso começou quando Lira deu uma resposta que o chefe cangaceiro pernambucano considerou insolente e foi “convocado” por Lampião. O humilde potiguar foi então obrigado a seguir à frente do bando, segurando na correia da alimária de Lampião. Em dado momento Lira escorregou no chão de terra e o cavalo do chefe dos bandidos quase lhe colocou no chão. Foi o que bastou para o pobre aldeão levar uma extensa cutilada de punhal. Para piorar sua situação, em frente à igreja de Santo Antônio, outros bandoleiros fizeram pouco caso de sua má sorte e o obrigaram a beber cachaça. Ele quase morreu.
Entre os locais de comércio que foram atacados estava a mercearia e a casa de Francisco Justino, onde os homens armados se abasteceram de vários gêneros e beberam muita cachaça. Com muita conversa, jeito, extremo tato, este pequeno negociante conseguiu que Lampião demovesse os seus seguidores de continuarem na sinistra depredação.
Alguns reféns anteriormente capturados pelos cangaceiros na agem por propriedades que ficavam localizadas antes desta comunidade conseguiram fugir em meio a toda confusão reinante.
Na vila não faltaram ameaças, espancamentos e roubos de produtos em casas comerciais.
Uma Novaes no Rio Grande
Outro caso que ficou famoso foi no momento em que Sabino, o braço direito de Lampião na empreitada por terras potiguares, saqueava a loja e a residência de Augusto Nunes de Aquino. Sabino se preparava para levar a mulher do comerciante, Dona Rosina Novaes, como refém.
Dona Rosina Novaes, mulher do comerciante Augusto Nunes de Aquino. O sobrenome desta pernambucana do Pajeú fez Lampião diminuir o ímpeto do ataque de seu bando a pequena vila.
No momento de ser colocada em um cavalo e seguir com a turba encourada, Dona Rosina desabafou com o perigoso Sabino, comentando detalhes de sua procedência e a origem do seu nome de família. Sabino, ao escutar o relato da mulher, chamou o chefe na mesma hora.
Lampião descobriu, naquele longínquo lugarejo potiguar, estar diante de uma parenta de Elias e Emiliano Novaes, da cidade de Floresta, na época conhecida como Floresta do Navio, na mesma região do Pajeú. Emiliano Novaes era comerciante, membro de uma proeminente família, tido como amigo e coiteiro de Lampião. Consta que chegou a cavalgar de arma na mão ao lado de cangaceiros[4].
Revista “O Malho”, Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 1929, página 28.
Para muitos habitantes da região, a situação na vila de Boa Esperança durante a invasão do bando só não foi mais grave devido a Dona Rosina Novaes. Pelo fato dela possuir laços familiares com pessoas que Lampião respeitava e temia em Pernambuco, fez com que o ímpeto destrutivo do chefe em relação ao lugar fosse claramente abrandado.
Lampião era muito valente, mas era antes de tudo inteligente. Evidentemente ele percebeu que quando retornasse para Pernambuco trazendo consigo a responsabilidade por algo negativo ocorrido a Dona Rosina Novaes, a temida e glorificada capacidade vingativa da família Novaes se faria sentir contra ele e seu bando. O melhor era deixar aquela mulher em paz.
O comerciante Augusto Nunes de Aquino.
Diante da nova situação o chefe refreou os ímpetos violentos tanto dele, quanto do seu bando. Lampião chega ao ponto de se desculpar com Dona Rosina pelo ocorrido. Alegava desconhecer ser o lugar habitado por uma legítima representante do temido clã dos Novaes[5].
Desfeito o “mal entendido”, para Lampião o clima ficou mais tranquilo e ele chega a solicitar que Dona Rosina prepare algo para eles jantarem. Mais adiante, tranquilamente sentado na mesa, mais para se justificar diante dos seus atos e do seu bando, o cangaceiro comenta “o porquê de estar nesta vida” – Comenta aos presentes estar naquela vida bandida como fruto das perseguições que sofria, destilou seu ódio contra a polícia e outras razões.
Diante da esperada respeitabilidade que Lampião ou a demonstrar por Dona Rosina e seu marido Augusto Nunes de Aquino, este último assume o papel de protetor dos habitantes de Boa Esperança.
Por volta das sete e meia da noite, o chefe prepara seu bando e seguem viagem.
Cangaceiros Rezando na Igreja de Santo Antônio
Da época do ataque de Lampião a Boa Esperança, poucos são os locais que se encontram preservados atualmente.
A primeira residência do atual município de Antônio Martins.
