Uma Ideia Desse Retorno e Os Momentos Desses Militares em Parnamirim Field
Autor – ELTON C. FAY – Redator da equipe da Associated Press.
Publicado Originalmente no THE BINGHAMTON PRESS, de Binghamton, New York, EUA, edição de sábado, 25 de agosto de 1945
CADERNO DE CORRESPONDENTES: SOLDADOS RETORNANDO AOS ESTADOS UNIDOS POR VIA AÉREA A UMA TAXA DE 700 HOMENS POR DIA.
Natal, Brasil – Mais de 32.000 soldados vindos da Europa para casa, am por esta Base Aérea dos Estados Unidos na região oriental da América do Sul. Eles am em um fluxo constante. Mais de 700 homens por dia vem em aviões de Casablanca, Norte da África, em voos de até 17 horas. Apenas alguns dias a mais e eles estarão em casa.
Esses jovens tiveram sorte. Eles são prioridade máxima. Em geral, eles são homens destinados a baixa do serviço ativo. Separados de suas antigas organizações militares e movendo-se como indivíduos eles não teriam prioridade de viagem, que foi definida originalmente quando era urgente a redistribuição de soldados para os campos de batalha do Pacífico. Sob circunstâncias normais eles seriam os últimos a sair Europa por navios oceânicos, demorando alguns meses para isso.
Parnamirim Field – FOTO GETTY – IVAN DIMITROV
Mas a maior companhia aérea do mundo – A Força Aérea do Exército dos Estados Unidos e o seu Comando de Transporte, no entanto, tinha aviões – centenas deles a mão.
Este é um exemplo aonde o caminho mais curto para casa pode ser através do trecho mais longo. De navio eles teriam de percorrer cerca de 3.000 milhas, e de avião mais do que o dobro dessa distância. Seguindo uma rota descendo para Casablanca, Marrocos, cruzando a linha do equador e atravessando o Oceano Atlântico até Natal. Depois voando através do Caribe até os Estados Unidos. Em navios de transporte de tropas os soldados levariam em média 10 ou 12 dias através do Atlântico Norte. Já fazendo a viagem aérea pelo Sul, eles alcançam os Estados Unidos em cerca de três dias.
O acampamento militar de Parnamirim Field – FOTO GETTY – IVAN DIMITROV
O Campo de Parnamirim e seu imenso acampamento militar é o ponto de transferência do soldado-viajante. Ele pousa aqui no meio do caminho para casa, geralmente em um avião de transporte quadrimotor Douglas C-54. Muitos talvez estejam cansados de ficar ouvindo o barulho dos motores por 17 horas e até um pouco mais. Fartos das rações K – mas com os Estados Unidos a apenas dois dias de viagem.
Desembarque de um militar americano de uma aeronave C-87, enquanto um técnico brasileiro prepara-se para colocdação de inseticida na aeronave contra a malária – FOTO GETTY – IVAN DIMITROV
O grande avião taxia até a linha principal, representantes do Exército Americano sobem a bordo, incluindo médicos que fazem a colocação de pesadas doses de spray inseticida que enche o avião. A ideia é evitar que os insetos que transmitem a malária desembarquem impunimente por aqui, ou sigam mais adiante.
Alguns Estão Assustados.
Douglas C-54 – Foto – US Army.
Um ou dois deles dormiram no caminho em seus assentos, ou enrolados em um cobertor no chão. Muitos dos homens, muitas vezes a maioria, nunca voaram antes.
Eles estão cansados. De vez em quando eles ficam com medo das sacolejadas no voo. A terra parece boa para eles. Eles contam e repetem o pior de seus medos que aram na viagem – o salto sobre a água, sobre o Atlântico (sem perceberem que logo mais adiante estariam voando centenas de quilômetros sobre a selva amazônica).
So9ldados americanos em trânsito por Parnamirim Field Fonte – FOTO GETTY – IVAN DIMITROV
Houve alguns casos tremendos em que os soldados recusaram a seguir de avião pelo medo. Nesse caso estes eram despachados para Recife afim de embarcarem para casa no próximo navio a vapor. O Exército não pode obrigar seus homens a voar.
Seria possível em menos de duas horas transferir esses soldados dos grandes aviões transoceânicos para os transportes bimotores menores com destino ao Estados Unidos, mas os homens são mantidos aqui (Parnamirim Field) para dormir em beliches e ter refeições regulares.
A média de permanência deles é de 24 horas. O mau tempo daqui até Miami, Flórida, às vezes reduz o número de operações de voo diárias e exige uma estadia um pouco mais longa.
Não Consigo Sair Do PX
O objetivo é tornar a vida tão mais agradável possível. (Nenhum lugar é melhor que casa para um soldado indo nessa direção.) Natal, por uma aberração do clima, é um local fresco, varrido pela brisa constante, mesmo localizado em uma região seca.
Trabalho normal e diário em Parnamirim Field – FOTO GETTY IVAN DIMITROV
Para seguir os regulamentos de saúde do governo brasileiro o soldado em trânsito não pode sair desse posto, até mesmo para a cidade próxima de Natal. Mas ele encontra aqui um entretenimento melhor que a configuração média e uma chance de se exercitar, comer e dormir.
Esses soldados vão encontrar, no entanto, alguns aborrecimentos antes que ele tenha aquele pedaço de papel que vai libertá-los das regras, regulamentos e do exército. O oficial de instrução que conheci a bordo do avião me disse, com um sorriso irônico: “– Você vai descobrir que quanto mais perto chegar de casa, mais difícil será a guerra. Mantenha a camisa abotoada e as calças arregaçadas”.
Para um soldado que deseje realizar uma viagem de compras, este é o lugar. Possui um dos maiores posto de trocas (PX) do exército. Mensalmente, as vendas aumentam como US$ 500.000 (quinhentos mil dólares). O produto que está no topo da lista dos soldados para compras é a “bota mosqueteira”, uma meia bota de couro fabricada em toda a América do Sul. Bolsas de couro de jacaré vem em segundo lugar.
Outro aspecto do C-54 – Foto – US Army
Alguns homens, cerca de meia dúzia por dia, descobrem que pequenas doenças interrompem a viagem para casa. Se eles mostram temperaturas alteradas, ou outras evidências de doenças, elas permanecem em Parnamirim até o problema desaparecer e assim evitar que alguma doença contagiosa se instale.
ELTON C. FAY foi um repórter da Associated Press que atuou nos conflitos que envolveram os Estados Unidos, desde a Segunda Guerra Mundial até a Guerra do Vietnã. Ele foi um dos poucos repórteres informados antes dos bombardeios do general Jimmy Doolittle contra no Japão em abril de 1942 e durante o resto do conflito escreveu sobre os principais eventos da guerra. Esteve em duas ocasiões em Natal e Parnamirim Field. Fay ingressou no serviço de notícias em Albany, New York, e mudou-se para Washington em 1932, cobrindo o antigo Departamento da Marinha e depois junto ao Pentágono. Faleceu aos 81 anos, em 1º de setembro de 1982.
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Recentemente um amigo me perguntou como ocorreram as reuniões entre os presidentes Franklin Delano Roosevelt (Estados Unidos) e Getúlio Dorneles Vargas (Brasil), ocorridas no dia 28 de janeiro de 1943, a bordo do navio de guerra USS Humboldt, ancorado no rio Potengi em Natal?
Esse fato, conhecido como “Conferencia do Potengi”, é um episódio até que bastante comentado pelos natalenses. Mas sobre os detalhes do que aconteceu a bordo dessa nave da US Navy pouco é divulgado.
Visando sanar a dúvida desse dileto amigo, estou reproduzindo no nosso blog TOK DE HISTÓRIA as páginas de número 252 a 262 do livro “Brasil – A Segunda Guerra Mundial e a Construção do Brasil Moderno” (Editorial Presença, Lisboa, Portugal, 2014), escrito pelo escocês Neill Lochery, que trata com extremo detalhismo sobre esta questão. Vale a leitura para conhecer o que se ou no que ficou conhecido como “Conferência do Potengi”.
O autor é um importante historiador, dedicado aos temas da da história moderna da Europa e do Oriente Médio e Mediterrâneo, além de ser um colaborador frequente de jornais e publicações de periódicos em todo o mundo. Lochery também é professor na University College, de Londres. É autor de uma série de livros aclamados pela crítica. Vários de seus livros enfocam a Segunda Guerra Mundial. Lochery tem mestrado pela Exeter University e doutorado pela Durham University (Centro de Estudos do Oriente Médio e Islâmicos), ingressou na University College em 1997 e é professor de Estudos do Oriente Médio e do Mediterrâneo na Faculdade de Artes e Humanidades.
Procurei evitar ao máximo realizar alterações e acrescentar notas, apenas onde foi mais do que necessário para o melhor entendimento dos leitores. Acrescentei fotografias da nossa coleção, de modo a criar um melhor entendimento daquele momento histórico. Vale ressaltar que esse livro foi publicado no Brasil com o título “Brasil – Os Frutos da Guerra” (Editora Intrínseca, Rio de Janeiro, 2015).
Acredito que o texto de Neill Lochery é extremamente interessante para o conhecimento dos natalenses e potiguares para um dos momentos mais importantes da História do Rio Grande do Norte.
Getúlio Vargas junto a oficiais da marinha dos Estados Unidos, provavelmente conversando em francês.
Vargas também se preparava para uma reunião secreta que teria enormes consequências para o Brasil e para a guerra à qual o país se unira havia pouco tempo. Em uma nota para Cordell Hull[1], na terça-feira, 26 janeiro de 1943, Jefferson Caffery[2] escreveu de forma enigmática: “Eu saio pela manhã com o chefe de Oswaldo para encontrar você sabe quem. Devo voltar na sexta-feira”.[3]
No dia seguinte, Caffery, o almirante Ingram e um adido naval embarcaram num avião, juntamente com o presidente Vargas e dois assessores.[4]
Vargas com seu charuto Corona, seu preferido, despachando no Palácio do Catete.
Assim que todos os seis ageiros subiram a bordo, o avião decolou e rumou para Natal. Ao chegar, o grupo foi transferido para um contratorpedeiro, o USS Jouett, onde seus integrantes jantaram e aram a noite se preparando para as reuniões do dia seguinte.
Vargas estava muito ansioso. Ele participara havia pouco de celebrações em São Paulo por ocasião do aniversário da fundação da cidade. Seu filho, Getulinho[5], tinha contraído poliomielite nesse período, e todos presumiam nos círculos políticos da capital que o presidente continuava em São Paulo com ele[6].
Vargas e Jefferson Caffery, embaixador dos Estados Unidos no Brasil.
Vargas, porém, decidiu que o dever o chamava e, com efeito, deixou a cabeceira do filho moribundo para participar da reunião em Natal. No entanto, apesar da ansiedade, estava bem preparado para as reuniões vindouras. Aranha elaborara um memorando de dez páginas com conselhos para o chefe que delineavam as prioridades brasileiras. Em um sinal da forte confiança entre Aranha e Caffery, o ministro das Relações Exteriores brasileiro mostrou o documento ao seu colega americano.
Às oito da manhã de 28 de janeiro de 1943, o hidroavião que transportava o presidente Roosevelt amerissou em Natal. Roosevelt estivera na Conferência de Casablanca, no Marrocos, na qual se reunira com o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e com os generais ses Charles de Gaulle e Henri Giraud a fim de discutir as táticas e estratégias para o restante da guerra. Na conferência, os líderes também formalizaram seu compromisso para acabar com a guerra por meio da derrota total das potências do Eixo. Essa política, que seria conhecida como a doutrina da “rendição incondicional”, marcaria a Conferência de Casablanca como uma das mais importantes de toda a Segunda Guerra.
Ao chegar a Natal, Roosevelt foi imediatamente transferido para o navio de apoio a hidroaviões USS Humboldt, onde permaneceria durante aquele dia e aquela noite.
Mais tarde, na manhã da chegada do presidente americano, Caffery reuniu-se com ele e seu assessor especial, Harry Hopkins. Os três concordaram que Roosevelt levaria “com tato” a questão da adesão do Brasil às Nações Unidas, que era um dos principais objetivos dos americanos para a reunião[7]. A ONU seria estabelecida pelos Aliados como a instituição internacional central na ordem do pós-guerra e substituiria a Liga das Nações. Caffery comentou que Vargas muito provavelmente concordaria com tal pedido — o memorando de dez páginas com os conselhos de Aranha confirmara isso[8].
Getúlio Vargas no seu trabalho.
Roosevelt, Caffery e Hopkins discutiram então a oferta feita pelo Brasil de mandar tropas ao exterior. O presidente explicou que os líderes militares americanos “não estavam muito interessados em enviar tropas brasileiras ao Norte da África.” No entanto, Roosevelt queria convencer Vargas de que suas tropas seriam necessárias em outros lugares do outro lado do Atlântico, sobretudo em alguns territórios de importância estratégica com os quais o Brasil compartilhava um ado colonial.
