LEMBRANÇAS DE ANNA MARIA CASCUDO BARRETO

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Recentemente estava viajando de férias com a minha família, bem distante do nosso Rio Grande do Norte, quando tomei conhecimento do falecimento da escritora Anna Maria Cascudo Barreto.

Para mim foi uma triste notícia.

No momento da agem de amigos para o plano espiritual eu não sou bom em escrever palavras de conforto. Prefiro registrar as lembranças que tenho destas pessoas especiais.

Eu já irava Anna muito antes de conhecê-la pessoalmente, principalmente através de seus escritos. Gostei imensamente de um texto publicado em uma revista onde ela descrevia emocionada o amor e a iração que tinha pelo seu pai Luís da Câmara Cascudo. Particularmente neste texto me chamou atenção a descrição que ela fez de visitas que realizou a terreiros de candomblé junto com seu pai, quando o Mestre Cascudo desenvolvia pesquisas para seus livros. Ela contou com singular clareza como Câmara Cascudo se entregava com abnegação ao seu trabalho e como era respeitado pelos Mestres da cultura popular.

Na época da Fundação Rampa, junto com Frederico Nicolau e Anna Maria Cascudo
Na época da Fundação Rampa, junto com Frederico Nicolau e Anna Maria Cascudo

Nós conhecemos em 2008, na época em que atuava na Fundação Rampa desenvolvendo em parceria com Frederico Nicolau o livro “Os Cavaleiros dos céus – A saga do voo de Ferrarin e Del Prete”. Respeitosamente a chamava de “Dona Anna Maria”, mas ela foi logo simplificando tudo e ei a chamá-la apenas de Anna.

Ocorreram entre nós memoráveis encontros, sempre regados a muita conversa sobre a história da aviação potiguar e do ado da nossa terra. Diante da ansiedade do lançamento do meu primeiro trabalho, me chamou atenção a sua simplicidade, o seu desprendimento em ajudar-nos, sua paciência e a sua extrema boa vontade em ensinar.

Um dia ela perguntou a mim e a Frederico se poderia escrever o prefácio do nosso livro. Daí surgiu um maravilhoso texto intitulado “A invenção do Azul”. Aquele gesto foi algo que jamais esquecerei.

Anna Maria Cascudo e seu marido Camilo Barreto
Anna Maria Cascudo e seu marido Camilo Barreto

Recordo-me com alegria de uma viagem que realizamos a Recife, a convite do brigadeiro Telles Ribeiro, então comandante do II Comando Aéreo (II COMAR). Naquela ocasião tive a oportunidade de conhecer o seu marido, o engenheiro Camilo de Freitas Barreto, uma pessoa extremamente espirituosa e alegre.

Na sequência deixei a Fundação Rampa e segui meu próprio rumo. Fui para a cidade de São Miguel, na região Oeste Potiguar, onde realizei a biografia de João Alves de Lima, fundador do grupo de torrefação de café Santa Clara/3 Corações. Coincidentemente foi nesta mesma região, na noite de 21 de dezembro de 1894, que Francisco de Oliveira Cascudo, avô de Anna, então alferes do Batalhão de Segurança do Corpo Policial, combateu e matou o terrível cangaceiro Moita Brava. Neste período ela estava muito empolgada realizando a biografia de seu avô e procurei ajudá-la no que foi possível com dados históricos coletados em São Miguel. Tempos depois foi lançado o livro “Coronel Cascudo – O Herói Oculto”.

Anna Maria junto aos autores de “Os Cavaleiros dos céus - A saga do voo de Ferrarin e Del Prete”, no lançamento na Livraria Saraiva, Natal.
Anna Maria junto aos autores de “Os Cavaleiros dos céus – A saga do voo de Ferrarin e Del Prete”, no lançamento na Livraria Saraiva, Natal.

Nesta troca de informações estive em várias ocasiões na sua casa, onde sempre fui extremamente bem recebido por esta mulher que possuía no mesmo patamar classe e simplicidade.

Continuei minha trajetória, mas sempre recordando com enorme satisfação esta amiga tão inteligente, que me presenteou com maravilhosos diálogos sobre seu pai, sobre o ado da nossa terra e da nossa gente.

Anna me disse uma vez para jamais deixar de ler, pois a falta da leitura “atrofiava a mente”. Procuro seguir este seu ensinamento religiosamente, todo santo dia.

Desejo a todos seus filhos e netos conforto nesta hora de tristeza.

MEDALHA DO MÉRITO CULTURAL PROFESSOR DEÍFILO GURGEL – SOU UM DOS AGRACIADOS!

Convite para a Medalha do Mérito Cultural Professor Deífilo Gurgel
Convite para a Medalha do Mérito Cultural Professor Deífilo Gurgel

Para minha enorme e grata surpresa fui um dos escolhidos para receber neste ano de 2014 a Medalha do Mérito Cultural Prof. Deífilo Gurgel, a mais importante comenda cultural do Rio Grande do Norte. Esta comenda se torna ainda especial para mim, pois tive duas marcantes oportunidades de manter contato com o Mestre Deífilo Gurgel. Guardo estes momentos com extrema nitidez na minha memória. Meu primeiro encontro foi no lançamento do seu livro “Espaço e tempo do folclore potiguar”, em 19 de agosto de 1999 e tenho muito apreço pelo meu exemplar assinado por ele. Apesar deste se encontrar já todo riscado e bastante mexido de tanto que o leio e utilizo em minhas pesquisas. Em 2007, ou 2008, tive a oportunidade de me reencontrar com ele e poder conversar um pouco mais.