Um destes pontos invadidos pelos membros do bando de Lampião é uma interessante residência localizada na Rua Aureliano Saraiva, número 109. Construída em 1898, esta casa pertenceu a Justino Ferreira de Souza e na época servia como uma pousada para os viajantes que trafegavam na região. A casa se mantém original, sendo continuamente habitada e considerada a residência mais antiga e precursora da povoação de Boa Esperança.
O potiguar Luís da Câmara Cascudo e o paulista Mário de Andrade em foto no sertão nordestino.
Ainda sobre este local, segundo Chagas Cristóvão, um ano e sete meses depois da agem do bando pelo lugar, no dia 19 de fevereiro de 1929, ali chegava um carro transportando quatro homens que visitavam a região sertaneja. Entre estes estavam o folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo e o poeta e escritor paulista Mário de Andrade.
A agem de um dos criadores do movimento modernista no Brasil pela Região Oeste Potiguar tinha como objetivo a observação dos costumes, das manifestações culturais e as características do povo do sertão nordestino. Mesmo ado quase dois anos do ataque de Lampião, chamou atenção do escritor paulista as marcas do medo da população de Boa Esperança diante da terrível “visita” de Lampião[6].
Igreja de Santo Antônio.
Vizinho a esta antiga habitação se encontrava a igreja de Santo Antônio. Construída 1901, este pequeno templo religioso era no dia 11 de junho de 1927 o principal local de realização dos festejos relativo ao padroeiro local.
Até hoje nesta festa religiosa é tradicional a realização das chamadas “trezenas”, onde durante treze dias anteriores ao dia 13 de junho, a data consagrada a Santo Antônio, são realizadas missas, cantos de benditos, encontros e outras participações da comunidade neste templo católico.
Segundo Chagas Cristóvão havia algumas pessoas da comunidade reunidas no local quando os cangaceiros chegaram a Boa Esperança. Logo alguns cangaceiros ficaram diante do templo e, visivelmente embriagados, proibiram a saída dos fiéis do local. De dentro da igrejinha essas pessoas assistiram horrorizados os suplícios do jovem Vicente Lira, que apunhalado e sangrando abundantemente, era obrigado a engolir talagadas de cachaça.
Cristóvão comentou ainda que existe uma versão onde diante da igreja aberta, outros cangaceiros adentraram respeitosamente o local, se ajoelharam, rezaram, se benzeram e depois saíram sem perturbar os atônitos presentes[7].
Velha casa do extinto sítio Alto da Ema, atualmente um bairro da cidade de Antônio Martins.
Na saída da zona urbana do atual município de Antônio Martins, temos a velha casa do sítio Alto da Ema, que então pertencia a um senhor conhecido como “Coqueiro” e hoje dá nome a um dos bairros da cidade. Neste ponto os comandados de Lampião procuraram adentrar residência assobradada, que se encontrava desocupado devido à fuga dos seus moradores. Eles utilizaram as coronhas dos seus fuzis na tentativa de derrubar a porta. Entretanto, fosse pela pressa em seguir adiante, ou pelo excesso de álcool, ou outra razão desconhecida, os cangaceiros não alcançaram seu intento e seguiram adiante no seu caminho de saque e terror.
A Memória da agem de Lampião
Em 2007, durante a agem dos oitenta anos do ataque de Lampião ao Rio Grande do Norte, a prefeitura local decidiu promover toda uma programação destinada a marcar este momento dentro da comunidade. Em uma bela praça de eventos localizada no centro da cidade foi fixada uma placa de bronze com a relação dos trinta e um habitantes da antiga vila de Boa Esperança que sofreram violências ao longo da agem do bando.
Placa comemorativa ao 80º aniversário da agem de Lampião por Antônio Martins. Na placa de bronze estão inscritos os nomes de 31 pessoas que foram atacadas em 11 de junho de 1927.
Aos descendentes dos que foram atacados pelos cangaceiros, a Prefeitura Municipal de Antônio Martins outorgou uma insígnia honorífica, personalizada, no formato de uma pequena placa de acrílico, , alusiva aos fatos ocorridos. Esta condecoração foi entregue a alguns dos descendentes em praça pública, no dia 11 de junho de 2007.
Insígnia entregue em 11 de junho de 2007, aos descendentes dos que estavam na povoação de Boa Esperança e sofreram com o ataque do bando de Lampião.
Igualmente nesta mesma data, ava pela cidade de Antônio Martins a cavalgada comemorativa aos 80 anos do ataque a Mossoró, onde foi repetido o mesmo ato simbólico ocorrido na zona rural de Marcelino Vieira, com o descerramento de outra placa comemorativa em relação à resistência ocorrida em Mossoró, quando da agem do bando pelo Rio Grande do Norte.
Placa da cavalgada dos 80 anos da resistência ao bando de Lampião em Mossoró, fixada em Antônio Martins.