No dia após sua chegada, Roosevelt ofereceu um almoço em homenagem ao colega brasileiro na sala de jantar do comandante do Humboldt. Os dois presidentes conversaram em francês, tal como haviam feito durante a primeira reunião que tiveram no Rio de Janeiro, em 1936. Vargas vestia um terno de linho branco e camisa de algodão com sua gravata de seda listrada favorita, enquanto Roosevelt usava um terno de algodão bege-claro ligeiramente surrado e camisa branca. Contudo, a gravata e a braçadeira negras do presidente americano, mais do que qualquer outro elemento de seu vestuário, expressavam seu estado interior. Roosevelt estava de luto pela morte de filhos americanos na Segunda Guerra Mundial — fato que, sem dúvida, ressoou profundamente no presidente brasileiro, cujo filho estava à beira da morte.
Vargas e Roosevelt no Rioi de Janeiro em 1936.
Roosevelt e Vargas haviam envelhecido bastante desde a reunião em 1936. Embora aparentassem descontração na única fotografia publicada daquele encontro no Rio de Janeiro, em 1943 os dois pareciam cansados. As olheiras de Roosevelt ficavam bem visíveis quando ele tirava os óculos; Vargas ainda
O Uss Humbold (AVP-21), onde aconteceu a “Conferência do Potengi”. Essa nave já foi classificada como “cruzador”, destróier”, “contratorpedeiro”, mas na verdade era uma nave de apoio de hidroaviões, que ficava em Natal para ajudar hidroaviões americanos de busca e destruição de submarinos que ficavam na base da Rampa.
mancava perceptivelmente em decorrência do acidente e levara sua bengala na viagem a Natal. Apenas Jefferson Caffery parecia remotamente saudável — ainda bronzeado após as férias nos Estados Unidos no ano anterior e pelos banhos de sol que tomara na praia no início do mês, no verão carioca.
Refeição a bordo do Uss Humboldt, vendo da esquerda para direita Vargas, Roosevelt e Caffery.
O clima durante o almoço era de profissionalismo, e o ambiente estava um pouco silencioso. Os dois presidentes viam a reunião como um encontro individual. Sentado à cabeceira da mesa, com Vargas à direita, Roosevelt dirigiu-se diretamente ao presidente brasileiro. Durante todo o almoço, Roosevelt quase não tirou os olhos de seu convidado, mal percebendo a presença de qualquer outra pessoa na sala. Ele falava em voz baixa, mas, embora o tom suave conferisse um ar mais intimista à reunião, o motivo era, na realidade, um resfriado que o presidente americano contraíra com as mudanças drásticas na temperatura às quais fora exposto nos dias anteriores à viagem. Vargas ouviu o colega americano com atenção e interveio de vez em quando, mas apenas de forma breve — quando Roosevelt solicitava uma resposta, por exemplo, ou quando fazia uma pausa para deixar o brasileiro falar. Caffery, sentado à esquerda de Roosevelt, disse muito pouco. Ele ouviu atentamente e algumas vezes inclinou-se para a frente a fim de se certificar de que conseguia ouvir a voz cada vez mais rouca de seu líder.
Foto clássica dos líderes dos Estados Unidos e Brasil na “Conferência do Potengi”.
Roosevelt começou a conversa informando Vargas do que acontecera em Casablanca na reunião com Churchill e os líderes ses. Então descreveu o progresso da guerra sob uma perspectiva americana, contando a Vargas como a produção dos Estados Unidos estava evoluindo, como iam as relações anglo-americanas, qual era a situação na União Soviética e quais eram suas esperanças e planos para o período pós-guerra.
Vargas, Roosevelt e Caffery no USS Humboldt.
Em seguida, o presidente americano falou sobre o Brasil e, de uma maneira geral, sobre o desenvolvimento econômico do país e seus problemas com a imigração. Ele deixou a primeira pergunta para o final dos comentários de abertura, mas então, como era do seu feitio, foi direto ao ponto. — À luz da evolução da situação na guerra — perguntou a Vargas —, o Brasil está disposto a se tornar um membro das Nações Unidas?[9]
Vargas, que estudara com cuidado o memorando de dez páginas de Aranha no avião, não ficou surpreso com a pergunta. Olhando bem nos olhos de Roosevelt, respondeu que (como Caffery mais tarde relataria numa mensagem para Cordell Hull) “tomaria as providências para se tornar um membro da Organização das Nações Unidas”. Vargas então fez uma pausa que pareceu eterna, mas que durou apenas um ou dois segundos antes de qualificar sua resposta.
Primeira página do jornal natalense “A República”, noticiando a “Conferência do Potengi”.
— No entanto — continuou ele —, esse pode ser um momento oportuno para dizer mais uma vez que precisamos de equipamentos dos Estados Unidos para nossas forças armadas: Marinha e Aeronáutica[10].
Vargas deixou Roosevelt com poucas dúvidas quanto ao que seria necessário para levar o Brasil a se engajar 100% no campo dos Aliados: os Estados Unidos teriam de aumentar seu fornecimento de armas ao Brasil.
O navio de guerra norte-americano Uss Jouett, que também ficou ancorado no rio Potengi hospedou Vargas antes do encontro com Roosevelt no Uss Humboldt.
Deixando de lado os envios adicionais de armas americanas para o Brasil, Roosevelt voltou à questão de Portugal. Ele fez um breve resumo sobre a importância da ilha da Madeira para a causa dos Aliados no Atlântico, mas focou, em particular, nos Açores, que eram vitais para as operações dos Aliados no Atlântico Sul. Roosevelt confessou um interesse pessoal pelos Açores, que o faziam lembrar-se da Primeira Guerra Mundial, quando, em 1918, na condição de secretário assistente da Marinha, visitou as ilhas para inspecionar a base naval americana que havia acabado de ser construída. Agora ele confidenciava a Vargas uma conversa que tivera com Churchill, na qual os dois concordaram em fazer da implantação de bases aéreas no Açores uma prioridade estratégica para 1943.[11] A segurança da rota comercial do Atlântico Sul para o continente europeu dependia de ganharem a batalha contra os submarinos alemães, e uma base nos Açores permitiria a operação de aviões antissubmarino dos Aliados ali. A base aérea também seria um ponto de escala vital para a invasão da Europa pelos Aliados, prevista para ocorrer no ano seguinte.
Os presidentes no jipe, na área da Rampa.
O único fator complicador era que Portugal controlava o arquipélago. Para ter o às bases, os britânicos pensavam em abrir negociações com António de Oliveira Salazar, o ditador de Portugal, na primavera de 1943, e os americanos iniciariam as conversas com ele logo depois. “Salazar é um sujeito complicado”, descreveu Roosevelt. Este já começara a tentar tranquilizar o ditador de que uma presença dos Aliados nas ilhas duraria apenas o prazo da guerra, como ocorrera na Primeira Guerra Mundial. Mas Salazar suspeitava que tanto a Inglaterra quanto os Estados Unidos conspiravam para estabelecer uma presença permanente nas ilhas. Como se comprovou mais tarde, o astuto líder português previa a ascensão da Guerra Fria e o confronto ideológico entre a democracia e o comunismo e entendia que as ilhas seriam de grande utilidade para uma potência — como a americana — que desejasse estabelecer domínio na Europa Ocidental. Salazar temia que os Estados Unidos relutassem em deixar os Açores após estabelecer uma posição por lá.
No entanto, Roosevelt também sabia — ou ao menos suspeitava — que o ditador português estava tão preocupado com as ambições alemãs quanto com as dos Estados Unidos. A Vargas, o presidente americano sugeriu que Salazar temia uma invasão alemã de Portugal e dos Açores, ou uma simples invasão das ilhas. Contudo, essa era uma espécie de cortina de fumaça, uma vez que a ameaça real de uma invasão alemã em Portugal já ara. Com as forças de Hitler envolvidas em combates ferrenhos na União Soviética e com as forças dos Aliados no Norte da África, a possibilidade de um ataque do Eixo a Portugal ou a suas possessões no Atlântico parecia remota.
Na verdade, Hitler perdera a oportunidade de invadir os Açores. No início da guerra, seus comandantes navais tinham-no instigado a invadir as ilhas portuguesas antes dos britânicos, mas ele optou por ignorar os conselhos. O que preocupava Roosevelt mais do que uma invasão alemã era a perspectiva de Salazar não permitir o o dos Aliados às ilhas. Em reuniões reservadas com Sir Ronald Campbell, o embaixador britânico em Lisboa, Salazar indicara que, quando chegasse a hora, ele faria a coisa certa para os britânicos. No entanto, não chegou a prometer aos americanos uma presença nas ilhas. Tanto Churchill quanto o ministro das Relações Exteriores do Foreign Office, Anthony Eden, prometeram tentar mudar a opinião do ditador português quando a Grã-Bretanha abrisse as negociações com ele. Roosevelt e os Estados Unidos, porém, haviam começado os preparativos para talvez tomar as ilhas à força, caso não conseguissem pela diplomacia.
Roosevelt esperava que seus amigos brasileiros o apoiassem na questão dos Açores. Contudo, quando ele abordou o assunto com Vargas, descreveu o pedido como se fosse uma ajuda aos portugueses, com quem ele sabia que o Brasil ainda mantinha laços estreitos.
— Você pode nos ajudar enviando tropas para substituir os portugueses, que são mais necessários no continente? — pediu Roosevelt a Vargas.[12]
O líder brasileiro foi pego de surpresa pela franqueza na abordagem de Roosevelt e ficou preocupado com as implicações. Os Estados Unidos pediam ao Brasil, uma ex-colônia de Portugal, para de fato ocupar território soberano
português. Depois de alguns segundos de silêncio, Vargas respondeu de forma lenta, quase mecânica: — Estou disposto a levar esse assunto a Salazar. No entanto, não podemos enviar tropas para as ilhas portuguesas [Açores], a menos que vocês forneçam equipamentos adequados para elas.[13] — Era a diretiva brasileira, e Vargas estava agarrando-se a ela.
Uma revista mexicana, que divulgou o encontro de Roosevelt e Vargas em Natal.
Os dois aram o resto do almoço elaborando os detalhes de como os Estados Unidos poderiam enviar peças sobressalentes e outros equipamentos muito necessários à Marinha do Brasil. O presidente americano prometeu tentar enviar o máximo de material militar, o mais rápido possível. Esse foi o fim das
conversas sérias, e Roosevelt e Vargas compartilharam uma piada interna com o almirante Ingram, que, por sua vez, disse aos presidentes que a base aérea estava pronta para inspeção.
Terminada a refeição, os dois chefes de Estado partiram num jipe para ver a base de Natal. A notícia da reunião começara a correr apenas no início do almoço; por isso, quando os presidentes visitaram a base, surpreenderam muitos militares, que não tinham ideia de que os dois líderes iam visitar as instalações. Roosevelt sentou-se no banco dianteiro do jipe; Vargas, no banco traseiro com o almirante Ingram. A excursão foi registrada em uma das fotografias mais emblemáticas desse período de cooperação Estados Unidos-Brasil. Ao mostrar os três homens rindo, a imagem dá a impressão de Roosevelt e Vargas despreocupados, fazendo um eio. Uma fotografia tirada alguns momentos após a primeira, no entanto, revela um quadro muito diferente. Tanto Vargas quanto Roosevelt parecem quase melancólicos e cansados, como dois idosos que carregam um fardo pesado demais, e cujos dias estão contados. Na verdade, essa segunda fotografia representa melhor os eventos daquele dia do que a primeira imagem mais feliz.
Naquela noite, Roosevelt e Vargas jantaram com suas equipes no Humboldt. Ao contrário do almoço, o jantar foi menos formal; a conversa, menos empolada e sem dúvida menos comprometedora. Roosevelt prometeu cumprir as promessas de acelerar o fluxo de armas para o Brasil, mas alertou Vargas de que — como o presidente brasileiro com certeza estava cansado de saber — elas estavam em falta. Os dois falaram sobre a possibilidade do envio de uma força brasileira ao exterior, mas apenas em termos gerais. Vargas ainda não conseguira estudar e discutir a fundo o memorando de Dutra em defesa de um grande contingente brasileiro, porém, os comentários e as insinuações de Roosevelt deixavam claro que as forças armadas americanas não estavam muito entusiasmadas com a possibilidade de ter forças brasileiras no Norte da África. Treinar e armar os brasileiros levaria tempo e seria caro demais, pois as novas tropas teriam de estar fortemente armadas e equipadas para participar daquela operação. Contudo, Vargas ainda não tinha como saber qual papel alternativo as tropas brasileiras poderiam desempenhar na guerra além de potencialmente ocupar os Açores.
Vargas deixou a reunião otimista, em contraste marcante com sua aparência soturna no jipe algumas horas antes. Naquela mesma noite, ele voou de volta para o Rio de Janeiro com Caffery. Aranha se encontrou com o presidente logo após seu retorno e, mais tarde, disse maravilhado a Caffery: “Raramente o vi tão satisfeito com tudo.” Sem dúvida um pouco da alegria que o presidente sentia era pessoal: Caffery mencionara na reunião da manhã com Roosevelt que seu filho estava doente e, durante o jantar, Roosevelt oferecera ajuda ao jovem Getulinho com toda a assistência médica que os Estados Unidos poderiam proporcionar. Mas a reunião também tinha marcado uma importante vitória para o Brasil, e Vargas sabia disso.
