HISTÓRIA MILITAR DO RIO GRANDE DO NORTE – PARTE 1 – AS LUTAS

Felipe Nery de Brito Guerra – Publicado originalmente na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN, 1927, Volumes XXIII e XXIV, páginas 218 a 228.

* Informação do Blog Tok de História – Busquei atualizar alguma coisa da ortografia do texto do Desembargador Felipe Guerra, escrito em agosto de 1920, sem, contudo, alterá-lo. Devido a sua extensão, foi necessário dividi-lo em duas partes, uma dedicada as lutas e outra aos combatentes potiguares, que será a nossa próxima publicação.

Escrever a história militar do Rio Grande do Norte desde o início de sua colonização, principiada em fins do século XVI seria, pelo menos até princípios do século XVIII, escrever a história do Rio Grande do Norte, porquanto esse espaço de tempo, abrangendo um período de cerca de dois séculos, foi preenchido por sangrentas agitações, lutas e guerras.

A dominação sa, exercida então por piratas, aventureiros, desclassificados, sem outros ideais a não ser o lucro mercantil, sempre receosos e a espera de ataques dos portugueses. O que é certo, porém, é que essa permanência constante e demorada dos ses, embora sem estabelecimento conhecido, representava um perigo para as vizinhas e próximas capitanias, principalmente a Paraíba, de onde haviam sido repelidos.

“O mal vem do Rio Grande”, dizia-se em Pernambuco e na Paraíba. E assim, para acabar com esse mal, foi resolvida a conquista do Rio Grande, da qual foi incumbido Manoel Mascarenhas Homem, tendo Jerônimo de Albuquerque alcançado melhor êxito na empresa.

Piratas ses no Brasil – Fonte – httpswww.goianarte.com

Não tinham então os ses regulares instalações. Viviam, entretanto, em estreitas relações com os selvagens, habitando mesmo suas aldeias. É o que se depreende da célebre “História do Brasil” de Frei Vicente do Salvador, escrita em 1627, e onde se lê que logo ao chegar Manoel Mascarenhas Homem “ali desembarcaram e se entrincheiraram de varas de mangue para começarem a fazer o forte e se defenderem dos Potiguaras que não tardaram muitos dias. Vieram uma madrugada, infinitos, acompanhados de cinquenta ses, que haviam ficado das naus no porto dos Búzios e outros que ali estavam casados com Potiguaras”.

Manoel Mascarenhas Homem, que lutou no Rio Grande do Norte contra os ses – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia

E assim ofereceriam os selvagens, auxiliados por seus aliados ses, tenaz resistência. O que não impediu, entretanto, a fundação do “Forte dos Reys”, permitindo a criação da povoação do Natal dois anos depois — 25 de dezembro de 1599. Foi celebrada a paz com os Potiguaras, conseguida por Jerônimo de Albuquerque com a mediação de um selvagem “principal e feiticeiro”, chamado ILHA GRANDE.

A conquista do litoral brasileiro havia sido começada do norte para o sul, sendo depois continuada do sul para o norte, tendo, principalmente esta última, contado com eficaz cooperação dos naturais da terra, já representados por brancos, filhos de portugueses, por mestiços e pelos selvagens que, subjugados e pacificados pelos portugueses, eram aproveitados como seus aliados.

Os selvagens constituíam sempre o grosso das forças conquistadoras, embora não fossem, em regra, os elementos mais resistentes nos combates. Eram, entretanto, os mais resistentes às longas marchas, aos transportes e aos mais serviços exigidos em campanhas rudes e aventurosas, em que não podia se contar com auxílios minguadíssimos e retardados, senão impossíveis.

Forte dos Reis Magos, por Frans Post (1638)
– Fonte – http://noisnafolia.no.comunidades.net/pontos-turisticos

Os Potiguares, que dominavam o litoral do Rio Grande do Norte, uma vez pacificados, foram valiosos e fortes elementos para a conquista do norte. Não existindo mais o “mal vindo do Rio Grande», que ara para o Ceará e para o Maranhão, foi resolvida a conquista desses pontos, onde os ses procuravam se firmar. Ainda foram os Potiguares elementos preponderantes para a conquista do primeiro daqueles territórios.