Segundo Chagas Cristóvão a prefeitura de Antônio Martins desenvolveu um projeto visando a criação de um museu destinado a apresentar os principais aspectos da história municipal, onde seria inserido a história do ataque do bando de lampião aquela comunidade.
O museu estaria direcionado para um público local e regional, tendo como outros pontos focais a valorização das raízes locais e o desenvolvimento do turismo regional. Pessoalmente não tive mais informações se este museu foi inaugurado.
Mas louvo todas as iniciativas ali realizadas em relação a memória destes acontecimentos.
[2]O número da população de Boa Esperança na década de 1920 aqui apresentado é uma dedução feita a partir do texto existente sobre a história desta cidade existente no site http://www.wikipédia.org (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B4nio_Martins), onde lemos que em 1920 havia “81 casas, com 327 moradores já estavam permanentes em Antônio Martins”. Esse número mostra que houve um aumento exponencial na população local, pois vinte e dois anos antes do ataque de Lampião a Boa Esperança, temos a informação que moravam neste lugar cerca de sessenta “fogos”, ou pessoas. Informação contida na mensagem do governador potiguar Augusto Tavares de Lyra, lida na Assembleia Legislativa em 1905 e publicada no ano seguinte, em um interessante detalhamento sobre o município de Martins, Ver “Mensagens lidas perante o Congresso Legislativo do Estado do Rio Grande do Norte”. Tipografia A República. Pág. 116, Natal-RN, 1906. Atualmente, utilizando as modernas rodovias BR-226 e RN-117, a distância entre Antônio Martins e Martins é de uns 35 quilômetros.
[5]Não é muito difícil na região do Oeste Potiguar encontrar inúmeras referências de famílias cujos anteados eram provenientes do sertão do Pajeú, ou de outras áreas do sertão Pernambuco. Acreditamos que esse processo tem haver com o trânsito de pessoas e mercadorias, que seguiam principalmente em direção a Mossoró, em comboios de cargas transportados por mulas e jegues.
[6]O resultado desta empreitada sertaneja subsidiaria Mário de Andrade a escrever a obra “O turista aprendiz”.
[7]Durante todo nosso percurso pesquisando a agem do bando de Lampião no Rio Grande do Norte em 2010 e em três outras viagens por este caminho em 2012, 2014 e 2015, esta foi a única informação que consegui sobre a presença de que alguns cangaceiros do bando teriam adentrado um templo católico com o intuito de rezar.
Normalmente as pessoas que gostam de um determinado tema histórico possuem em suas casas livros sobre o assunto de sua preferência. Certamente que nestas estantes alguns destes livros se destacam de outros pelo constante manuseio e a frequência com que seus proprietários vasculham suas páginas em busca de respostas para certas indagações. São aqueles livros que se tornam referência. Evidentemente que diante dessa situação, surge naturalmente uma positiva iração pelos autores destes maravilhosos trabalhos.
Na minha estante sobre livros do cangaço, que nem é tão numerosa assim, existem alguns poucos livros que se enquadram perfeitamente nesta situação, cujos autores são verdadeiros Mestres para mim. Um deles é “Guerreiros do Sol”, de Frederico Pernambucano de Mello.
Nessa minha busca pelo conhecimento do que significa o fenômeno do cangaço, sem dúvida alguma esta obra é uma grande ferramenta que me ajuda a ampliar o meu conhecimento sobre o tema.
Com o tempo fui incorporando ao meu acervo outros interessantes livros de Frederico Pernambucano de Mello, todos de alto nível.
E hoje, em Recife, eu tive o privilégio de conhecer Mestre Frederico.
Fui recebido de maneira extremamente atenciosa, em um momento muito agradável, muito salutar, onde pudemos debater de maneira tranquila e aberta sobre o universo do cangaço e da história de nossa região.
Conheci um homem com amplo conhecimento sobre esse tema, mas com uma natural simplicidade, enorme fidalguia e extrema atenção a este seu irador.
Eu só tenho o mais franco agradecimento ao Mestre Frederico por este agradável encontro.
O episódio acima citado, ocorrido no dia 10 de junho de 1927, na então Vila Vitória, atual Município de Marcelino Vieira/RN, precisamente no lugar denominado Caiçara dos Tomáz, está muito bem relatado por Carlos Rostand França de Medeiros, no blog Lampião Aceso e pelo Sargento Gama no blog Toxina.
Mas ainda tem muita novidade sobre tal ocorrência.
Rostand Medeiros recebendo a medalha junto com descendentes dos participantes do combate.
Em razão de o soldado José Monteiro de Matos ter sido cruelmente assassinado pelo bando do célebre cangaceiro Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, naquele fatídico dia, o Governador Juvenal Lamartine autorizou a construção de um túmulo em sua memória, conforme lei que segue abaixo.