Famoso quadro baseado nas fotos dos presidentes na Rampa, realizado Raymond Neilson.
Na noite de 30 de janeiro de 1943, logo depois da viagem a Natal, Vargas concedeu uma coletiva de imprensa no Palácio Guanabara, na qual descreveu como e quando se dera o encontro secreto com o presidente Roosevelt. O Brasil estava entusiasmado com a notícia de que o líder dos Estados Unidos decidira fazer escala no Brasil — no caminho de volta de nada menos do que uma das conferências mais importantes da guerra — para demonstrar apoio ao país e ressaltar a importância dele para os Estados Unidos. No momento da coletiva, Roosevelt ainda não chegara a Washington; assim, a imprensa internacional se baseou no relato de Vargas para extrair informações sobre a reunião. Vargas ainda estava de muito bom humor para um homem cujo filho permanecia gravemente enfermo. Ele foi elogioso sobretudo a Roosevelt, assegurando aos brasileiros que o presidente americano “ainda demonstrava a firme decisão de levar adiante essa cruzada na qual estamos todos comprometidos”.[14]
O encontro recebeu uma enorme cobertura na imprensa brasileira. O Jornal do Brasil lhe dedicou duas colunas na primeira página, chamando a presença de Roosevelt em Natal de “uma demonstração sincera de elogio ao esforço de guerra brasileiro”. O encontro também recebeu ampla cobertura internacional. A Associated Press divulgou a manchete “Presidente Roosevelt e presidente Vargas, em declaração conjunta, afirmam intenção de tornar o Atlântico seguro para a navegação de todas as nações”. A manchete da primeira página do New York Times em 29 de janeiro de 1943 proclamava simplesmente: “Roosevelt faz escala no Brasil.”[15]
Vargas desembarcando no Rio de Janeiro, após o encontro em Natal.
Na mesma página do anúncio da visita de Roosevelt a Natal, o New York Times publicou uma grande fotografia de uma tripulação em pé na frente de um bombardeiro da Força Aérea dos Estados Unidos com a legenda “De volta do primeiro bombardeio americano contra a Alemanha”[16]. Como a legenda sugeria, a guerra — embora longe de terminada — entrava em uma fase nova e potencialmente decisiva. Vargas continuava a trabalhar sem parar para maximizar os ganhos do Brasil com o conflito, mas o tempo estava ando, e o Brasil precisava agir depressa para garantir o que já conseguira obter.
Vargas e o então Ministro das Relações Exteriores Oswaldo Aranha no Rio, quando do seu retorno de Natal.
O encontro de Vargas com Roosevelt e os acordos resultantes seriam talvez o auge da carreira política de Vargas e da era do Estado Novo. Embora seja simplista sugerir que Vargas entraria em decadência daquele ponto em diante, ele nunca ascenderia àquelas alturas vertiginosas de novo. E o primeiro sinal de mudança em sua sorte veio na forma de uma perda pessoal devastadora.
Poucos dias depois da reunião de Vargas com Roosevelt, Getulinho morreu. A perda do filho bonito e talentoso mudou Vargas para sempre. Sua esposa, Darci, retirou-se da esfera política e concentrou-se apenas em seus trabalhos de caridade. O próprio presidente demonstrava ter perdido a confiança e o foco; parecia envelhecido, se movimentava mais devagar e ou a confiar cada vez mais em Alzira e em Aranha para receber orientação política. À medida que sua capacidade de avaliação política o abandonava, seu humor tornava-se mais sombrio, e seu afastamento da elite política, mais pronunciado.
Essas transformações não tiveram um impacto imediato ou óbvio na capacidade de Vargas de governar, mas a morte do filho sem dúvida afetou sua capacidade de julgamento, tanto em temas políticos quanto pessoais. Durante anos após a morte de Getulinho, Vargas viveu um luto muito particular — embora se esforçasse para encobrir esse fato enquanto trabalhava para guiar o Brasil pela guerra cada vez mais global.
“Nenhum conteúdo desse site, independente da página, pode ser usado, alterado ou compartilhado (além das permitidas por meio de botões sociais e pop-ups específicos) sem a permissão do autor, estando sujeito à Lei de Direitos Autorais n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998”.
NOTAS
[1] Cordel Hull nessa época era o Secretário de Estado Norte-americano, cargo equivalente ao de Ministro das Relações Exteriores no Brasil. O Oswaldo em questão era o gaúcho Oswaldo Aranha, Ministro das relações Exteriores do Brasil e seu chefe era, evidentemente, Getúlio Vargas.
[2] Jefferson Caffery era o então Embaixador dos Estados Unidos no Brasil.
[3] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.
[4] O almirante Jonas Howard Ingram era o comandante da 4ª Frota da Marinha dos Estados Unidos, com sede em Recife, Pernambuco.
[5] Getúlio Vargas Filho, ou Getulinho, foi o segundo filho do Ex-presidente da República Getúlio Vargas e de dona Darcy Lima Sarmanho. Teve mais quatro irmãos, Lutero Vargas, Alzira Vargas, Jandira e Manuel Sarmanho Vargas, o Maneco. Faleceu ainda jovem, aos 23 anos de idade, devido à paralisia infantil, no dia 5 de fevereiro de 1943. Foi casado e teve um filho.
[6] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.
[7] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.
[8] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.
[9] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.
[10] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.
[11] NARA/RG84/304, Registros do Departamento de Guerra, Divisão dos Serviços Militares, Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro para o Departamento de Guerra, 18 de novembro de 1943.
[12] Frank D. McCann, “Brazil and Wolrd War II: The Forgotten Ally. What Did You Do In The War, Zé Carioca?”, Tel Aviv University, 1987, pág. 20.
[13] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.
[14] Frank D. McCann, “Brazil and Wolrd War II: The Forgotten Ally. What Did You Do In The War, Zé Carioca?”, Tel Aviv University, 1987, pág. 20.
[15] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.
[16] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.
Nas primeiras horas de uma manhã de quinta-feira, dia 28 de janeiro de 1943, o tempo na pequena e bucólica capital potiguar estava frio e nublado. Já fazia alguns dias que a chuva caia com certa frequência em todo o Rio Grande do Norte. Uma situação que animava a todos os potiguares depois de uma seca terrível.
Em meio ao tempo frio, a cidade ia acordando tranquila. Se havia alguma movimentação eram daqueles que iam até as padarias comprar pão novo e quentinho, ou seguiam até no Mercado Público da Avenida Rio Branco, ou pegavam os bondes pintados de amarelo que circulavam por uma cidade com poucos automóveis, ou ainda a movimentação dos ônibus que partindo do bairro da Ribeira para o interior.
Quadro assinado pelo presidente Franklin Delano Roosevelt e entregue a tripulação do cruzador USS Omaha, que participou ativamente no apoio ao presidente na Gâmbia, quando da sua agem para a Conferência de Casablanca.
Nessa quinta-feira, nas margens do rio Potengi, mais precisamente na área da praia da Limpa, começou uma movimentação. Vários militares americanos isolavam a região e mantinha uma vigilância mais intensa na área da base de hidroaviões da empresa aérea Pan American Airways e da nova base da marinha americana, ainda em construção, onde até recentemente havia funcionado uma base de hidroaviões da empresa alemã Deutsche Lufthansa.
Apesar da movimentação, creio que isso foi percebido sem maiores anormalidades para a população que morava nas poucas casas que havia nas proximidades, pois forças militares dos Estados Unidos utilizavam o território potiguar como parte do esforço de guerra Aliado desde dezembro de 1941, através de acordos com o governo brasileiro. Esses militares aproveitavam o privilegiado ponto estratégico do Rio Grande do Norte para facilitar o transporte aéreo e a caça e destruição de submarinos nazifascistas no Atlântico Sul.
Boeing 314 Clipper, tendo a bordo o presidente Franklin Roosevelt toca o rio Potengi as 07:50 de 28 de janeiro de 1943 – Fonte – NARA.
E porque naquela manhã de 28 de janeiro de 1943 houve essa movimentação dos militares estrangeiros nessa região de Natal?
As 07:50, vindo do Atlântico, um grande hidroavião Boeing B-314, conhecido como Clipper, tranquilamente amerissou no calmo rio Potengi. Na sequência aquela máquina prateada movimentou-se com seus quatro motores até depois da área conhecida como o da Pátria. Talvez nesse momento, devido a sua elevada localização em relação à beira do rio, esse hidroavião pode ter chamado a atenção de alguns moradores da Rua da Misericórdia e da região da Praça João Tibúrcio, onde se localiza a colonial igreja de Nossa Senhora do Rosário e seu antigo cruzeiro.
Natal recebia esse modelo de hidroavião na base da Pan American desde os primeiros anos da década de 1940 e a visão daquele tipo de aeronave no rio Potengi nada tinha de inédito. Mas não tão cedo da manhã!
Na sequência o hidroavião deslocou-se pelo rio até a estação da Pan American e foi amarrado no flutuante que servia de atracadouro. Nesse momento, se houvesse algum natalense nas proximidades, provavelmente veria sair daquela máquina vários civis e militares que tratavam com muita deferência um dos ageiros, que claramente possuía deficiências de locomoção. Ali estava Franklin Delano Roosevelt, o presidente dos Estados Unidos, que desembarcava em Natal para um encontro histórico com o presidente brasileiro Getúlio Dorneles Vargas.
E qual foi o caminho de Roosevelt até Natal? Onde ele esteve e o que ele fez antes de chegar à capital potiguar?
A Viagem Secreta
Roosevelt não foi o primeiro presidente dos Estados Unidos a voar em uma aeronave, honraria que coube ao seu primo Theodore, ainda em 1910. Mas o voo de 1943 foi o primeiro trajeto internacional realizado por um presidente daquele país no exercício do cargo e desde a gestão de Abraham Lincoln que um presidente dos Estados Unidos não seguia ao encontro de suas tropas em uma área tão próximo de um front de guerra.
O staff da Casa Branca organizou secretamente a viagem do presidente Roosevelt e planos para o transporte por via terrestre e aérea foram traçados. Naquele voo, além da questão ligada a limitada mobilidade do presidente Roosevelt devido as consequências da poliomielite que ele contraiu em 1921, havia a tônica em relação foi a segurança. Grupos compostos por agentes do serviço secreto, bem como assessores militares, partiram no final de 1942 para reconhecer o caminho e garantir sua segurança. Dessa maneira, os arranjos foram aperfeiçoados ao longo da rota que o presidente seguiria pela América do Norte, Caribe, América do Sul, até o continente africano.
Base de Parnamirim Field, em Natal, Rio Grande do Norte, no ano de 1943. Foi uma das maiores e mais importantes bases aéreas do esforço estratégico aliado para derrotar as forças do Eixo – Foto – Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images.
Certamente esse pessoal esteve em Natal, mas aram totalmente despercebidos. Além da secretíssima natureza da sua missão, em janeiro de 1943 a cidade de Natal abrigava muitos homens de várias unidades militares norte americanas. Para que o leitor tenha uma ideia do volume desse pessoal na capital potiguar, estavam na cidade três esquadrões de busca e destruição de submarinos, com mais de 30 aeronaves e centenas de homens (eram o VP-83, VP-74 e o recém-chegado VP-94), além de todo um aparato de apoio ao transporte aéreo. Havia também muitas unidades de apoio e sempre dois ou três navios americanos estavam ancorados no rio Potengi.
Em 9 de janeiro, perto das 22h, o presidente e sua comitiva deixaram a Casa Branca de forma discreta e seguiram de carro por três quilômetros até a Union Station, a principal estação ferroviária de Washington. A composição era composta por um luxuoso vagão dormitório modelo Pullman, denominado “Ferdinand Magellan”, além de um vagão de bagagem e um vagão especial para o pessoal do Exército.
O vagão presidencial “Ferdinand Magellan”, preservado no Gold Coast Railroad Museum, em Miami, Flórida.
A tripulação do trem foi especialmente selecionada, onde incluíram cinco mensageiros do USS Potomac para ajudar no que fosse necessário. Como forma de distrair algum improvável espião, o trem partiu em direção norte, como se estivesse indo para Hyde Park, mas parou em um desvio ao sul de Fort Meade, no estado de Maryland. Ali ficou aguardando por uma hora enquanto os oficiais da Linha da Costa Atlântica liberavam os trilhos para o sul e então o trem seguiu para Miami.
A composição chegou à capital da Flórida cerca de uma e meia da manhã do dia 11 de janeiro, na área da Military Junction, um antigo depósito ferroviário que serviu como estação exclusiva para militares durante a Segunda Guerra Mundial. Desse lugar o grupo seguiu discretamente para a base da Pan American Airways em Dinner Key, na região de Coconut Grove, sudeste de Miami, um local mundialmente famoso na época por ser a principal base de hidroaviões civis dos Estados Unidos. Com o declínio do uso desse tipo de aeronaves na aviação comercial, a base de Dinner Key foi desativada, mas ainda é possível ver o terminal que recebia os hidroaviões, além da área ser um local muito bonito.