Expulsos os ses do litoral, de Paraíba ao Maranhão, as novas populações que procuravam se estabelecer não ficaram na tranquilidade da paz. Nem todas as tribos haviam feito amizade com os colonizadores; e mesmo no meio daquelas tidas como amigas, surgiam ataques e desconfianças que traziam para a região um verdadeiro estado de guerra, rompendo a duvidosa paz, sempre de curta duração..

Veio depois a guerra holandesa. O Rio Grande do Norte foi duramente sacrificado na luta. Tomada a Fortaleza dos Reis Magos (12 de dezembro de 1533) por uma força holandesa guiada por Calabar, sofreu o Rio Grande do Norte com o invasor até o final da guerra holandesa no Brasil. Esteve assim esta terra dezenove anos sob o domínio batavo.

Florin holandês de ouro. Essa foi a primeira moeda a conter o nome Brasil e foi produzida pelos holandeses durante a ocupação de Recife – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Dutch_guilder

Calabar conseguira angariar para os holandeses a amizade dos Índios Janduís, que unidos aqueles praticaram horríveis massacres. Fácil é de imaginar o que seria a guerra movida por selvagens açulados por aventureiros da pior espécie, como parece que eram os holandeses enviados para o Rio Grande do Norte. Chegaram a negociar prisioneiros como animais para o corte, destinado a pasto dos antropófagos Janduís.

Finda a guerra holandesa pela expulsão dos invasores, continuou a luta no Rio Grande contra os Índios, sempre dispostos a defender sua vida selvagem e sem peias. Houve mesmo uma rebelião generalizada dos nativos que durou longos anos, nada respeitando, nem a vida nem os habitantes do Rio Grande, que já contava elementos de prosperidade. Foi calculado que os índios mataram “perto do trinta mil cabeças de gado grosso e mais de mil cavalgaduras”. Essa rebelião durou de 1688 a 1720, quer dizer, 32 anos, talvez mais, porquanto não se acha bem estudado esse ponto da história. Foi um movimento sério e perigoso. Pedidos insistentes de socorro partiram para Pernambuco, para a Bahia, e até diretamente seguiu um emissário para Lisboa, levando uma representação do Senado da Câmara ao Rei, tais as delongas do auxílio reclamado.

“Cena da Expedição do Tenente-Coronel Affonso Botelho”, aquarela do artista Joaquim José de Miranda (1771) que retrata o confronto entre indígenas e bandeirantes. Provavelmente cenas como essa ocorreram no Rio Grande do Norte – Fonte – https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revolta/guerras-barbaras/

Do litoral ao alto sertão era grande o perigo que ameaçava a própria Natal, sendo, o ponto culminante da rebelião a ribeira do Assú. Vieram em excursões guerreiras tropas da Paraíba, de Pernambuco e da Bahia. Vieram os ”terços paulistas” que haviam lutado em Palmares, vieram companhias do Batalhão de Henrique Dias. Essas forças, os melhores elementos de luta então disponíveis pelo Governo do Brasil, subiram até as cabeceiras do rio Assú, foram às ribeiras do Seridó, do Apodi até ao Jaguaribe, em perseguição dos índios que foram afinal pacificados, isto é, aniquilados, escorraçados, sendo tomada a providência de aldear os restantes. Ainda em tais aldeamentos apareciam insurreições dos índios motivadas por excessivos rigores e injustiças. Nenhuma condescendência havia para o infeliz selvagem, a quem de fato era negado qualquer direito.

Seguramente Miguel Joaquim de Almeida Castro, o Padre Miguelinho, foi o potiguar que mais expresivamente tomou parte na revolução de 1817 e acabou sendo fuzilado. Em junho de 1906, no 89º aniversário do fuzilamento, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, promoveu uma série de homenagens em Natal . Houve uma sessão solene no então Teatro Carlos Gomes, atualmente Teatro Alberto Maranhão, na noite de 12 de junho de 1906, onde um coro feminino cantou o “Hino de Miguelinho”, letra de Henrique Castriciano e música de Luigi Maria Smido, cuja a capa da partitura apresentamos acima – Fonte – https://gamfrente.blogspot.com/2017/03/padre-miguelinho-luz-do-rio-grande-do.html

Na revolução de 1817, não é ignorado o papel que representou o Rio Grande do Norte. Pode-se dizer que essa página luminosa da história nacional se caracteriza no seu conjunto mais pela pureza de seus chefes, pelo estoico heroísmo dos que nela figuram, pela elevação dos ideais, pelo pendor doutrinário, do que por feitos militares e ação guerreira. E foi essa seguramente uma das causas que apressaram o fracasso da revolução.