Embora deva ser considerado como um dos seus maiores heróis, pouca coisa a PM tem feito para enaltecê-lo.
Diante disto, estou concluindo um projeto para que seja criada a Medalha de Bravura da PM-RN, cuja denominação será CRUZ DE BRAVURA SOLDADO MATOS.
Conforme tratado na 1ª parte, em 1928 o governador Juvenal Lamartine autorizou a construção de um monumento em memória do destemido soldado José Monteiro de Matos.
Placa do antigo monumento. Repare a data errada (16-06-1927). Foto do autor – março/2007
Com a construção do açude de Marcelino Vieira, cuja lâmina d’água encobriu o local onde ocorreu o grande confronto travado com o bando de Lampião o monumento teve que ser relocado. Acreditamos que isto ocorreu no governo de Dinarte Mariz. Possivelmente tenha sido mandado fazer uma outra placa de bronze com os dizeres necessários. E erraram exatamente a data do episódio. A placa permaneceu exibindo a data 16 DE JUNHO DE 1927 por muitos anos até que, no inicio de 2007, por iniciativa deste pesquisador e apoio do prefeito Francisco Iramar o equivoco foi sanado.
No dia 10 de junho de 2007, no transcurso dos “Oitenta Anos do Grande Fogo da Caiçara” o monumento foi mais uma vez relocado, assunto que será tratado mais adiante.
De acordo com os autos do histórico processo crime movido contra Virgolino Ferreira e seu bando na Comarca de Pau dos Ferros, sentenciado no ano 2002, pelo MM Juiz de Direito João Afonso Morais Pordeus, o cadáver do soldado da PM-RN José Monteiro de Matos fora examinado no dia 11 de junho de 1927, na povoação de Victória, atual Município de Marcelino Vieira/RN, cujo lado pericial, manuscrito, compõe o caderno processual.
Antigo monumento ao soldado Matos. Foto do autor – março/2007
Como sou um ferrenho defensor de que o bravo soldado Matos é um verdadeiro herói e mártir da nossa querida corporação achei por bem publicar as peças atinentes à referida perícia. Tal documento é um dos diversos embasamentos do anteprojeto de decreto que estamos elaborando, com vistas a ser instituída a medalha de bravura da PM-RN e me foi generosamente cedido em forma de cópia pelo colega Epitácio de Andrade Filho, capitão médico e cangaceirólogo.
No dia 10 de junho de 2007 comemoramos solenemente o transcurso dos 80 anos do primeiro confronto travado entre o bando de Lampião e a polícia em solo potiguar, cujo evento ficou conhecido como O Grande Fogo da Caiçara, ocorrido no atual Município de Marcelino Vieira. Lá padeceu o destemido soldado José Monteiro de Matos, jovem policial que ainda não havia completado 40 dias de serviço.
A fim de bem marcar tão significativo acontecimento, elaborei e apresentei ao Dr. Iramar de Oliveira, respectivo prefeito municipal, uma proposta de Medalha Comemorativa, o que foi plenamente aceito e aprovado.
Medalha Fogo da Caiçara
Contando com a importante colaboração do sargento PM Francisco das Chagas Alves, meu colega de corregedoria, a arte da referida medalha ficou assim definida:
I – Insígnia: formada por um escudo redondo, dourado, medindo 40mm de diâmetro, tendo ao centro um octógono encravado num circulo, carregado pela representação da Serra do Panatis. Em contra-chefe, duas setas horizontais apontando em sentidos opostos e, logo acima, à destra, duas garruchas em santor, e à sinistra um chapéu de cangaceiro, encimados pela representação do monumento erigido em memória do Soldado José Monteiro de Matos. Circundando a bordadura da medalha, as inscrições PMMV, acima, e COMEMORATIVA DOS 80 ANOS DO FOGO DA CAIÇARA, abaixo, e entre estas dois ramos de folhas de carvalho. No reverso, a inscrição “10 de junho de 2007 – 80 anos”.
II – Fita: confeccionada em gorgorão de seda chama lotada, com listras nas cores verde, azul, amarela, branca, azul e verde, medindo 35m de largura por 45mm de comprimento útil.
III – Barreta: confeccionada com o mesmo tecido e cores da fita, medindo 10mm de altura por 35mm de largura.
IV – Diploma: confeccionado em papel apergaminhado, de acordo com o modelo em apenso.