Antes do amanhecer John C. Leslie, gerente de operações da Pan American nas áreas do Atlântico e Pacífico, estava com tudo pronto para receber o grupo de Washington.
O Dixie Clipper (NC 18605) que transporto o presidente Roosevelt e assessores próximos.
Foram utilizados nessa missão dois hidroaviões Boeing 314 Clipper, sendo o Atlantic Clipper (NC 18604) destinado ao pessoal de apoio e o Dixie Clipper (NC 18605) pelo presidente Roosevelt e assessores próximos. Os pilotos foram Howard M. Cone Jr. (Dixie Clipper) e Richard W. Vinal (Atlantic Clipper), ambos do quadro de oficiais da reserva da Marinha, experientes pilotos com títulos de Masters of Ocean Flying (maior classificação de piloto comercial do mundo na época) e engenheiros aeronáuticos formados na Universidade de Seattle. Os dois pilotos e suas tripulações receberam o presidente e sua equipe e logo todos embarcaram.
O jornalista Tony Reichhardt, da revista Air & Space (edição de 18 de janeiro de 2013), comentou que em uma ocasião o piloto Howard Cone, falecido em 1969, relembrou que a tripulação do Clipper ficou “muito surpresa ao saber a identidade do nosso convidado”, e que o presidente foi um “excelente ageiro”. Na aeronave que voou o presidente só houve um pedido especial – que uma das camas fosse equipada com um colchão de casal.
Os pilotos dos hidroaviões foram Howard M. Cone Jr. (Da esquerda e pilotou o Dixie Clipper) e Richard W. Vinal (a direita e pilotou o Atlantic Clipper).
Em suas memórias John C. Leslie lembrou que até esse dia ele não tinha ideia do quanto Franklin Roosevelt era severamente deficiente devido à poliomielite. Foi necessária a colocação de uma rampa especial da doca para a aeronave e o presidente teve de ser carregado para a cabine de ageiros. Às seis da manhã, o Dixie Clipper taxiou nas águas calmas da Flórida e decolou e meia hora depois foi à vez do Atlantic Clipper. Vale ressaltar que o Atlantic Clipper foi utilizado como centro de comunicações, com equipamentos e pessoal capacitados para manter o presidente em contato constante com Washington e as estações de guerra no exterior.
Roosevelt iniciou então sua longa viagem com destino à cidade de Casablanca, no Marrocos, acompanhado por Harry Lloyd Hopkins, conselheiro de política externa e diplomata, de William Daniel Leahy, almirante e chefe de gabinete pessoal do presidente, Ross T. McIntire, contra almirante e atuando como médico, John McCrea, capitão e assessor naval e Arthur Shelton Prettyman, o ajudante afrodescendente do presidente, além de agentes do Serviço Secreto.
Roosevelt em Belém do Pará
Sobre a montanha Bonnet à l’Evêque, a Citadelle Laferrière, ou Citadelle Christophe, sobrevoada pelo hidroavião que levava o presidente Roosevelt em janeiro de 1943.
Segundo informa a própria Casa Branca, a pedido de Roosevelt o Clipper sobrevoou o Haiti e nessa agem circularam sobre a montanha Bonnet à l’Evêque, onde no topo foi possível visualizar a bela Citadelle Laferrière, ou Citadelle Christophe, uma grande fortaleza construída por Henri Christophe, o líder negro da independência da antiga colônia sa do Haiti no início do século XIX. Roosevelt havia visitado o local em 1917, quando ainda era secretário adjunto da Marinha.
As quatro da tarde o Clipper presidencial chegou à antiga colônia inglesa da ilha de Trinidad, atual Trinidad e Tobago. O grupo desembarcou na Base Operacional Naval, onde seguiram por 15 minutos até um isolado hotel operado pela Marinha. Era o Macgueripe Beach Hotel, localizado na pequena baía Macqueripe, a noroeste da ilha de Trinidad e até hoje um lugar preservado e deslumbrante.
Baía Macqueripe, a noroeste da ilha de Trinidad.
No outro dia, terça-feira 12 de janeiro de 1943, os hidroaviões decolaram com destino a Belém, capital do Pará, único ponto no Brasil onde Roosevelt esteve em sua ida a Casablanca.
No caminho o presidente leu, almoçou, cochilou, jogou paciência e olhou para as grandes florestas do Brasil, 2.700 metros abaixo. Quando eram quase duas e meia da tarde a aeronave cruzou a linha do Equador, provavelmente sobre o Amapá ou sobre a ilha do Marajó. Como a bordo se encontravam oficiais navais com larga experiência no mar, Roosevelt havia sido Secretário da Marinha e aquele hidroavião quando amerissava na água se deslocava tal como um barco, foi organizada uma festa que seguiu as mais antigas tradições marítimas e era conhecida como “Festa de Netuno”, ou “Cerimônia de Travessia de Linha”, ou ainda “Festa do Equador”. Alguém se fantasiou de Netuno, o deus dos mares, para dar “permissão para cruzar” a linha equatorial. Outra pessoa enfrentou um interrogatório de Netuno para obter sua bênção e até foi lavrado um documento em nome da “Antiga Ordem das Profundezas”. Hoje em dia, em um tempo onde muitas tradições se perdem rapidamente, não sei se esse tipo de comemoração ainda acontece nos navios pelo mundo afora, mas durante a Segunda Guerra era ainda bem popular. Existem até fotos de tripulações de submarinos alemães realizando esse tipo de evento em plena luz do dia e com muita gente fantasiada.
As 15:30 o Boeing 314 com Roosevelt e seu grupo amerissou na baía do Guajará, após terem voado quase 2.000 quilômetros. O presidente desembarcou e foi recebido pelo vice-almirante Jonas Howard Ingram, Comandante da Força Naval do Atlântico Sul, cuja base ficava em Recife. Junto a ele estava o brigadeiro general Robert LeGrow Walsh, Comandante Geral das Forças Armadas dos Estados Unidos na área do Atlântico Sul. A base do general Walsh era em Natal e sua casa de repouso ficava na Avenida Getúlio Vargas, próximo a conhecida Ladeira do Sol, onde hoje se situa o prédio do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte.
Roosevelt não circulou por Belém, provavelmente nem foi visto por alguém da cidade, pois ficou fortemente protegido por militares na área de Val-de-Cans, palestrando com seus oficiais. Talvez preparando o seu encontro com Getúlio Vargas em Natal, após o retorno do Norte da África. Enquanto isso os Clippers recebiam carga máxima de gasolina para o voo transatlântico.
Pouco antes das sete horas da noite os hidroaviões decolaram para a cidade de Bathurst (atual Banjul), capital da Gâmbia, em um percurso sem escalas de quase 3.900 quilômetros e completados em 19 horas.
Testemunhando a Miséria Provocada Pelo Colonialismo Britânico
Naquele dia 13 de janeiro, por volta das quatro e meia da tarde, as aeronaves sobrevoaram a foz do rio Gâmbia. O segredo deles foi guardado com tanta perfeição que a chegada foi aceita como um voo de rotina. Quando o presidente desembarcou, ele cumprimentou o capitão Cone e sua tripulação pela excelente viagem. Essa foi a última vez que os tripulantes viram ou ouviram falar do presidente e do seu grupo por duas semanas. Mas as ordens dos aviadores da Pan American eram para esperar e os dois Clippers ficaram em Bathurst.
O cruzador de escolta USS Memphis (CL-4).
No rio cercado de manguezais havia dois navios de guerra. Um maior, com quatro chaminés e aspecto meio antiquado, e um menor, com uma chaminé e com jeito de ser uma construção mais recente. Ali estavam respectivamente o cruzador de escolta USS Memphis (CL-4), lançado ao mar em 1920, e o destroier USS Somers (DD-381), com apenas seis anos no mar.
O destroier USS Somers (DD-381).
Oito dias antes em Recife, Pernambuco, através da ordem número 041643, emitida pelo almirante O. M. Read, Comandante da 2ª Divisão de Cruzadores (Commander Cruiser Division Two – ComCruDiv 2) da marinha americana, os dois navios partiram para a Gâmbia. Foi o prático Nelson Campos que com calma e tranquilidade tirou o Memphis do porto. A frente dessa nave o ágil USS Somers seguia abrindo caminho e caçando submarinos inimigos.
Esses navios chegaram à foz do rio Gâmbia em 10 de janeiro, mas a travessia Atlântica não ocorreu sem incidentes. O USS Omaha levava hidroaviões Vought OS2N-1 Kingfisher e no dia 8, no meio do caminho, os oficiais decidiram catapultá-lo para realizar uma patrulha em busca de submarinos inimigos. A patrulha não deu em nada, mas ao amerissar houve um problema e o hidroavião foi considerado perdido. Os aviadores Thomas A. Wood e M. Loeffler foram salvos e na sequência o USS Somers abriu fogo com um dos seus canhões e afundou o que restava do Kingfisher.
Hidroavião Vought OS2N-1 Kingfisher.
Ainda havia claridade quando Roosevelt desembarcou do Clipper na Gâmbia, onde a Grã-Bretanha mantinha uma de suas mais antigas colônias africanas. Ele foi então recebido pelo capitão H. Y. McCown comandante do cruzador Memphis e sugeriu que se o presidente desejasse conhecer um pouco a região havia automóveis e barco para fazer um eio pelo rio, onde o oficial da marinha britânica E. F. Lawder poderia mostrar o que havia. Roosevelt determinou o eio de barco.
O diário oficial de sua viagem na época e recentemente publicado na Internet pela Casa Branca (o link está no final do texto) aponta que o eio demorou meia hora e que “muitos pontos de interesse foram observados ao longo da orla. Várias embarcações, incluindo um tender, petroleiros e barcaças” e que a população local “prestavam pouca ou nenhuma atenção às baleeiras que avam”. Em outubro de 1995, o historiador americano Donald Wright, professor de história na State University of New York, escreveu na revista American Heritage (Volume 46) que para o capitão George E. Durno, cronista oficial da viagem, o eio de baleeira pelo porto deu ao presidente “sua primeira boa olhada na cidade incrivelmente sórdida e infestada de doenças”. George Durno continuou: “Entre as docas encardidas havia inúmeras barcaças e barcos abandonados e enferrujados, literalmente repletos de crianças negras e seus pais – os barcos encalhados e ancorados aparentemente servindo de lar para uma parte da população da orla. Na brisa fresca da noite, o rio ao longo do centro de Bathurst cheirava a peixe podre e esgoto”.
Após uma noite tranquila no cruzador Memphis, o presidente americano e seus conselheiros acordaram antes do amanhecer, pegaram a baleeira até Bathurst e seguiram pela cidade por quinze quilômetros em direção a base aérea de Yundum, pertencente à RAF (Royal Air Force – Real Força Aérea). Informes apontam que enquanto ele ava de barco pelo rio e depois foi conduzido pelas ruas de Bathurst, o presidente Roosevelt – o líder que se preocupou em libertar sua gente da miséria provocada pela “Grande Depressão” de 1929, ajudando a prover seu bem-estar básico através do plano conhecido como “New Deal” – ao lançar seus olhos sobre a pior situação que o colonialismo britânico poderia apresentar, ficou extremamente consternado.
Donald Wright aponta em seu artigo que em 1943 Bathurst era uma das cidades mais insalubres e miseráveis do planeta. A maioria dos gambianos tinha malária, mas, de acordo com relatórios médicos britânicos, as doenças respiratórias foram “as que mais causaram danos”. A bouba era “moderadamente abundante”. Um em cada quatro residentes da maioria das aldeias mostrando “indicações óbvias (feridas abertas) de bouba tardia”. Vermes e infecções intestinais eram “quase universais”; vinte por cento dos gambianos tinham tracoma; a cegueira era “comum”. E havia mais: cada aldeia de qualquer tamanho tinha dois ou três leprosos, e a sífilis e a gonorreia eram quase epidêmicas em partes de Bathurst. As crianças pequenas enfrentavam o pior. Muitas tinham baços aumentados, a conjuntivite era crônica, doenças de pele parasitárias eram comuns, assim como as secreções nasais e a esquistossomose. Devido à prevalência de doenças e às condições higiênicas em geral, a taxa de mortalidade era muito alta e a expectativa de vida era de apenas 26 anos.
Roosevelt ficou horrorizado com a miséria que viu e essa experiência contribuiu para aumentar a crescente antipatia que o presidente dos Estados Unidos tinha pelo colonialismo praticado pelo Império Britânico e pela República da França.
Douglas C-54 Skymaster
Por recomendação do subcomandante do Comando de Transporte Aéreo, brigadeiro general Cyrus R. Smith, o presidente Roosevelt e sua equipe embarcaram em dois aviões de transporte Douglas C-54 do Exército, movidos cada um por quatro motores Wright de 1.200 cavalos de potência e transportando até 26 ageiros. O avião presidencial foi pilotado por capitão Otis F. Bryan, de 35 anos.