Em agitações partidárias ou a Província as fases da Independência Nacional. Tomou parte na revolução da “República do Equador”.

Os corajosos e mal organizados destroços das forças revolucionárias de 1824 seguiram por terra, em dificultosa marcha por ínvios sertões de Pernambuco ao Ceará, procurando junção com as forças que nessa Província apoiavam o movimento revolucionário. Foi uma verdadeira retirada de cerca de três mil pessoas, conduzindo duas peças de artilharia, arrastadas por caminhos impraticáveis e arrostando todas as dificuldades que podem acompanhar forças sem disciplina, sem organização militar, sem recursos e sem alentadoras esperanças.

Quadro “Estudo para Frei Caneca”, de Antônio Parreiras (1918), mostrando o padre revolucionário em seu julgamento – Fonte – https://en.wikipedia.org/

Atravessaram o sertão do Rio Grande do Norte entrando pelo Seridó, seguindo para Pau dos Ferros pelos limites entre Rio Grande do Norte e a Paraíba. No Seridó, onde o presidente provisório da Paraíba deixou sua família, que com ele vinha acompanhando a expedição, da qual também fazia parte o nobre, elevado e culto espírito que era Frei Caneca, não foram hostilizadas as forças. Em Caicó, demoraram-se oito dias, concertando as carretas das peças que eram puxadas por bois. Em Patu de Fora, começou a expedição a sofrer hostilidades e também a hostilizar. Foram incendiadas algumas casas e fazendas.

Em Torrões (ou Torões), Patu, houve forte tiroteio, morrendo mais de trinta pessoas de parte a parte. Parece que batalhões irregulares de Portalegre organizaram guerrilhas, unindo-se depois com as forças legalistas do Rio do Peixe (PB).

Foto – Rostand Medeiros.

Serenada a luta pela submissão dos rebeldes, seguiram-se o martírio e as exageradas punições de infelizes chefes rebeldes, sonhadores antecipados dos ideais republicanos, vítimas da crueldade das juntas militares, tão tristemente célebres na história pátria.

Os habitantes do Rio Grande do Norte conservaram sempre prontos para qualquer emergência, chegando a formar batalhões de tropas irregulares, contra os reacionários de 1832, apoiando a política do então ministro da justiça e depois Regente do Império, padre Diogo Antônio Feijó.

Iniciada no Ceará em dezembro de 1831, com a proclamação de Joaquim Pinto Madeira, essa revolta obedecia aos ideais do Partido Restaurador, ou Caramuru, apoiado pelos portugueses. Formou-se no sertão do Rio Grande do Norte batalhões de tropas irregulares que marcharam para o Crato contra os revolucionários. De Martins e Portalegre seguiu um batalhão sob o comando do coronel Agostinho Pinto de Queirós. Conta-se que na primeira noite de marcha dois soldados de família do Martins, os irmãos Patrícios, tentaram voltar para casa, sendo por isso, ao amanhecer, sumariamente fuzilados. O comandante da tropa foi processado por esse fato e depois, por prescrição, isento da pena.

Pintura em azulejo de Armando Lopes Rafael (2010), representando Joaquim Pinto Madeira – Fonte – https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revista/a-guerra-dos-cacetes-bentos/

Sob o comando do coronel José Teixeira se organizou um batalhão no Seridó, do qual faziam parte os homens válidos das principais famílias. Incorporada à força combatente e reunida em Caicó, o padre Francisco de Britto Guerra, então vigário da cidade e representante da Província na Câmara Temporária, onde entrara como suplente, intimamente relacionado com o padre Feijó, e talvez o principal fator do movimento, promoveu uma grande solenidade cívico-religiosa por ocasião da partida da força. Seguiram todos montados para Pombal onde se uniram as forças da Paraíba, principiaram a receber instrução militar ministrada pelo alferes Canuto, de tropa de linha do Ceará.

Nas várzeas do Rio do Peixe (PB), houve o primeiro encontro entre esse batalhão do Seridó e as forças de Pinto Madeira, tendo estas atacado de surpresa, procurando tomar o valioso comboio dos víveres e munições dos seridoenses. O resultado foi as forças de Madeira retirando-se do combate com a perda de doze homens.