Simbologia
A simbologia da Medalha é a seguinte:
I – Octógono: Representa o algarismo “8”; II – Círculo: lembra o algarismo “0”, de 80 anos. III – Serra do Panatís; Simboliza o Município de Marcelino Vieira; IV – Monumento tipo cruzeiro: evoca o Soldado José Monteiro de Matos, morto durante o Fogo da Caiçara; V – Chapéu de cangaceiro: significa o fenômeno social que assolou os sertões nordestinos, sobretudo na década de 1920. VI – Garruchas cruzadas (em santor): representa a força legal que combateu aos cangaceiros no povoado Caiçara, da qual fazia parte o bravo Soldado José Monteiro de Matos; VII – Cores azul, amarela e verde: predominantes da bandeira de Marcelino Vieira; VIII – Setas em sentidos opostos: indicam que houve combate entre as duas facções; IX – Folhas de carvalho: simbolizam força, coragem e intrepidez;
Foi muito interessante e proveitoso o engajamento de diversas pessoas e Órgãos durante aquele movimentado mês de junho do ano 2007, quando foram realizados alguns eventos que marcaram o transcurso dos 80 anos da investida de Virgolino Ferreira em terras norte-rio-grandenses.
Descerramento do memorial do cangaço
Em Marcelino Vieira, onde ocorreu verdadeiramente o 1º confronto de Lampião com a polícia potiguar, houve durante toda a tarde daquele 10 de junho inúmeras comemorações. A prefeitura municipal mandou erigir uma espécie de memorial do cangaço e eu tive a satisfação de descerrar a respectiva placa, em companhia do então prefeito municipal, o meu amigo Francisco Iramar.
A entrega solene da medalha acima descrita ocorreu na tarde daquele 10-junho-2007, ao lado do monumento erigido em memória do soldado José Monteiro de Matos, com a presença de diversas autoridades , convidados e pessoas do povo.
2º Sgt PM Francisco das Chagas Alves e Ten Cel Angelo
Cerca de 30 personalidades foram agraciadas, dentre autoridades, pesquisadores, militares estaduais e parentes de policiais que participaram do combate.
No dia 10 de junho de 2007, em significativa solenidade, o Dr. Francisco Iramar de Oliveira, prefeito de Marcelino Vieira concedeu a cerca de 30 pessoas a Medalha Comemorativa dos 80 Anos do Grande Fogo da Caiçara.
O evento marcou os oitenta anos da agem do bando de Lampião pelo lugar.
Naquele distante 10 de junho de 1927, Lampião e seus cabras travaram ferrenho combate com uma fração de tropa da PM, resultando mortos o soldado José Monteiro de Matos e o cangaceiro Azulão.
As pessoas agraciadas foram indicadas em face de suas valiosas e destacadas contribuições para com o resgate da história do Município de Marcelino Vieira.
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QUANDO UMA CONCEITUADA PERFUMARIA CARIOCA OFERECEU MUITO DINHEIRO PELO FIM DO “REI DO CANGAÇO”
Autor – Rostand Medeiros
Um oferecimento para corajosos
Quem lê e se debruça sobre o tema cangaço, certamente já teve oportunidade de visualizar um famoso anúncio onde o governo do estado da Bahia oferecia 50 contos de réis pela captura de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, também conhecido como “O Rei do Cangaço”.
Mas aquele anúncio de captura não foi o único. Em 1932 houve outro, que oferecia o mesmo valor, cuja iniciativa partiu de uma perfumaria que tinha sede na carioquíssima Praça Tiradentes, em pleno centro do Rio de Janeiro, então Capital Federal.
Muito dinheiro
Creio que quem primeiro comentou sobre este interessante fato foi o pesquisador e escritor baiano Oleone Coelho Fontes, no seu livro “Lampião na Bahia”. Nas páginas 198 a 207 (4ª edição) desta interessante obra, o autor lista inúmeros casos de pessoas, alguns destes antigos militares, que através de jornais cariocas informavam que estavam a disposição de seguirem para o longínquo sertão, na intenção de capturar, ou matar, o mais temido bandido brasileiro. Percebemos que estas pessoas procuravam muito mais a promoção midiática, do que tentar realmente resolver o caso Lampião.
Lampião e seus homens nos seus primeiros os na Bahia, em foto de Alcides Fraga
Entre outras iniciativas de captura apontadas por Oleone, se encontrava uma feita por uma empresa, a Perfumaria Lopes. Esta conceituada casa comercial, inaugurada no início da década de 1920, informava através de um anúncio publicado na imprensa carioca (reproduzido no jornal soteropolitano “A Tarde”, edição de 12 de junho de 1931), que oferecia 50 contos de réis pela captura do famoso cangaceiro.
A empresa anunciava que o prêmio poderia ser conquistado por qualquer pessoa, civil ou militar, desde que provasse ter alcançado seu êxito através da apresentação de documentação autenticada por autoridade competente (Ver Fontes, O. C. Pág. 207, nota nº 272).