Aqueles aviões voariam pelos mais de três mil quilômetros finais até Casablanca, sobre uma área do mundo onde ainda havia zonas de guerra ativa. Chegaram ao aeroporto Medouina às seis e vinte da noite de 14 de janeiro. No total, para participar da reunião, a viagem exigiu quarenta e seis horas entre três continentes e um oceano, além de vinte e seis horas de trem nos Estados Unidos.
A Conferência de Casablanca
O presidente Franklin Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill em Casablanca. Uma situação interessante em relação a maneira como a imprensa fotografava Roosevelt, era a de sempre evitar uma exposição visual do seu problema de locomoção. Segundo o amigo José Henrique de Almeida Braga, pesquisador dos bons sobre o tema da Segunda Guerra e autor do ótimo livro “Salto sobre o lago – e a guerra chegou ao Ceará” (/2017/09/26/uma-otima-noticia-foi-lancado-um-livro-sobre-a-historia-da-segunda-guerra-mundial-em-fortaleza/), havia uma espécie de acordo para evitar esse tipo de exposição.
Nos dias atuais, segundo a versão divulgada pelo Governo dos Estados Unidos, a conhecida Conferência de Casablanca foi uma reunião ocorrida em janeiro de 1943, cujos atores principais foram o presidente Franklin Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e nessa ocasião tomaram importantes decisões que atingiram todo o mundo. E a escolha da mítica cidade marroquina de Casablanca não foi à toa, pois a conferência ocorreu dois meses após os desembarques anglo-americanos no norte da África sa.
Os debates se concentraram na coordenação da estratégia militar aliada contra as potências do Eixo ao longo do ano seguinte. Resolveram concentrar seus esforços contra a Alemanha na esperança de retirar suas forças da Frente Oriental e aumentar as remessas de suprimentos para a União Soviética. Inclusive o primeiro-ministro soviético Joseph Stalin havia recebido um convite, mas ele não conseguiu comparecer porque na época o Exército Vermelho estava engajado em uma grande ofensiva contra o Exército Alemão.
Embora as forças anglo-americanas começassem a concentrar pessoal e material na Inglaterra em preparação para um eventual desembarque no norte da França, ficou decidido que primeiro aconteceriam combates na área do Mediterrâneo. Seriam realizados desembarques na Sicília e depois na Itália continental, com o objetivo de tirar esse país da guerra. Os líderes também concordaram em fortalecer a campanha de bombardeio estratégico contra a Alemanha, entre outras decisões.
Em meio à finalização dos planos estratégicos dos Aliados contra as potências do Eixo em 1943, um dos resultados mais notáveis na Conferência de Casablanca foi a promulgação da política de “rendição incondicional”.
No último dia da Conferência, o presidente Roosevelt anunciou que ele e Churchill tinham decidido que a única maneira de garantir a paz no pós-guerra era adotar uma política de rendição incondicional. Roosevelt afirmou claramente que a política de rendição incondicional não implicava na destruição das populações das potências do Eixo, mas sim “a destruição nesses países das filosofias que se baseavam na conquista e na subjugação de outros povos”. Roosevelt queria evitar a situação que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, quando grandes segmentos da sociedade alemã apoiaram a posição, tão habilmente explorada pelo partido nazista, de que a Alemanha não havia sido derrotada militarmente, mas sim “apunhalada pelas costas por liberais, pacifistas, socialistas, comunistas e judeus”.
Texto escrito pelo piloto Richard W. Vinal e o 1º engenheiro Fowler sobre a viagem dos Clippers com o presidente Roosevelt.
Segundo Donald Wright, em meio às reuniões, sobrou críticas de Roosevelt para o Colonialismo. Em um jantar em 22 de janeiro, em homenagem ao sultão do Marrocos Muḥammad ibn Yūsuf, futuro monarca Muhammad V, o presidente americano falou ousadamente sobre as esperanças de independência das possessões britânicas e sas, encorajou o sultão a declarar a independência marroquina da França e que desejava um esforço internacional no pós-guerra para acabar com o Imperialismo. Winston Churchill e Auguste Noguès, o general francês que tutelava o Marrocos, não puderam deixar de ouvir. O político inglês Harold Macmillan considerou a conversa “igualmente embaraçosa para os britânicos e ses”, enquanto o diplomata americano Robert Murphy achou o desempenho de Roosevelt “deliberadamente provocativo”. Em seu texto Donald Wright aponta que alguns presentes se perguntaram se o mau humor de Churchill naquela noite se devia mais à conversa do presidente com o sultão, ou a ausência de álcool no jantar em razão das leis da religião muçulmana.
Na Libéria
Na segunda-feira, dia 25 de janeiro, depois de onze dias no Marrocos, os aviões C-54 decolaram em direção a Bathurst às oito horas da manhã, cruzando a cadeia de montanhas Atlas durante o voo. Chegaram à capital da Gâmbia as 15:30 e Roosevelt seguiu para o USS Memphis.
No outro dia, para o viajante VIP só houve movimentação à tarde, quando o Ministro Residente da África Ocidental Britânica, Lord Swinton, subiu a bordo às 16h00 e conversou com o presidente. Em seguida, o presidente o convidou a acompanhá-lo para uma curta viagem pelo rio Gâmbia no rebocador de alto mar HMS Aimwell, de 560 toneladas, aguardando para receber o presidente.
Depois de uma noite tranquila, às seis horas da manhã de 27 de janeiro anunciaram a decolagem dos dois C-54 em Yundum Field, para uma viagem de inspeção até a Libéria, quase 1.300 quilômetros a sudeste de Bathurst.
A Libéria, uma república colonizada por escravos libertos dos Estados Unidos antes da Guerra Civil, foi importante para o esforço de guerra Aliado. Ao chegar no começo da tarde, Roosevelt foi saudado pelo presidente Edwin Barclay e uma excelente banda do Exército dos Estados Unidos tocou os hinos nacionais. A qualidade desses músicos militares se devia ao fato de muitos deles terem tocado na orquestra do cantor de jazz Cab Calloway.
Depois os presidentes aram em revista um destacamento do Exército dos Estados Unidos formado por quinhentos soldados afrodescendentes que protegiam o porto de Monróvia, capital do país, e por onde avam milhões de libras de látex bruto. Roosevelt também visitou na Libéria uma grande plantação de borracha da empresa Firestone, que tinha cerca de vinte mil trabalhadores liberianos. Por volta das três e meia da tarde o grupo embarcou nos C-54 e retornaram a Bathurst.
Roosevelt ocupou seu assento no Dixie Clipper por volta das dez e meia daquela noite, para um longo voo através do Atlântico em direção ao Brasil. Minutos depois o Atlantic Clipper fazia o mesmo trajeto.
Em Natal e o Retorno Para os Estados Unidos
Durante a maior parte do voo sob o Atlântico Sul, o Clipper presidencial voou alto, em meio a muitas nuvens, que tornou a viagem um tanto desconfortável. Para reverter o problema os pilotos Howard M. Cone Jr. e Richard W. Vinal desceram seus hidroaviões para uma altitude de apenas 300 metros, o que tornou o trajeto mais confortável para o restante da rota, que atingiu quase 3.000 quilômetros entre a capital da Gâmbia e a capital potiguar.
Pouco antes de amerissarem no rio Potengi, alguém a bordo do Atlantic Clipper descobriu com entusiasmo que uma hélice estava parada. Ela havia sido interrompida por recomendação do engenheiro de voo ao capitão Vinal e que os reparos poderiam esperar até que pousassem. Quando já estavam em Natal, para evitar atrasos, o Atlantic Clipper foi substituído por outro hidroavião do mesmo modelo, batizado American Clipper.
Após o desembarque Roosevelt seguiu para o USS Humboldt (AVP-21), um navio que já foi confundido com “cruzador” e até “destroier”, mas que era apenas uma unidade de apoio naval leve de hidroaviões da Classe Barnegat. Ao menos aquele era um navio novo, colocado em serviço em outubro de 1941.
Para Roosevelt pouco importava o tipo de navio em que ele estava em Natal, o que importava realmente naquela nave de guerra de pequenas dimensões era o seu encontro com Getúlio Dorneles Vargas, o presidente brasileiro. Um encontro histórico, que, entre outras decisões, levou a efetiva participação de tropas brasileiras no teatro de operações na Itália e fez Natal entrar na mira da imprensa mundial.
Mas isso é outra história!
Enquanto Roosevelt permaneceu em Natal, na manhã seguinte os dois Clippers aceleraram para o norte, cobrindo mais de 3.900 quilômetros até Trinidad, aonde o presidente e seu grupo chegaram no dia seguinte, 29 de janeiro, após um voo sobre o continente sul americano em dois aviões C-54.
Finalmente, em 30 de janeiro, data do 61º aniversário do presidente Roosevelt, os Clippers presidenciais decolaram para os Estados Unidos. O capitão Cone o presenteou com duas cartas, uma de cada tripulação dos Clippers que participaram da viagem, cada uma contendo uma contribuição financeira individual para o Fundo do Baile de Aniversário do Presidente.
Comemoração do 61º aniversário do presidente Roosevelt no Clipper.
Pouco antes do meio-dia o presidente sentou-se para um jantar especial de aniversário, onde foi servido caviar, aipo, azeitonas, peru, ervilhas e café, além de um grande bolo de aniversário, que o presidente cortou com óbvio deleite. Então todos – exceto o capitão Cone, que obedecia aos regulamentos da Pan American – fizeram um brinde com champanhe ao presidente. Depois disso, o Chefe do Executivo foi surpreendido com presentes. Entre eles um portfólio de gravuras raras de Trinidad, uma caixa de cigarro entalhada e outros. Tão exultante estava o capitão Cone com todos esses eventos, que todas as anotações do dia no diário do Dixie Clipper foram escritas a lápis vermelho sob o título “Aniversário do presidente”.
No meio da tarde, os dois Clippers começaram a longa descida em direção à costa da Flórida, onde amerissaram na Base de Dinner Key. Lá o presidente elogiou os membros de ambas as tripulações por seu desempenho e de Miami seguiu de trem para Washington. Embora os tripulantes nunca soubessem qual seria seu próximo destino até pouco antes da decolagem, eles cumpriram a indicação mais responsável que qualquer companhia aérea poderia receber, exatamente de acordo com as ordens.
Rotas da Pan American Airways.
E não havia dúvidas sobre o desempenho: os enormes hidroaviões percorreram mais de 20.000 quilômetros sem incidentes, durante 70 horas e 21 minutos em que estiveram no ar. Eles tocaram três continentes, cruzaram o Atlântico duas vezes e a linha do Equador quatro. A utilização dos Boeing 314 Clipper como aeronave principal nessa viagem presidencial se deveu por ser uma máquina que possuía uma estrutura excepcional, beleza, requinte, conforto, robustez, luxo e capacidade de voo. Apesar de terem sido construídos poucos exemplares e nenhum chegar inteiro até os nossos dias, marcou época e se tornou um clássico da aviação mundial.
Rara foto da Historic Images, do Ebay, mostrando o Taubaté danificado dia 22 de fevereiro de 1941. Foto provavelmente batida pelo hidroavião inglês que deu apoio ao navio brasileiro.
Rostand Medeiros – Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN
Já faz muito tempo que a terra potiguar é um lugar complicado para quem nasceu por aqui sem um sobrenome familiar nobre, com a coloração mais escura na pele e principalmente sem dinheiro no bolso. Por isso era bem normal, na época em que o transporte marítimo era mais utilizado, que muitos jovens das camadas mais humildes de nossa população se concentrassem no Cais da Tavares de Lira. Local importante de Natal, ali atracavam os antigos navios mistos de ageiros e cargas conhecidos como paquetes, principalmente das empresas Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro e Companhia de Navegação Nacional. Estes jovens então tentavam ganhar alguns trocados carregando malas, transportando mercadorias, ou servindo como os primeiros Guias de Turismo da capital potiguar. Além do mais, está no ponto de embarque e desembarque mais importante da nossa cidade, era onde poderia surgir o que para muitos era uma verdadeira oportunidade de ouro – Se tornar um trabalhador embarcado em uma das naves que aqui avam. Além de, obviamente conhecer o mundo, estes jovens tentavam conseguir novas opções longe desse belo lugar cheio de racismos e preconceitos.
Cais da Tavares de Lira, no bairro da Ribeira, em Natal. Uma provinciana capital do Nordeste do Brasil.
Mas para quem embarcava vindo de um porto nordestino, com poucos recursos e instrução quase zero, sobrava geralmente os locais mais sujos e escuros da embarcação, onde o trabalho principal era ser foguista. Como nessa época a maioria destes barcos não tinha motor a diesel, o foguista era aquele que colocava carvão nas caldeiras a vapor, para assim conseguir energia suficiente para o deslocamento do navio. Uma função importante, mas certamente uma das mais desprezadas.
Porto de Natal no início do Século XX.