Manuel de Assis Mascarenhas, presidente da Província do Rio Grande do Norte ente 1838 a 1841, em cujo governo concedeu a patente de Coronel Comandante ao seridoense Joãop Gomes da Silva, pela sua capacidade de luta nos combates contra as forças de Pinto Madeira em 1831 – https://pt.wikipedia.org

O batalhão do Seridó continuou em marcha afim de reunir-se com as forças legalistas que no Ceará procuravam abafar a revolta, havendo pelo caminho alguns encontros. Terminada a luta, voltou a tropa ao Caicó, onde foi recebida com festas, aclamações, Te Deum na igreja, etc. Por ocasião dessas festas da chegada, foi aclamado pelos soldados o comandante das forças o quartel mestre João Gomes da Silva, que se havia distinguido na expedição, aclamação que anos depois no governo de Manoel de Assis Mascarenhas (1838 – 1841) foi confirmada com a patente de Coronel Comandante.

Muito é de notar que em todas essas lutas político-partidárias, os sertanejos do Rio Grande do Norte, serenados os ânimos, evitavam ódios inúteis, crueldades, perseguições e delações contra os vencidos.

A tradição narra mesmo o fato de haver Simão Gomes de Britto, capitão de milícias em Campo Grande, recebido ordem superior para prender o Coronel Cavalcante, implicado na revolução de 1817. Mas este apresentou a ordem de prisão ao seu amigo e pediu para que tomasse suas precauções. Acrescentou: — “Dê no que der, não o prenderei, porque sei que não cometeu crime”. E efetivamente não tentou fazer a prisão. Entretanto, o Coronel Cavalcante, ou porque se julgasse inocente, ou por altivez de caráter, ou ainda para evitar a responsabilidade do amigo, foi se entregar, e sofreu os rigores daqueles horríveis cárceres, onde foram martirizados os patriotas de 1817.

Óleo sobre tela de Eduardo de Martino, que retrata a troca de tiros que culminaram na primeira agem de navios brasileiros por o de Tonelero em 1851, onde os argentinos construíram fortificações que bloqueavam a navegação no Rio Paraná. Domínio público, Revista de História da Biblioteca Nacional – Fonte – https://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/historia-do-brasil/brasil-monarquico/8979-quest%C3%B5es-platinas-a%C3%A7%C3%B5es-militares-no-segundo-imp%C3%A9rio

Nas guerras contra as repúblicas do Rio da Prata numerosos filhos do Rio Grande do Norte acudiram em defesa da pátria.

Quatro meses depois de declarada a Guerra do Paraguai, embarcou em Macau um contingente de mais de sessenta voluntários, dos quais trinta e três eram do Assú, além de onze de Campo Grande, que haviam seguido diretamente para a Capital. É conhecido o fato de haver o Dr. Olinto José Meira de Vasconcelos, então Presidente da Província (1863 – 1866), dirigido a palavra na capital, a grupos que se achavam em manifestações em frente ao quartel, apelando para o patriotismo de todos e pedindo dar um o à frente aqueles que quisessem seguir para a guerra. Mais de 400 voluntários moveram-se para a frente. De todos os pontos da Província seguiram Voluntários da Pátria, sendo também crescido o número de recrutados. E o papel que na guerra desempenharam os rio-grandenses-do-norte ajudou ao merecido renome adquirido pela infantaria do norte.

O brasileiro Symphonio dos Santos uniformizado para combater na Guerra do paraguai – Fonte – http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=92142

Na proclamação da República, na revolução federalista do sul, na revolta da armada, em Canudos, os filhos do Rio Grande do Norte cumpriram sempre seu dever.

Sob as ordens de Plácido de Castro, nas lutas acreanas, encontraram-se também inúmeros rio-grandenses-do-norte, destemidos e audazes pioneiros da colonização e conquista das mais recuadas fronteiras da Pátria, os quais tangidos do torrão natal por atormentadoras secas, forneceram, com seus irmãos de outros Estados, por igual vítimas da calamidade, os elementos vitais, talvez os únicos possíveis para o colossal empreendimento da colonização da Amazônia.