Mestre Deífilo Gurgel - Foto - Canindé Soares
Mestre Deífilo Gurgel – Foto – Canindé Soares

Na época eu trabalhava no Arquivo Público e Mestre Deífilo precisava de alguns materiais históricos, se não me engano para uma pesquisa sobre Mário de Andrade. Com autorização da direção, eu me comprometi a procurar e lhe entregar o dito material. Dias depois, em um sábado, me lembro de ir à casa do seu filho Alexandre, em um apartamento na Jaguarari e lhe entreguei algumas fotos de jornais antigos. Não fiz esta tarefa apenas por uma obrigação de trabalho, ou por dinheiro, mas por iração a alguém que tanto lutou pela nossa cultura. Uma pena não ter sido seu aluno. Até hoje me recordo impressionado tanta delicadeza naquele corpo franzino, junto com uma extrema e sincera humildade. Receber uma medalha com o nome deste homem, conhecendo o seu trabalho e sua luta pela cultura do nosso Rio Grande do Norte é algo que me deixa muito feliz! O legal é que vou está ao lado de pessoas as quais tenho enorme respeito, como o o amigo Paulo Gastão, o Professor Cláudio Augusto Pinto Galvão, o Professor Roberto Lima, Racine Santos e a todos os indicados. Por isso meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que frequentam as páginas do nosso blog TOK DE HISTÓRIA, ou aos que já leram meus livros, aos meus familiares pela força em continuar com meu trabalho, especialmente a minha esposa Isa Cristina, e pela indicação a receber esta medalha de mérito. Este prêmio é simplesmente combustível para seguir adiante com meus trabalhos e continuar sempre perseguindo o objetivo de democratizar a informação, principalmente em relação à história da minha região. Forte abraço a todos.     Rostand Medeiros 

MEU ENCONTRO COM JOÃO UBALDO RIBEIRO EM ITAPARICA

Com João Ubaldo Ribeiro na Ilha de Itaparica
Com João Ubaldo Ribeiro na Ilha de Itaparica

Hoje o Brasil, a Bahia, mais especificamente a bela Ilha de Itaparica, estão mais tristes. Na madrugada desta sexta-feira (18/07) faleceu o escritor João Ubaldo Ribeiro.

Eu fui pego de surpresa e confesso fiquei triste. Fui a minha estante e peguei os livros que possuo deste maravilhoso autor e fiquei lembrando de 1985. Lembrei de quando era estudante do 2º grau em uma Natal muito mais tranquila, em um período de tremendas mudanças econômicas e políticas, onde a esperança era a palavra de ordem e a gente lia muito mais.

Eu tinha um amigo mato-grossense que morava por aqui e se chamava Alberto. Era um leitor assíduo, quase fanático, que andava sempre com um livro embaixo do braço. Eu adorava conversar com ele sobre os textos consagrados e os lançamentos. Um dia, um tanto eufórico, ele me contou sobre um livro chamado “Viva o povo brasileiro”, cujo autor era um baiano “risonho, que tem uns óculos grandes, tipo fundo de garrafa” e que o tal livro era um grande sucesso de vendas, era muito bom, etc.

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Apesar de ter lido muitos livros de Jorge Amado, de ter uma relação muito positiva com Salvador e a Bahia, não me mostrei muito interessado. Acho que meio chateado, Alberto me entregou seu exemplar e disse que eu iria ter uma surpresa. Em casa, à noite, o livro foi verdadeiro golpe para mim que gosto de história.

Para mim “Viva o povo brasileiro” possui ótima narrativa, sendo uma verdadeira epopeia de uma gente que ama a liberdade. É baseado em três séculos e meio de fatos reais da história brasileira, com vários personagens fictícios do Recôncavo e da bela Itaparica. Depois li “Sargento Getúlio”, que em minha opinião um romance duro, violento, até exacerbado, mas poético e apaixonante. Depois foi a vez de conhecer “O sorriso do lagarto” e me tornei fã de carteirinha do baiano de riso largo!

Depois de haver lido tanta coisa sobre a Bahia, o Recôncavo e Itaparica, decidi que um dia iria percorrer a região. Mas demorou um pouco. Só em janeiro de 2011, já casado e com uma filha, pude conhecer esta interessante parte do Brasil.

Em 23 de janeiro daquele ano me encontrava na bela ilha de Itaparica, quando soube através de um amigo que lá conheci, que o escritor João Ubaldo Ribeiro estava comemorando o seu aniversário na ilha e iria receber várias homenagens. Este amigo, o dono da pousada onde estava hospedado, sem nenhuma cerimônia me convidou para ir ao evento e conhecer o escritor que tanto irava. Fiquei surpreso com a tranquilidade do convite, mas nem pensei em recusar!