Não sei se João Lins Filho foi um dos que ficavam no Cais da Tavares de Lira batalhando uma vaga em alguns destes barcos, mas sei que era potiguar e que ele era um dos 58 tripulantes listados a bordo do navio Taubaté, para uma viagem a portos na África e no perigosíssimo Mar Mediterrâneo de 1940![1]
Internamento
O Taubaté era uma nave velha, construída em 1905 pelo estaleiro alemão Bremer Vulkan AG, da cidade de Bremen. Recebeu inicialmente o nome de Franken, que batizou toda uma classe de nove navios cargueiros e esta nave pertenceu inicialmente a empresa de navegação Norddeutscher Lloyd. Estes navios percorriam principalmente as rotas entre a Alemanha e a Austrália, além da América do Sul.
O Hessen, navio cargueiro alemão da classe Franken, a mesma do Taubaté.
Tanto o Franken como seus navios irmãos eram equipados com um motor a vapor de 3.200 HP, que lhe proporcionavam a velocidade máxima de 11,5 nós (cerca de 21 quilômetros por hora), possuíam em média 130 metros de comprimento e 16 metros de largura, deslocando 5.055 toneladas.
Propaganda da Norddeutscher Lloyd no Brasil em 1911, mostrando que o Franken, futuro Taubaté, já frequentava o porto do Rio de Janeiro antes da eclosão da Primeira Guerra.
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial quase todos esses barcos foram capturados pelos Aliados, ou se internaram em portos neutros. O Franken, sob o comando do capitão H. Lindrob buscou o porto do Rio de Janeiro procedente da Austrália, transportando minério destinado ao porto de Antuérpia, Holanda[2]. Ele era um dos 49 navios espalhados em dez portos brasileiros, que aqui estavam em sistema de internamento[3].
Com a deterioração das relações diplomáticas entre o Brasil e a Alemanha os navios desta nação em nossos portos foram confiscados pelo nosso governo, sendo rebatizados e entregues a companhias de navegação nacionais. O Franken recebeu a denominação de Taubaté, e ficou sob a responsabilidade da empresa Lloyd Brasileiro. Logo estava navegando com uma carga de café para a Índia[4]. Desde 1917 este navio vinha ostentando a nossa bandeira verde e amarela e cumprindo o seu papel de transportar cargas pelos mares[5].
Navegando Para Onde Os Alemães Estão Combatendo!
No final do ano de 1940 o Taubaté era comandado pelo experiente capitão de longo curso Mario Fonseca Tinoco, um homem que possuía uma longa e respeitável carreira, mas talvez pelos seus posicionamentos políticos e um problema ocorrido quando estava no comando de um dos barcos do Lloyd Brasileiro, quase sempre foi designado para comandar navios velhos e pequenos.
Capitão de longo curso Mario Fonseca Tinoco.
Mesmo assim o capitão Tinoco sabia conduzir seus comandados e seus barcos de maneira correta. E ele precisava exercer bem sua função em 1940, pois naquele tumultuoso período inicial da Segunda Guerra Mundial, quem estava a bordo do Taubaté e de outros navios sem dúvida realizava um trabalho bem arriscado[6].
Outro navio irmão do Taubaté, o Westfalen – Fonte – engersinhistory.sa.gov.au
E em novembro daquele ano o velho navio foi contratado por uma empresa exportadora do Rio de Janeiro para levar uma carga de 3.000 toneladas de café, acondicionadas em 110.000 sacas, até a beligerante área do Mar Mediterrâneo[7]. Esta carga foi anteriormente carregada no porto de Santos e eles partiram do porto do Rio em 14 de novembro. Como medida de precaução/ foram pintadas duas grandes bandeiras brasileiras nos costados do Taubaté para identificar a nação a qual a nave pertencia[8].
Enquanto o navio brasileiro seguia sua viagem, os combates da Segunda Guerra cresciam em violência em várias partes do mundo.
Na Europa a Inglaterra ainda se defendia dos ataques dos aviões alemães na Batalha da Inglaterra e, apesar de sofrerem bombardeios em suas cidades principais, já haviam mostrado aos nazistas que pelo ar eles não conseguiram dobrar o Império e nem a intrépida RAF. No Extremo Oriente, antes do ataque a base naval americana de Pearl Harbor, os japoneses continuavam sua luta para aniquilar os chineses. Na Grécia os italianos sofriam para derrubar a resistência do exército grego e em dezembro de 1940 pediam ajuda aos alemães. No norte da África os italianos também viam sofrendo sistemáticas derrotas para os britânicos, principalmente após o início da Operação Com, que objetivava a recuperação do oeste do Egito aos italianos e a captura da Cirenaica, uma possessão italiana no norte da África, na atual Líbia.
Benito Mussolini e seu grande aliado.
Em janeiro de 1941 a ofensiva das forças Britânicas e da Commonwealth nesta região obteve muito sucesso e estes se aproximavam cada vez mais da cidade Líbia de Tobruk. É quando o ditador Benito Mussolini pede socorro a Adolf Hitler para salvar suas tropas e sua honra e o alemão concorda em fornecer ajuda. Mas antes mesmo que as tropas germânicas do chamado Afrika Korps ponham suas botas na África, comandados pelo competente general Erwin Rommel, a aviação militar alemã, a Luftwaffe, já está com suas asas sobre o Mar Mediterrâneo.
JU 88 da X. Fliegerkorps – Fonte – worldwarphotos.info
Entre janeiro e fevereiro de 1941 a Luftflotte 2, uma das principais divisões da Luftwaffe, sob o comando do marechal Albert Kesselring, recebe ordens para se deslocar a sua X. Fliegerkorps (X. Fl. Kps.) da gélida Noruega até a caliente Itália. Este era um formidável corpo aéreo com mais de 250 aviões de combate de vários modelos e divididos em doze unidades aéreas.
O encouraçado alemão KMS Gneisenau, sobrevoado por um Heinkel He 111.
Durante esses dois meses esse grande grupo de aviação vai utilizar as bases italianas de Catania, Comisso, Palermo, Trapani e Gela, todas localizadas na Sicília[9]. A ideia de Albert Kesselring de posicionar a X. Fliegerkorps nesta área era reprimir a interferência da Marinha Britânica, a Royal Navy, nas rotas de abastecimento marítimo para a Península Italiana e reduzir a capacidade estratégica da ilha de Malta como base militar.
E logo os aviadores alemães começam o seu “show” pelo Mediterrâneo![10]
O porta aviões inglês HMS Illustrious sob ataque da Luftwaffe em 10 de janeiro de 1941 – Fonte – http://ww2today.com
Em 10 de janeiro de 1941 o porta-aviões inglês HMS Illustrious, que se dirige para a ilha de Malta, é atacado por bombardeiros de mergulho alemães Junkers JU 87 Stukas vindos da base de Trapani e fica seriamente avariado[11]. No outro dia, no início da tarde, doze Stukas afundam o cruzador HMS Southampton[12]. Esses ataques deixam claro que a Luftwaffe tem o comando do ar sobre o Mediterrâneo. Eles também apontam para a verdadeira agonia que a ilha de Malta vai sofrer nos próximos meses e criar uma das páginas mais intensas da História da Segunda Guerra Mundial.
Certamente os tripulantes do Taubaté ouviam nos rádios valvulados de ondas curtas o noticiário em português da rádio britânica BBC e sabiam o que ocorria na região[13].
Dando A Volta Na África
Do jeito que a coisa estava Mar Mediterrâneo e desejando evitar problemas, o Lloyd Brasileiro ordenou ao capitão Mario Fonseca Tinoco que atravessasse o Atlântico Sul até o Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, contornasse esta perigosa área marítima e entrasse no Oceano Índico. Daí ele deveria acompanhar a costa leste africana até o Golfo de Áden, entre os atuais países do Iêmen e do Djibuti. Daí o Taubaté iria entrar no Mar Vermelho e seguir até o Canal de Suez, ultraá-lo para navegar pelo Mar Mediterrâneo e chegar a Port Said, no Egito, seu destino final. Realmente o foguista João Lins podia se um homem pobre e trabalhar em uma função muito humilde no Taubaté, mas certamente era um potiguar que conhecia muito mais do mundo do que a maioria dos seus conterrâneos daquela época.
O Taubaté.
Esta era uma Viagem longa, com muitas milhas marítimas a serem percorridas, mas o Lloyd estava colocando na mesma época não apenas o Taubaté, mas outros navios nessa mesma rota. Como foi o caso dos vapores Juazeiro e Atlântico, que saíram dias depois do Rio de Janeiro e seguiam a esteira do Taubaté.[14]
A viagem foi tranquila até o porto da cidade iemenita de Áden, dali o barco brasileiro foi escoltado por destróieres ingleses até o Canal de Suez. Essa prevenção tinha sentido, pois ali perto, na Etiópia e outras áreas da África Oriental, estavam se desenrolando sérios combates entre britânicos e italianos pela conquista desta região[15].
O Taubaté então atravessou o Canal de Suez sem problemas e chegou a Port Said.
Um Novo E Perigoso Contrato
Após descarregar todo o café e ficar com porões vazios a espera da próxima carga, mais de quarenta dias se am desde a chegada do Taubaté naquele porto. É quando surgem as empresas Société de d’Avances Commerciales, do Egito, e a Shalon Brothers, de Isaac Shalon, um judeu radicado na Turquia.
Port Said – Fonte – servatius.blogspot.com.br
Ambas as empresas fecham um acordo com o representante do Lloyd Brasileiro, que talvez fosse o próprio capitão Tinoco, para realizar um fretamento do porto egípcio de Alexandria até o porto de Boston, Estados Unidos. Mas antes disso o navio teria de pegar cargas em portos na ilha Chipre e mais cargas em Port Sudan, principal porto marítimo sudanês, às margens do Mar Vermelho. Na sequência haveria paradas nos portos de Buenos Aires, Montevideo, Santos, Rio de Janeiro, Nova York, Baltimore e finalmente Boston. O seguro da tripulação ficou a cargo dos contratantes estrangeiros.
Esse tipo de fretamento nada tinha de errado, o problema era percorrer a distância entre o Egito e o Chipre, uma ilha extremamente estratégica e colônia britânica no Mediterrâneo. Mesmo sendo apenas umas 200 milhas náuticas (380 quilômetros), quase nada em termos de distâncias marítimas, o que ocorria a volta de Chipre na época é que era o problema.
Outra imagem do navio Schleswig, irmão gêmeo do Taubaté.
Acredito que, além de possíveis vantagens comerciais, o tempo de inatividade no Egito em meio a notícias dos combates cada vez mais intensos entre os britânicos e o Afrika Korps no vizinho deserto da Líbia, tenha feito com que o representante do Lloyd Brasileiro decidisse fechar o acordo com os contratantes da Société de d’Avances Commerciales e da Shalon Brothers. Mesmo com o risco, o Taubaté partiu para o Chipre. No futuro o Lloyd Brasileiro vai responder na justiça por liberar seu barco para percorrer esse trajeto[16].
Porto de Limassol, Chipre, em 1941.
O navio brasileiro partiu e, segundo os jornais de época, esteve nos portos cipriotas de Limassol, Lanarca e finalmente Famagusta. Após o recolhimento de cargas, o Taubaté está de partida da ilha de Chipre para o Egito na manhã do dia 22 de fevereiro de 1941.
De Famagusta o conferente de cargas José Francisco Fraga, de 28 anos, que morava na Rua Souza Valente, n° 7, São Cristóvão, Rio de Janeiro, escreveu uma carta para sua família onde comentou que eles não “esperassem notícias dele nem tão cedo”[17].
Ele não tinha ideia de quanto tragicamente estava certo!
John Weal é um autor especializado na história da Luftwaffe, com mais de 30 livros publicados sobre o tema e na sua obra afirma que estas aeronaves realizaram ataques aéreos a ilha de Malta, apoio as tropas do Afrika Korps que lutavam contra os britânicos, ataques a Benghazi e Tobruk na atual Líbia, ataques contra alvos no Egito, além de patrulhas marítimas e ataques a navios que seguiam em todo Mediterrâneo em comboios, ou solitários.
Isso é referente especificamente as missões dos JU 88 A 4. Fora estes aviões ainda estavam na região os formidáveis bombardeiros HE 111 H 3, os bombardeiros de mergulho Ju 87 R 1 Stukas, os caças bombardeiros BF 110 D 3 e outros mais. A Luftwaffe verdadeiramente malhava em ferro quente todo o Mar Mediterrâneo e o Norte da África[18].
Em 21 de fevereiro a Luftwaffe atacou o comboio AS.21, que seguia escoltado por três destróieres do porto de Piraeus, na Grécia, para Alexandria, Egito. Tudo começou com três JU 88 A 4 que caíram em cima dos treze navios do comboio quando estes navegavam no canal da ilha Citera, ao largo da extremidade sul da região do Peloponeso, a parte meridional da porção continental da Grécia. Os JU 88 atingiram o petroleiro dinamarquês, mas trabalhando para os ingleses, Marie Maersk, de 8.271 toneladas. Este foi rebocado para o porto de Piraeus bastante danificado, com seis tripulantes mortos, oito desaparecidos e quatro que foram capturados.