De fato, outras populações vivendo certamente sob um clima mais doce e uma natureza mais amena, não estariam, como os nossos sertanejos, tão habituados a receber e aguentar o choque e a destruição das mortíferas forças da natureza amazônica, com a mesma resignação, com o mesmo esforço e coragem com que encaram e recebem as furiosas cargas das nossas devastadoras secas.

Na execução da recente lei do serviço militar (1916) raro é o sorteado dessa terra que deixa de acudir ao chamado: talvez nenhum listado da União apresente menor número de insubmissos.

Eis aqui, a largos traços, a vida militar do Rio Grande do Norte: lutas constantes durante dois séculos, sempre aceso o sentimento de patriotismo, de abnegação, de sofrimento. E por isso mesmo, apesar de uma bissecular educação guerreira, os filhos do Rio Grande do Norte têm acentuadamente o caráter pacífico: o banditismo, o caudilhismo, e as lutas por fanatismo nunca encontraram apoio entre eles.

Para conhecerem a biografia de Felipe Guerra é só ar esse link – https://fatosdefelipeguerra.blogspot.com/2019/10/felipe-guerra_31.html 

QUANDO AS PEDRAS CAÍRAM DO CÉU NO RIO GRANDE DO NORTE

Casos de Quedas de Corpos Celestes no Rio Grande do Norte

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

O Rio Grande do Norte, desde que a sua história ou a ser registrada através de documentação escrita, guarda poucos informes de fatos naturais que, de tão incomuns, marcaram o momento em que ocorreram, fazendo com que os homens do ado registrassem para a posteridade estes acontecimentos insólitos.

Um dos fenômenos naturais incomuns que mais chamavam a atenção dos antigos habitantes das terras potiguares eram os tremores de terra. Comuns até os dias atuais, estes acontecimentos geológicos ocorrem principalmente na região da antiga Baixa Verde, atual município de João Câmara. Desde o final do século XVIII, antigos cronistas já registraram a impressão que os tremores deixaram junto aos antigos habitantes. Quem está na faixa dos 30 anos de idade, certamente deve se lembrar do terremoto ocorrido em 1986, que abalou a região, alcançando a magnitude de 5.3 na escala Ritcher e que marcou profundamente a história potiguar e chama a atenção dos geólogos.

Se ocasionalmente os potiguares sentem o solo tremer, muito mais raros são os registros de bólidos vindos do céu, de meteoros despencando com estrondo na nossa região. Entretanto, estes fenômenos já ocorreram.

Uma chuva de meteoritos em Macau

Nos anais do VIII Simpósio de Geologia do Nordeste, realizado em 1977, em Campina Grande, Paraíba, encontramos o resumo de uma pesquisa realizada pelos geólogos brasileiros Celso de Barros Gomes, da USP (Universidade de São Paulo), W. S. Crurvello, do Museu Nacional do Rio de Janeiro acompanhado dos cientistas norte-americanos K. Kiel, da Universidade do Novo México e E. Jarosewich, do Instituto Smithsonian, de Washington, que estiveram na região de Macau e Açu, em busca de restos de um meteorito, que caiu do céu no dia 11 de novembro de 1836.

A queda deste bólido ocorreu ás cinco da tarde, nas imediações da foz do rio Açu, em uma área territorial que então pertencia ao município de Macau. Segundo os relatos da época devido ao impacto no solo, morreram algumas vacas e a queda do objeto celeste foi acompanhada de um forte clarão e ribombos. Aparentemente o meteorito se fragmentou em vários pedaços, alguns maiores e outros tocaram o chão no formato de uma chuva de pequenas pedras. Fontes pesquisadas por estes cientistas relataram que o clarão produzido pela queda deste meteoro foi visto por uma embarcação que se encontrava a 324 milhas náuticas, ou cerca de 600 quilômetros de distância, da costa potiguar. Consta que os tripulantes relataram a agem do objeto seguindo em direção a costa, que não era visível aos tripulantes a esta distância.

Durante as pesquisas de campo, foram encontrados restos do meteorito, que foi recolhido e transportado para o sul do país, onde análises detalhadas apontaram a existência principalmente de ferro-níquel na sua composição.

O resumo deste trabalho científico não informa de qual fonte histórica provinham estes dados, mas aparentemente este é o primeiro relato conhecido, descrevendo a queda de meteoritos no Rio Grande do Norte.