O jornal em que a nota foi publicada em Natal
Aparentemente a Perfumaria Lopes gostou da iniciativa, pois no ano seguinte, na mesma época, renovava a publicação do anúncio de 50 contos pela captura do “Rei do Cangaço”. Consegui encontrar este anúncio na edição de 13 de junho de 1932, do jornal natalense “A Republica”.
Mas enfim, isso era a sério? Ou seria apenas uma ação de marketing?
No meu entendimento, toda esta movimentação era puramente uma ação de propaganda. Não sei o que o operoso proprietário da empresa pensava sobre Lampião e suas ações, mas morando no distante Rio de Janeiro, certamente ele deve ter percebido que dificilmente alguém da sua região ganharia a premiação.
Mas se aparecesse um cidadão queimado do sol nordestino, trazendo a cabeça de Lampião em uma lata de querosene da marca “Jacaré”, em meio a uma grande quantidade de cal virgem para não apodrecer tão rápido, certamente o proprietário desta conceituada casa lhe pagaria, pois dinheiro não lhe faltava.
Fonte – Revista Careta, número 935, 22 de maio de 1926
A perfumaria Lopes pertencia ao Comendador José Gomes Lopes, que também era proprietário da Fábrica de Cosméticos Beija-Flor, era um imigrante português que enriqueceu no Rio de Janeiro. A sede principal da Perfumaria Lopes S. A. se situava na Praça Tiradentes, em um grande ponto comercial que ia do número 34 ao 38 e ainda possuía uma filial na Rua Uruguaiana, igualmente no Rio de Janeiro.
Mas havia sucursais por todo o Brasil e seu produtos tinham refino e qualidade.
Nas memórias de José Bento Faria Ferraz, que foi secretário particular do escritor Mário de Andrade por 11 anos, lembra que um dos mais importantes intelectuais da cultura brasileira era um homem “muito refinado”, mas tinha sérios apertos financeiros. “Apesar de sua pobreza”, como dizia José Bento, o escritor sempre solicitava que o colaborador fosse a Perfumaria Lopes, situada à Rua José Bonifácio, para comprar uma loção “para ar na careca”.
O Comendador Lopes tinha uma visão muito positiva em relação à propaganda. Vamos encontrar a sua casa comercial como o primeiro anunciante da famosa Rádio Nacional, transmitidas em ondas médias, enquanto o tradicional “Leite de Colônia” patrocinava em ondas curtas. A perfumaria foi também um dos patrocinadores do igualmente famoso “Repórter Esso”.
Fonte – paniscumovum.blogspot.com
Não encontrei mais nenhuma informação sobre esta iniciativa e o destino dos 50 contos de réis. Não tenho certeza, mas tudo indica que o sargento Bezerra, o homem que comandou os policiais que exterminaram Lampião em 1938, não foi ao Rio solicitar o prêmio.
Mas a simples existência deste tipo de anúncio em jornais de grande circulação da Capital Federal mostra o quanto a figura de Lampião era conhecido nacionalmente. Mas foi também esta fama, principalmente após a divulgação do famoso filme do libanês Benjamim Abrahão, que indubitavelmente chamou a atenção das autoridades federais do período do Estado Novo.
Os poderosos do Rio aram a cobrar uma ação mais efetiva das autoridades estaduais nordestinas e para concretizar a derrocada deste cangaceiro. E assim foi feito.
O já conhecido anúncio de recompensa por Lampião, pretensamente oferecido pelo governo baiano.
Em Natal, a Perfumaria Lopes era representada pela firma César Comércio e Representações Ltda. Empresa criada pelo empresário Júlio César de Andrade em 07 de Março de 1932, com sede na travessa México, 85, no tradicional bairro da Ribeira.
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Em relação aos terremotos, existem alguns estados do Brasil nas quais este tipo de notícia causa nas pessoas apreensão e um arrepio, daqueles que começam bem lá no “pé” da espinha cervical.
Entre estes estados, seguramente um deles é o Rio Grande do Norte.
Uma Velha Convivência com Terremotos
O maior terremoto já registrado no Brasil ocorreu na Serra do Tombador, no Mato Grosso, em 1955. Atingiu 6.6 pontos na escala Richter e foi sentido a 600 quilômetros de distância do epicentro. No caso do Rio Grande do Norte, pelo menos em termos de registro, o maior ocorreu em 1986, quando na região da antiga Baixa Verde, hoje município de João Câmara, a 80 quilômetros de Natal, foi sentido uma pancada de 5.3 pontos da escala Richter, que chegou até na Bahia, sendo considerado o terceiro maior terremoto da história do Brasil.