Uma bela foto de um HE 111 do II. / KG 26, ainda em 1939 – Fonte -www.worldwarphotos.info
Após o amanhecer do dia 22 de março, quinze aeronaves alemãs novamente atacaram o comboio AS.21, desta vez a 22 milhas náuticas (35 quilômetros) ao sul da ilha de Gavdos, um pequeno promontório considerado um dos pontos mais extremos da Europa, a poucas milhas ao sul da ilha de Creta. Desta vez foi uma ação conjunta de bombardeiros Ju 88 A 4 e HE 111 H 3 que lançaram várias bombas e afundaram o mercante grego Embiricos Nicolaos (3.798 ton.) e o petroleiro norueguês Solheim (8.070 ton.)[19].
Enquanto tudo isso ocorria, a quase 500 milhas náuticas de distância a leste dali (cerca de 930 quilômetros), por volta das cinco da manhã desse intenso dia 22 de março, o Taubaté deixava a ilha de Chipre[20].
Die Walküre
Sem maiores dados é impossível apontar se foi um Ju 88 A 4 ou um HE 111 H 3 alemão que atacou o navio brasileiro, bem como não sabemos de onde ele partiu e nem de qual esquadrilha fazia parte. Entretanto eu acredito que a ação ocorrida no começo da manhã contra o comboio AS.21, ao sul da ilha de Gavdos, pode ter feito com que outros bombardeiros nazistas continuassem a buscar o comboio para um novo ataque. Como os navios do AS.21 tentavam chegar a Alexandria, o mesmo destino do Taubaté, não é difícil supor que alguma destas aeronaves alcançou à área ao sul de Chipre e houve o encontro com o navio brasileiro[21].
Representação artística de um JU 88 atacando um cargueiro. No caso do ataque ao navio brasileiro, sendo o atacante um avião deste modelo, essa bem poderia ser uma imagem próxima dos fatos.
Conjecturas a parte todas as informações apontam que por volta do meio dia, com o sol a pino, quando o navio estava a cerca de 100 milhas náuticas de Lanarca, surgiu um avião bimotor voando lento, baixo e ostentando a inconfundível suástica nazista na cauda, além de cruzes gamadas nas laterais e nas asas. Esses aviadores teutônicos não chegaram ao som do Ato terceiro da ópera Die Walküre, de Richard Wagner, mas ao som de potentes motores Jumo[22].
Representação artística de um bombardeiro HE 111 atacando navio mercante. Imagem meramente ilustrativa.
A aeronave ou sobre o Taubaté e começou a realizar voltas. A tripulação ficou surpresa, mas tranquila, pois nos costados a bandeira brasileira estava nitidamente pintada e o Brasil ainda mantinha relações diplomáticas com a Alemanha Nazista. Entretanto, logo depois de dar algumas voltas o avião alemão começou a virar diretamente para o navio e veio em alta velocidade, foi quando a primeira de seis (algumas fontes apontam quatro) bombas foi lançada e uma coluna de água emergiu do Mediterrâneo. Imediatamente após o lançamento da primeira bomba começou as rajadas de metralhadoras do tipo MG[23].
Metralhadora MG de um bombardeiro alemão em ação.
O capitão Mario Fonseca Tinoco contou que em um primeiro momento houve pânico a bordo. Certamente nessa hora o pessoal que não estava no convés, talvez por medo de alguma bomba atingir o casco e a nave afundar rapidamente, veio para fora da nave. Pode ser que nesse momento o potiguar João Lins tenha visto o avião atacante.
Os oficiais e os marujos mais experientes então transmitiram ordens e informações que conseguiram colocar a situação sob algum controle. O capitão Tinoco contou a um jornal de Recife que após a primeira bomba cair a sua ideia foi manter o curso do barco firme, permanecendo na mesma direção, sempre em frente. Não sei se essa era a melhor tática contra esse tipo de ataque, mas no caso do Taubaté deu certo[24].
Imagem ilustrativa de um a bombardeiro alemão atacando um navio mercante com bombas.
O capitão tentou enviar toda sorte de sinais para o avião, mas a resposta eram mais disparos[25]. O avião nazista voltou e uma das bombas caiu muito perto do navio brasileiro, estremecendo tudo a bordo, varando o casco da embarcação com estilhaços, ferindo tripulantes e danificando o leme, que ficou inoperante. Os telegrafistas Américo Rodrigues da Silva, Josias Correia de Castro e Raimundo Evangelista Monteiro enviaram mensagens telegráficas sobre o ataque, mas seu posto de trabalho recebeu vários disparos e um deles foi ferido.
Metralhador de bombardeiro alemão enquadrando um navio mercante com a sua MG. Imagem Meramente ilustrativa.
O capitão Tinoco mandou que içassem uma bandeira branca, mas nada disso demoveu os alemães do seu ataque. Ele também afirmou ao Diário de Notícias do Rio que algumas bombas eram pintadas de preto e uma de vermelho. Tripulantes comentaram que o avião ava muito baixo, “rente as antenas telegráficas” e chamou atenção dos brasileiros a insistência dos alemães em atirar com suas metralhadoras contra o navio e sua tripulação. Certamente aqueles aviadores queriam pintar na cauda de sua aeronave a silhueta do Taubaté, indicando seu afundamento.
Morto Agarrado à Bandeira do Brasil
Conforme o avião despejava bombas e balas, membros da tripulação eram feridos. O 2° cozinheiro Teodoro da Silva Ramos, morador da Rua Faria Braga, 34 A, morro de São Roque, São Cristóvão, Rio de Janeiro, levou vários estilhaços nas costas, ocasionando feridas que deixariam grandes cicatrizes. Outro ferido com gravidade foi Henrique Leandro da Silva, colega do potiguar João Lins Filho, que ficou com uma fratura no crânio. O maquinista Aníbal Landelino Borges levou tal quantidade de ferimentos, com alta gravidade, que ninguém a bordo acreditava na sua sobrevivência. Foi o valoroso trabalho do enfermeiro Emiliano Priamo da Silva que salvou sua vida e de mais outros doze feridos[26].
Cargueiro debaixo de bombas.
Existe uma notícia coletada após o ataque, já em Alexandria, e transmitida inclusive por agências internacionais, que chamou muito a atenção do povo brasileiro – Um grupo de quatro tripulantes subiu em dos pontos mais altos do Taubaté levando uma grande bandeira do Brasil. Nesse local, em um intervalo dos disparos, cada um dos quatro homens segurou em uma das pontas do nosso pavilhão nacional para que pudesse ser visto e reconhecido pelo avião atacante. Mas se alguém no avião viu a bandeira verde e amarela foi para melhor fazer mira, pois o conferente José Francisco Fraga foi atravessado por vários tiros e morreu praticamente na hora. Dois dos seus colegas também ficaram feridos nesse momento.
O carioca Fraga foi o primeiro brasileiro a perecer em decorrência de ação inimiga direta durante a Segunda Guerra Mundial[27].
Sem o leme o Taubaté então parou, o que o deixou completamente pronto para ser afundado. Neste ponto as narrativas são conflitantes, mas, ou por que a carga de bombas do avião havia encerrado, ou por imperícia dos aviadores em acertar o Taubaté, ele não foi atingido.
Os aviadores nazistas até que tentaram, mas o Taubaté não foi fazer parte do desenho da cauda deste JU 88 baseado na Itália em 1941.
Mesmo assim o capitão deu ordens de abandonar o navio, mas os tripulantes do bombardeiro continuaram disparando suas M.G., frustrando as tentativas de fuga dos marinheiros e também atingindo, ou “picotando”, os barcos salva vidas. Foi neste momento que o foguista João Pereira da Silva, que segurava uma das cordas utilizadas para arriar uma das baleeiras do navio recebeu uma saraivada de estilhaços, caiu sobre o convés e desmaiou[28].
Nesta foto de jornal vemos na extrema esquerda o conferente Fraga e o cachorro Taubaté, mascote do navio brasileiro.
A mastreação, a chaminé, o casco, tombadilho, ponte de comando, o camarote do capitão, a sala de radiotelegrafia ficaram crivados de disparos. As metralhadoras do avião varreram o convés de popa a proa. O mascote de bordo, um cachorro chamado Taubaté, foi ferido duas vezes, mas sobreviveu[29].
HE 111 atacando nave mercante – Fonte – warfarehistorynetwork.com
O imediato Armando Viana comentou ao Diário de Pernambuco que o ataque só parou quando surgiu outro avião no horizonte. Alguns tripulantes ficaram assustados com o novo “visitante”, mas o bombardeiro nazista desapareceu “como por encanto”, pois a nova aeronave era inglesa. Para o imediato era um “Spitfire”, mas documentos oficiais do Almirantado, que aqui reproduzo abaixo, apontam que a aeronave salvadora era um hidroavião.
Os informes que li afirmam que o ataque do avião alemão durou, dependendo da fonte, de 60 a 90 minutos[30].
Notícias no Brasil
O Taubaté consegue chegar a Alexandria, onde está atracado o vapor Juazeiro, que dá todo apoio ao pessoal do navio atacado, bem como as autoridades consulares brasileiras do Cairo, as autoridades britânicas e egípcias. Em meio a muito buraco de bala, pedaços de estilhaços e sangue, os tripulantes são removidos para o hospital.
O conferente José Francisco Fraga é enterrado em cerimônia simples, mas carregada de muita emoção, no Cemitério Cristão de Alexandria. Ele morreu um dia antes de completar 29 anos e deixou no Rio a noiva Geraldina Gonçalves com o enxoval pronto para o casamento que iria se realizar no seu retorno. Mas o sonho foi desfeito.
Pelos próximos dias do ditador Getúlio Vargas e seus Ministros, juntamente com o Lloyd Brasileiro, prometem apoio às famílias e especialmente atender o pedido de Dona Isabel Maria Fraga – O de trazer o cadáver do conferente Fraga para ser enterrado no Rio[31]. Outra situação envolvendo a Senhora Isabel foi que ela declarou a imprensa que não dormiu direito na noite do dia 22 de março e sonhou com seu filho vestindo seu imaculado uniforme branco da Marinha Mercante, mas este estava manchado de sangue[32].
No Brasil a notícia do ataque ao Taubaté causa surpresa e indignação, mas não ao ponto de gerar protestos públicos. O tema é notícia de primeira página em todos os jornais do país. Mas estranhamente em Natal, capital do Estado onde o foguista João Lins Filho é natural, os dois principais jornais locais, A República e A Ordem, pouco comentou sobre o ataque em si e apenas lançaram pequenas notas sobre a situação do conterrâneo. Mas temos a informação que seus familiares foram até a Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS, na Ribeira, onde procuraram o Diretor José Gomes da Costa em busca de notícias junto ao Lloyd Brasileiro sobre o tripulante potiguar do Taubaté, que felizmente eram positivas.
O Itamaraty emite uma nota de protesto para a Alemanha Nazista, cuja chancelaria respondeu cerca de oito dias depois informando que iria apurar o caso e punir quem tivesse cometido erros. Mas ficou só nisso[33].
Lento e Complicado Retorno
O navio atacado e sua tripulação permaneceram 47 dias no Egito, onde foram feitos reparos e os tripulantes feridos gradualmente se recuperavam. Foi classificado de verdadeiro milagre ter havido um único falecimento devido ao ataque aéreo. No dia 25 de março o foguista João Pereira da Silva é operado por hábeis médicos e enfermeiras ingleses do B.M.H. Alexandria(British Military Hospital Alexandria). Estes profissionais retiram do seu corpo quatro estilhaços de projetis de metralhadora da região frontal e dois estilhaços do braço. O foguista perdeu todos os dentes de sua arcada superior[34].
Durante este período a tripulação do Taubaté testemunhou alguns ataques aéreos germânicos, tanto de dia quanto a noite, bem como a ação defensiva britânica com o uso de canhões antiaéreos. Felizmente o navio não foi atingido[35].
Porto de Alexandria, Egito.
Finalmente chegou o dia de partir. O navio estava extremamente carregado de algodão egípcio, couros, lã, goma arábica e outras cargas menores. Seguiu em direção sul, bordejando a costa leste africana, refazendo em sentido contrário seu caminho anterior. Houve escalas em Port Sudan, Áden e Lourenço Marques, capital do então o território da África Oriental Portuguesa (atual Maputo, capital de Moçambique).
Nesta cidade as autoridades coloniais portuguesas realizaram uma recepção tão acolhedora que o capitão Tinoco considerou como uma verdadeira “homenagem”. Provavelmente foi neste porto que o comandante percebeu que a sua tripulação precisava de um descanso. Eles estavam longe de casa há vários meses e tendo ado por problemas complicados, vendo alguns companheiros feridos e um morto, em meio a uma situação inusitada. O capitão decidiu então refazer o roteiro e seguir para Recife. Ali seria feita a troca da tripulação, antes de ir para os Estados Unidos.