Um juiz informa a queda de um meteorito em Açu

Dezenove anos depois, coincidentemente a mesma região anteriormente atingida seria o local da queda de outro meteorito.

Na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, volume XIV, de 1916, encontra-se a transcrição de um documento datado de 28 de agosto de 1855, produzido pelo então juiz de direito de Açu, João Valentim Dantas Pinagé, que informa ao então Presidente da Província, Antônio Bernardo dos os, que ele estava enviando a capital da província algumas amostras de um meteorito que havia caído na região de Açu. Informava o magistrado que as amostras apresentadas pesavam juntas “duas arroubas”, equivalente a 30 quilos, e sua queda havia deixado o povo da região assombrado com o fato que aquelas rochas “pudessem vir do céu”.

Aldeões e agricultores indianos posam em 2019 ao lado de uma cratera de meteorito 
(AFP / Getty Images)Fonte – https://www.independent.co.uk/news/science/india-meteorite-bihar-nasa-farmers-mahadeva-a9020716.html

O juiz informava que o objeto foi visto desde as “praias”, provavelmente entre as áreas territoriais dos atuais municípios litorâneos de Guamaré, Macau e Porto do Mangue, e por outros locais da Comarca de Açu. Durante a sua queda, o meteorito foi visto vindo da direção nordeste, seguindo em descendente na direção sudoeste e sendo testemunhado por várias pessoas na região.

Infelizmente o juiz Pinagé não informou exatamente a data do ocorrido, nem o local exato do impacto, mas indica que recebeu as amostras que remetia para Natal “quatro dias depois da agem do meteoro”.

Tarcísio Medeiros, em seu ótimo livro “Aspectos geopolíticos e antropológicos da história do Rio Grande do Norte”, comenta sobre este fato.

Um “corisco” assombra Santana do Matos

Quarenta e dois anos depois, no dia 8 de abril de 1897, a primeira página do jornal “A Republica”, estampava uma nota intitulada “Aerólito”, onde uma “pessoa de fé, ultimamente chegada do sertão”, informava que no dia 21 de março, um domingo, pelas cinco e meia da tarde, foi visto por diversas pessoas, tanto na área urbana e na zona rural da pequena Santana do Matos, um objeto incandescente, em formato de um ”globo brilhante caindo do céu”.

“A Republica”, 8 de abril de 1897.

As testemunhas comentaram que durante a queda o objeto se mostrava extremamente luminoso e soltava fagulhas. No impacto, segundo o informante, o estrondo foi ouvido a uma distância de oito léguas, equivalente a cinquenta quilômetros. O fenômeno natural chamou a atenção de todos, tendo um grupo de pessoas se deslocado ao ponto onde ocorreu à queda.

Segundo a nota, o impacto se deu na região da “serra de São João”, a sudeste da sede do município de Santana do Matos, onde as pessoas do lugar informaram que um grande “bálsamo”, provavelmente alguma árvore frondosa, fora reduzida a “estilhaços”, mas nenhuma parte do “aerólito” foi encontrado.

A não existência de uma cratera de impacto, que houvesse deixado uma marca mais permanente no solo da região, deixa a entender que o bólido poderia ser classificado como um meteorito de pequenas dimensões. Provavelmente durante a queda, com o atrito junto à atmosfera terrestre, esta rocha foi perdendo massa, criando fagulhas e ao tocar o solo teve força suficiente apenas para destruir esta possível árvore frondosa. O que de toda maneira causou um tremendo espanto aos habitantes da região.

No final do século XIX, ainda era comum a utilização por parte da imprensa do termo aerólito, em detrimento a meteoro ou meteorito. Para o homem simples do campo, e a nota registra isto, a pedra caída do céu era tão somente um “corisco”.

Extremamente econômico na discrição, o relato não cita fontes, nome do informante e outras informações mais apuradas. Mas tudo indica que o local da queda seja localizado no município de Jucurutu, próximo a fronteira com Santana do Matos, na área da fazenda conhecida como “São João”, ou “Saco de São João”, onde existe uma serra homônima.