E o pior é que não faltam ocorrências deste fenômeno geológico na história potiguar.
Nas amareladas folhas de papel do “Almanaque Brasileiro Garnier”, de 1909, nas páginas 458 a 461, temos a informação que as oito da manhã de uma segunda feira, 8 de agosto de 1808, nos “Sertões do Assu”, ocorreram fortes tremores de terra que fizeram louças balançar nos armários dos casarões do sertão e pessoas cairam no chão desequilibradas.
Em 2 de dezembro de 1852, entre uma e duas horas da tarde, na cidade de Aracati, no vizinho Ceará, estado quede vez em quando “treme nas bases”, um abalo muito forte rachou as casa e foi fortemente sentido em Areia Branca, Mossoró e parte da região oeste potiguar.
Dois anos depois, no dia 10 de janeiro de 1854, uma terça feira, durante mais de um minuto o chão tremeu, derrubou telhas das casas e foi sentido principalmente na Vila de Touros, a beira-mar. Ainda bem que não vieram ondas fortes.
Segundo o pesquisador e escritor Elísio Augusto de Medeiros e Silva, em um artigo publicado no Jornal de Hoje, em 20 de janeiro de 2011, este abalo de terra não teve muita importância em Natal, visto ter tido maior intensidade em Touros, onde foi forte, aterrador, com diferença de poucos segundos para Natal. Informa o pesquisador que entre os antigos moradores de Touros, reza a tradição que o estrondo teria sido no Touro Grande, cabeça de pedra existente no mar. Em Natal, o estrondo foi mais sentido na Ribeira, Redinha e praias da região norte.
Recorremos novamente a Elísio para informar que em 1879, em meio a uma seca que devastava o Nordeste, a famosa seca de 1877 a 1879, houve um abalo, que em Natal chegou a derrubar algumas moradias no bairro da Ribeira, sem maiores consequências.
Abalos em Luís Gomes em 1928
Há poucos anos, creio que em 2007, muitas pessoas se espantaram em saber que na comunidade do Sítio Arara, a cerca de dez quilômetros da cidade de Luís Gomes, no oeste do Rio Grande do Norte, vários tremores de terra ocorreram ao longo de meses.
O espanto é que se imaginava que este fenômeno estava a região de João Câmara, mas a história mostra que não.
Na sua página 3 do jornal potiguar “A Republica”, edição de 17 de abril de 1928, uma terça feira, informa nas suas notas policiais que o tenente Napoleão de Carvalho Agra, então delegado de Luís Gomes, comunicou que por volta das dez da noite, um forte abalo sísmico foi sentido na pequena cidade, que na época tinha em todo o município, segundo o Censo de 1920, 5.661 habitantes.
Agra informa não informa sobre nenhum estrago, nem a reação da população, que certamente deve ter ado por um susto muito grande.
Estive na área rural de Luís Gomes em 2009, na área do Sitio Arara, como parte de um trabalho realizado para o SEBRAE-RN. Ao conversar com as pessoas tive uma percepção que, diferentemente de João Câmara, não existe uma sensação de que este tipo de fenômeno possa se repetir. Para eles se trata de um caso extra, sem perspectivas de repetição.
Mas as páginas do velho jornal aparentemente mostram que não.
Segundo os geólogos, o Nordeste é a região do país que mais sente os abalos sísmicos. Em 1980, a região de Pacajus e Cascavel, no Ceará, sofreu um abalo que chegou a 5.2 de magnitude. Mas outros abalos já foram sentidos São Caetano e Caruaru, em Pernambuco, Cascavel e Jaguaribara, no Ceará, Tabuleiro Grande e Apodi, no Rio Grande do Norte.
João Câmara – 1986 – Eu Estive Lá
A cidade de João Câmara cresceu junto com os trilhos da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte. Era um lugar inicialmente denominado “Matas”, mas seu desenvolvimento justificou que em 29 de outubro de 1928, fossem desmembradas terras dos municípios de Touros, Taipu e Lajes. Tudo sacramentado pela Lei nº 697, que oficialmente criou o município de Baixa Verde.
A Antiga Baixa Verde. Fonte-http://joaocamararn.multiply.com/
Quem é da região tem alguma história sobre tremores de terras. É coisa comum e frequente, tanto que o pessoal de Natal inventou que João Câmara é a terra do “treme, treme”.
Segundo o site Wikepédia (que possui algumas informações que valem a pena), consta que os fenômenos de 1986, foi a sequência de abalos sísmicos mais bem documentadas no Brasil.
O primeiro abalo ocorreu em 21 de agosto, alcançou magnitude 4.3, e foi sentido em Natal, mas sem maiores repercussões. Em setembro ocorreram dois tremores, respectivamente 4.3 e 4.4 de magnitude na escala Richter e foram acompanhados por várias réplicas. Depois as coisas pareciam ter se acalmado.