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E já que era um aniversário, decidi presentear João Ubaldo Ribeiro com um exemplar do meu livro “Os cavaleiros dos céus – A saga do voo de Ferrarin e Del Prete”.

A homenagem que o povo itaparicano fez ao ilustre e imortal filho da terra ocorreu no pátio da Biblioteca Juracy Magalhães Jr., na Rua Rui Barbosa, no centro de Itaparica e a programação foi realizada pela Fundação Pedro Calmon e pela Secretária de Cultura da Bahia. Durante o evento ocorreu a exibição de um interessante documentário realizado na ilha, onde diante das lentes o povo da terra teceu comentários, narrou causos e histórias pitorescas sobre o autor deSargento Getúlio” e “O sorriso do lagarto”.

As apresentações culturais foram maravilhosas, mas o melhor foi a palestra realizada pelo escritor. Ele falou basicamente de sua Itaparica querida. Relembrou casos, da sua família, de pessoas amigas, de figuras que serviram de inspiração para seus personagens. Estava alegre, tranquilo e em nenhum momento deixou de apresentar seu sorriso característico.

Outra coisa que me chamou atenção foi a tranquilidade e o extremo nível de informalidade do evento.

Não é que ele tenha sido desorganizado, mas o próprio João Ubaldo Ribeiro, um consagrado escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, que teve sua obra “Sargento Getúlio” traduzida em 12 idiomas, foi qualificado pelo jornal The New York Times como “gênio”, estava muito a vontade de chinelos e bermudas. Os quitutes oferecidos não eram imitações sem gosto de iguarias da culinária sa, era tudo típico da culinária baiana. Já as bebidas eram sucos de frutas da região e cachaça. Não havia ninguém de paletó e gravata. Apesar de o aniversariante ser quem ele era, houve apenas dois rápidos discursos. Até a representante do governador da Bahia não falou sequer três minutos e houve mais ênfase nas apresentações culturais de grupos da região de Itaparica.

Tudo bem simples e tremendamente organizado, com um clima tranquilo e aberto. Bem diferente com os formalismos tacanhos, verdadeiramente paroquianos e quase militarizados a que estamos acostumados a ver em muitos dos eventos ditos “culturais” na nossa terra potiguar.

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ado o evento fui até João Ubaldo e tranquilamente lhe dei os parabéns, lhe desejei felicidades e lhe entreguei meu livro. Ele ficou um pouco surpreso de ver um potiguar por ali, mas no meio do burburinho me comentou que adorava Natal, que gostava da terra potiguar e do seu povo. Perguntou-me sobre o que tratava meu trabalho e me comentou que tudo que envolvia a época retratada no meu livro era do seu interesse. Recebeu minha obra com tranquilidade e satisfação.

No contato que tive com João Ubaldo Ribeiro ele se apresentou como um ser humano tranquilo, sem o mínimo sentido de grandeza e bastante aberto ao diálogo. Coisa que poderíamos ver com maior frequência entre aqueles que escrevem na terra de Cascudo!

Seguindo para a ilha de Ferry Boat
Deixando Salvador e seguindo para a ilha de Ferry Boat

João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro nasceu na Ilha de Itaparica no dia 23 de janeiro de 1941. Mais tarde foi levado para o estado de Sergipe, onde ele viveu até os 11 anos de idade com seu pai, um professor e político. No início da década de 1960 estudou Direito, mas não chegou a exercer esta profissão e aos 21 anos escreveu seu primeiro livro, “Setembro não tem sentido”. Fez pós-graduação em istração Pública pela mesma instituição e mestrado de istração Pública e Ciência Política pela Universidade da Califórnia do Sul, nos Estados Unidos. Entre outras atividades, foi professor da Escola de istração e da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia e professor da Escola de istração da Universidade Católica de Salvador. Seu primeiro emprego foi como repórter no Jornal da Bahia, aonde também viria a atuar mais tarde como redator, chefe de reportagem e colunista.

Homem de inteligência ágil, ocupava a 34ª cadeira da Academia Brasileira de Letras e em 2008 foi agraciado com o Prêmio Camões, considerado o maior reconhecimento da língua portuguesa. Foi um dos autores brasileiros mais traduzidos no exterior.

Morava no Rio de Janeiro, mas todo o ano ava férias na sua casa na Ilha de Itaparica, onde sempre levantava cedo, despreocupadamente ficava lendo jornais, realizava uma pescaria, ou saia simplesmente caminhando pelas ruas da ilha reencontrando amigos.

No outro dia após o evento realizado na Biblioteca Juracy Magalhães Jr., tive a  oportunidade de ver o escritor na pitoresca pracinha em frente ao Centro de Artesanato de Itaparica, defronte ao mar. Tal como no dia anterior ele estava muito tranquilo, sentado em uma mesinha do “Restaurante do Negão”, conversando animadamente com amigos e parecia um homem feliz!

Sem dúvida foi uma grande perda para nossa cultura.