Um corpo celeste ilumina a noite de Caraúbas

ados seis anos da queda deste meteorito, o Rio Grande do Norte, foi novamente “visitado” por outra rocha vinda do céu. Na edição do jornal “A Republica”, de 23 de outubro de 1903, o correspondente baseado na cidade de Caraúbas, remeteu uma série de notícias referentes ao município. Entre estas constam informes da seca que assolava a região e sobre o benemérito trabalho do senhor Benevenuto Simões, em perfurar poços na busca do precioso líquido. Em meio a notas políticas, sobre casamentos e de viagens de membros da elite local ao Rio de Janeiro, uma pequena nota, novamente intitulada “Aerólito”, informava ter sido “nossa vila espectadora de um lindo drama”.

“A Republica”, 23 de outubro de 1903.

Por volta das nove horas da noite do dia 30 de setembro, uma quarta-feira, foi visto um brilhante meteorito que percorreu todo o firmamento, deixando um rastro luminoso em sua queda e produzindo uma forte iluminação sobre a pequena cidade. O bólido foi visto vindo da direção sudoeste, seguindo descendentemente na direção oeste, e que após cinco minutos produziu um forte estrondo.

Devido à diferença de tempo entre a visualização do meteorito e o estrondo produzido pelo impacto, partindo do princípio que o correspondente calculou corretamente o tempo, este bólido caiu em uma área distante da sede municipal e a nota do jornal não especifica o ponto exato da queda.

Mesmo sendo um fenômeno raro, chama a atenção à economia de informações do correspondente, onde é mais provável que o mesmo não tenha sido testemunha direta dos fatos, anotando informações prestadas por terceiro, mas nada mais sobre este fato foi comentado.

Os meteoritos

Os meteoritos são classificados de fragmento de um meteoroide que resistiu ao impacto com a atmosfera e alcançou a superfície da Terra ou de outro planeta antes de se consumir. Eles podem ter desde poucos quilos e dimensões mínimas a serem pesadas pedras voadoras de várias toneladas. Quase todos os meteoritos são fragmentos procedentes dos asteroides ou cometas. Podem ter em suas composições minérios como ferro-níquel, silicatos ou ferro metálico. Os meteoritos têm geralmente uma superfície irregular e uma camada exterior carbonizada, fundida. Todos os dias a terra é bombardeada por uma chuva de pedras vindas do espaço, a maioria são inofensivos micrometeoritos. Acredita-se que por ano, caiam sobre a terra seis toneladas de rochas.

Os maiores meteoros, quando se chocam com a Terra, sempre deixam suas marcas, criando crateras profundas.

Acredita-se que o maior meteorito que atingiu a atmosfera da terra, mas sem comprovação definitiva, ocorreu no dia 30 de junho de 1908, na bacia do rio Podkamennaya Tunguska, a 64 quilômetros ao norte de Vanavar, na Sibéria, Rússia. Acreditam os cientistas que um meteorito de 30 metros de comprimento, explodiu a 10 quilômetros de altitude, tendo produzido uma onde de choque sentida a mais de 1.000 quilômetros de distância. O maior meteorito conhecido, que se chocou contra a superfície terrestre, foi encontrado em Hoba West, próximo a Grootfontein, na Namíbia, África, com 59 toneladas.

Estima-se que ao longo de 600 milhões de anos, o planeta Terra tenha sido atingido em mais de duas mil ocasiões por asteroides de grande peso. A maior cratera do mundo, comprovadamente criada pela queda de um meteorito, é chamada Coon Butte, ou Cratera Barringer, localizada próximo à cidade de Winslon, Arizona, nos Estados Unidos.

Pedra de Bendegó

Em 1784, no sertão da Bahia, próximo a região de Canudos, caiu próximo a uma serra, um meteorito de 5.360 quilos, conhecida como Pedra de Bendegó. Este corpo celeste, com muito sacrifício, foi transportado em 1888 para o Rio de Janeiro e encontra-se até hoje exposto no Museu Nacional. Contudo, cientistas descobriram que o maior meteorito que já tocou o solo brasileiro, ocorreu na divisa entre Goiás e Mato Grosso, é conhecido como “Domo de Araguainha”, deixou uma marca na forma de uma cratera de 40 quilômetros e este impacto ocorreu à cerca de 350 milhões de anos.

Os impactos ocorridos no Rio Grande do Norte e aqui relatados, certamente não foram os únicos casos de impacto destes corpos celestes em solo potiguar, que apesar de possuir uma superfície territorial pequena, não está isento de receber novas “visitas celestes”.

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