Fonte-http://joaocamararn.multiply.com/
Mas aí veio o maior abalo. Cravou 5.1 pontos na escala Richter, ocorreu oficialmente às cinco e dezenove da manhã, de 30 de novembro de 1986, de um domingo que prometia praia. Depois ocorreram outros tremores, todos na faixa de 4.0 ou superior.
Quem tem mais de 30 anos, vive neste estado e sentiu o tremor, nunca vai esquecer aquela noite. Pessoalmente me acordei com a minha irmã Carla Régia assustada, com as janelas da nossa antiga casa batendo. Nada caiu, mas depois foi engraçado ver toda a vizinhança da Rua Hemetério Fernandes, no Tirol, de pijamas, quase amanhecendo o dia, no meio da rua, esperando coisa pior e sentindo outros pequenos tremores. Em uma rodinha de amigos rolou até café e cachaça. Era para ar o frio e o sono. Ou seria para espantar o medo?
Em João Câmara, além dos danos materiais, houve o pavor e isto eu assisti.
No mesmo dia 30 de novembro fui a esta cidade para testemunhar os fatos.
Naquele domingo, após o almoço, peguei meu fusquinha cinza 1.300 e segui devagarinho a região.
Conforme chegávamos perto da cidade, dava para ver uma “carreata” de ônibus pertencentes a empresa “Expresso Cabral”, saindo da cidade lotados de gente. Mudanças eram feitas em carroças puxadas por jumentos, carros pequenos, camionetes ¾, caminhões 1113 e o que desse para carregar os “teréns”. Era uma verdadeira fuga em massa.
Fonte-http://joaocamararn.multiply.com/
Contabilizaram duas dezenas de casas destruídas e mais de mil foram parcialmente danificadas. Faltaram em um primeiro momento luz, água e telefone, mas depois foi restabelecido. Como não existia celulares, a sensação de medo e desamparo era muito acentuada pela falta de comunicações. Vimos uma grande rachadura na igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens e pessoas ajoelhadas rezando para que o templo sagrado não caísse.
Vimos várias casas rachadas, sem uma parede, as ruas desertas, tudo fechado e havia policiais ligadaços, circulando em “Rurais” pintadas de azul e branco. Um cenário que jamais vou esquecer. Pena não ter levado uma máquina fotográfica.
Fonte-http://joaocamararn.multiply.com/
Em pouco tempo os órgãos públicos, tanto a nível estadual quanto federal, se fizeram presentes e a coisa amenizou. Até Sarney, o presidente da República na época, pouso na cidade com um helicóptero Puma da FAB e foi visitar os estragos.
Não é o “Se”, Mas o “Quando”
O que ocorreu em João Câmara é um exemplo de que o Brasil não está imune aos terremotos.
A pior sensação de presenciar estes fenômenos da natureza é a total condição de impotência e o despreparo para saber o que fazer. ado o susto vem a velha questão; quando virá o próximo?
Pode parecer exagero, mas é que as pessoas que vivem em terras potiguares não ficam paradas pensando nestas coisas (se não endoidam). Mas para quem mora por aqui, esta questão de haver terremotos é tão certa que o que importa não é o “se”, mas o “quando”. O problema, segundo especialistas, é que não há como prever quando vai acontecer um terremoto, nem mesmo qual será a magnitude do sismo.
Não podemos esquecer que em 2010 foram registrado dois tremores, um de magnitude 3.0 e outro dois dias depois, de 4.3, que atingiram quatro estados da região Nordeste.
Mas como Deus é brasileiro, certamente vai proteger estas terras para aproveitar suas praias. Assim espero!
ESTAS FOTOS FORAM FEITAS EM SUA MAIORIA PELO AMIGO SOLÓN RODRIGUES ALMEIDA NETTO, NAS NOSSAS VIAGENS AO REALIZAMOS UMA CONSULTORIA PARA O SEBRAE-RN. ESPERO QUE GOSTEM!
Estada.Nenhuma caverna que preste, se encontra a menos de 100 km de Natal.
agem Funda, Felipe Guerra-RN.
Gruta da Carrapateira.
Casa de Pedra, Martins-RN.
Gruta da Catedral ao meio dia.
Gruta dos Três Lagos. Aventura pura.
Fósseis.
Gruta dos Crotes. Dá para ver o porque do nome.
Gruta da Carrapateira.
Registro rupestre.
Túnel dos Bodes.
Lajedo da Tainá.
É em Bonito? Não, Felipe Guerra-RN.
Exemplo de fauna existente próximo as cavernas potiguares.