Mas antes houve uma parada no porto de East London, uma cidade localizada na costa sudeste da África do Sul. Parada rápida, mas ao voltar ao alto mar em direção ao Brasil o Taubaté foi atingido por uma violenta tempestade, que no pensamento do imediato Armando Viana “Só não foi ao fundo porque estava bem carregado”. Mas essa tempestade marcou a tripulação já atingida, pois um dos seus membros foi simplesmente levado do convés pela força das águas e desapareceu.
O Taubaté segue então para a capital pernambucana atravessando o Oceano Atlântico com suas combalidas máquinas, conseguindo ridículos quatro nós de velocidade. Leva mais de um mês para conseguir esse feito.
Ao entrar no porto, as cinco da tarde do dia 13 de agosto de 1941, a situação do navio era de tal penúria, que somente com o apoio do rebocador 4 de outubro é que ele entra no porto.
Porto do Recife
Uma verdadeira multidão de pernambucanos vai ao cais do porto testemunhar a chegada do Taubaté, que ancora no Armazém 5, onde as autoridades portuárias, a imprensa e até mesmo alguns parentes do pernambucano Teodoro da Silva Ramos esperavam ansiosos para visitar o 2° cozinheiro ferido. Chama atenção de todos os furos dos projetis e estilhaços em vários locais do barco. Quando desembarcam um dos tripulantes mostra a imprensa uma caixa cheia de estilhaços que atingiu o barco Taubaté[36].
Finalizando
Após os reparos o Taubaté retornou as atividades de navegação comercial em meio a Segunda Guerra Mundial. Documentos apontam que esse navio participou de vários comboios entre o Brasil e a ilha de Trinidad, ou de Nova York para Guantánamo, Cuba, e de lá para a zona do Canal do Panamá. Em agosto de 1944, conforme podemos ver neste documento da US Navy, o Taubaté inclusive comandou um destes comboios.
Mas em um sábado, 3 de julho de 1954, o velho navio com mais de cinquenta anos de mar encalhou na ponta do molhe do porto de Recife e ali encerrou a sua trajetória[37].
Provavelmente após a volta do Taubaté Dona Isabel Fraga, a mãe do falecido tripulante, soube dos detalhes do ocorrido e não se conformou. Certamente açodada pelo não cumprimento da promessa do retorno do corpo de seu filho de Alexandria para o Rio, ela abriu um processo contra o Lloyd Brasileiro perante a vara dos feitos da fazenda do Rio de Janeiro. Representada pelo advogado Alberto de Oliveira, a querelante reclamava do contrato firmado pelo Lloyd para ir ao Chipre, em meio a um conflito bélico e a revelia da tripulação. Ela pedia uma indenização de 100 contos de réis.
Mas parece que a opinião pública não compreendeu muito bem a busca de Dona Isabel por uma indenização. Ainda mais em uma época onde o que não faltava no Brasil eram famílias chorando o desaparecimento de seus entes queridos, em meio a dezenas de afundamentos de navios nacionais provocados por submarinos do Eixo. Dois anos depois mais de 25.000 homens seguiriam para a Itália com a missão de combater diretamente os nazistas e o caso de Dona Isabel cairia no esquecimento. Não descobri os desdobramentos do seu processo[38].
Foto de jornal da tripulação do Taubaté.
Outro que sofreu no corpo foi o foguista João Pereira da Silva, que dois anos depois ainda sofria de terríveis dores físicas por causa de vários estilhaços no seu corpo. Em março de 1942 ele se encontrava internado no Hospital Gaffrée e Guinle, no Rio de Janeiro, para mais uma operação de retirada de estilhaços. Este era a décima “lembrança” daquele dia a ser retirado, desta vez na região temporal direita e ele seria operado pelo médico Armando Amaral. O foguista João Pereira da Silva se encontrava internado neste hospital através de ações do Instituto dos Marítimos, entidade que defendia sua classe. Mas Pereira estava sem receber um centavo de fonte alguma[39].
Nada mais encontrei sobre o discreto potiguar João Lins Filho, que aparentemente nunca se interessou de contar esse episódio fora de seu círculo mais próximo de parentes e amigos, sobre o seu destino. Talvez, como aconteceu com muitos potiguares humildes que conheciam outras terras naquele tempo, decidiu deixar para trás o Rio Grande do Norte.
Última questão – É possível que João Lins Filho não tenha sido o primeiro potiguar a testemunhar os horrores da Segunda Guerra Mundial?
Sim, é possível.
Mas até que alguém prove o contrário, pelo menos em termos documentais, ele foi dos nossos conterrâneos o que primeiro viu algo que nunca deveria ter acontecido.
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NOTAS
[1] A família Lins era muito numerosa na área do Engenho Cajupiranga, cujo dono na década de 1920 era o fazendeiro Virgílio Lins, senhor de largas faixas de terras e essas áreas são hoje parte da cidade potiguar de Parnamirim. Sei também que os Lins se espalharam pela região litorânea, na área da antiga cidade de Papary, hoje Nísia Floresta, e na área das praias de Pirangi e Tabatinga.
[2] Ver jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, edição de quarta-feira, 7 de junho de 1917, pág. 3 e o jornal O Imparcial, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta-feira, 9 de agosto de 1917, pág. 6.
[3] Ver Relatório do Ministério da Marinha, Abril de 1916, Imprensa Naval, Rio de Janeiro, pág. 135
[4] Algumas fontes apontam que o Taubaté só teria sido adquirido pelo Lloyd Brasileiro em 1925. Mas os jornais de época apontam a versão que desde o seu confisco ele já ou para a responsabilidade desta empresa
[5] Ver jornal O Imparcial, Rio de Janeiro-RJ, edição de domingo, 7 de outubro de 1917, pág. 6.
[6] Mario Fonseca Tinoco foi imediato no vapor Acary durante a Primeira Guerra Mundial, quando este navio foi torpedeado em 3 de novembro de 1917 pelo submarino alemão U-151, próximo ao arquipélago de Cabo Verde, África. Logo foi promovido a comandante de navios, mas em 1932 Fonseca se aliou aos paulistas na Revolução Constitucionalista e foi por isso foi exilado em Portugal. Já em 1936 a situação dele ficou complicada no Lloyd Brasileiro, pois estava no comando do navio Una quando este afundou na costa catarinense em 26 de outubro de 1936. Sobre o afundamento do Acary, ver jornal A Razão, Rio de Janeiro-RJ, edição de domingo, 4 de dezembro de 1917, pág.1. Sobre a participação do capitão de longo curso Mario Fonseca Tinoco na Revolução Constitucionalista ver https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/108009/ISSN1808-1967-2007-3-1-108-123.pdf?sequence=1 Em relação ao afundamento do Una ver jornal A Razão, Rio de Janeiro-RJ, edição de terça feira, 27 de outubro de 1936, pág.5.
[7] Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 27 de março de 1941, pág. 4.
[8] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 27 de março de 1941, pág. 1.
[9] As unidades, as bases e os aviões da X Fliegerkorps na Itália entre janeiro e fevereiro de 1941 foram os seguintes –
[13] As fontes aqui pesquisadas informam que o Taubaté possuía como sistema de comunicação apenas o posto telegráfico para emitir sinais em código Morse. Mas encontrei a informação que eles possuíam rádios de ondas curtas e certamente captavam o serviço em português da BBC, o principal meio que os brasileiros do início da década de 1940 utilizavam para conseguir notícias internacionais.
[14] . Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sábado, 5 de abril de 1941, pág. 1.
[16] Toda a questão do trajeto deste navio, a questão do fretamento e outras considerações estão incluídas no processo aberto pela mãe de José Francisco Fraga, a Senhora Isabel Maria Fraga, que processou judicialmente o Lloyd Brasileiro em 1942 pela morte do seu filho. Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 13 de fevereiro de 1942, pág. 1.
[17] Ver Diário Carioca, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 4 de abril de 1941, pág. 1.
[18] John Weal é escritor, artista gráfico, autor prolífico e bem estabelecido sobre assuntos ligados a aviação militar alemã na Segunda Guerra Mundial. Possui uma das maiores coleções privadas de literatura original de língua alemã sobre este conflito e sua pesquisa sobre a Luftwaffe está firmemente baseada neste enorme arquivo. Ele mora na histórica vila de Cookham, Berkshire, a oeste de Londres, Inglaterra.
[20] O Chipre era na Segunda Guerra um local extremamente estratégico como importante base de fornecimento de materiais e treinamento, além de possuir uma estação naval.
[21] No processo aberto pela Senhora Isabel Maria Fraga contra o Lloyd Brasileiro em 1942, existe a ideia que a saída do Taubaté de Chipre tenha sido comunicada por espião nazista a Luftwaffe, que então enviou um avião para o ataque. Apesar de plausível, essa versão carece de maiores dados para sua corroboração. Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 13 de fevereiro de 1942, pág. 1.
[22] Segundo dados existentes, deferentes versões deste tipo de motor equipavam tanto o JU 88 A 4 como o HE 111 H 3 da LuftWaffe, então em ação naqueles dois primeiros meses de 1941 no mar Mediterrâneo e no Norte da África.
[23] As várias voltas do bombardeiro talvez possam indicar que a tripulação da aeronave viu a pintura da bandeira brasileira, sabidamente um país neutro. Mas era inegável para eles que a proa do navio apontava em direção ao Egito, local onde se encontravam seus inimigos. Aí fica mais fácil, embora sem justificativa, entender a razão do ataque pelos aviadores alemães.
[24] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de terça feira, 26 de agosto de 1941, pág. 5.
[25] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sábado, 5 de abril de 1941, pág. 1.
[26] O 2° cozinheiro Teodoro da Silva Ramos, também é apresentado por alguns jornais como Teodósio da Silva Ramos. Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 14 de agosto de 1941, pág. 5.
[27] Confesso que pensei não ser real a notícia envolvendo a morte do conferente Fraga segurando a nossa bandeira. Imaginei que poderia ser o tipo de notícia ufanista, típica da propaganda do governo Vargas. Uma “patriotada” como se diz hoje em dia. Mas tudo indica que a história é verídica, segundo notícias vinculadas na época pela própria BBC. Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 27 de março de 1941, pág. 4 e o jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, edição de sábado, 5 de abril de 1941, págs. 1, 2 e 3.
[28] Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 17 de março de 1942, pág. 2.
[29] Ver Diário da Noite, Rio de janeiro-RJ, edição de sexta-feira, 4 de abril de 1941, págs. 1 e 2. Os jornais cariocas basicamente reproduziram uma reportagem feita pelo jornal A Tarde, de Salvador, que deu o furo com as informações transmitidas pelo jornalista Larry Alena, da Associated Press, que realizou uma visita ao Taubaté em Alexandria após a sua chegada.
[30] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 27 de março de 1941, pág. 1.
[31] Mas essa situação só vai acontecer depois da deposição de Getulio Vargas. Somente em agosto de 1946, durante o governo de Gaspar Dutra, o navio “Camboinhas” chega ao Rio com os despojos de José Francisco Fraga.
[32] Ver Diário Carioca, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 4 de abril de 1941, pág. 3.
[33] Ver jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 3 de abril de 1941, pág. 1 e a edição de sábado, 12 de abril de 1941, pág. 3.
[34] Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 17 de março de 1942, pág. 2.
[35] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 14 de agosto de 1941, pág. 5.
[36] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 14 de agosto de 1941, pág. 5.
[37] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 8 de julho de 1954, pág. 3.
[38] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 13 de fevereiro de 1942, pág. 1.
[39] Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 17 de março de 1942, pág. 2.
Reportagem de uma revista australiana sobre Parnamirim Field
A VISÃO DA IMPRENSA ESTRANGEIRA SOBRE A GRANDE BASE AÉREA EM SOLO POTIGUAR
Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Em termos de politica internacional, dificilmente alguém contestará que, o mais importante acontecimento, nesta área, ocorrido no Rio Grande do Norte, em todo o século XX, talvez em toda a sua história, tenha sido o encontro entre os presidentes dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, e do Brasil, Getúlio Dorneles Vargas, em 28 de janeiro de 1943, a bordo do navio de guerra americano USS Humboldt, ancorado no estuário do Rio Potengi.
Parnamirim Field
A partir deste histórico acontecimento, a imprensa norte americana ou a dar uma maior visibilidade sobre a participação prática e efetiva do Brasil na guerra e a apresentar ao público americano como ajudávamos o esforço de guerra Aliado. Um dos focos da atenção dos jornalistas foi a importância da Natal Air Base, também conhecida pelos aviadores americanos como Parnamirim Field, então considerada uma das maiores bases aéreas construídas fora dos Estados Unidos e uma das principais encruzilhada das rotas aéreas no mundo.
A United Press em Parnamirim Field
Um dos primeiros jornalistas a transmitir estas informações ao público norte americano foi James Alan Coogan, natural de Milwaukie, Oregon. Ele era o chefe do escritório da respeitada agência de notícias United Press para a América do Sul.
No início de 1943 os Aliados já tinham começado a virar favoravelmente o jogo da guerra e forças alemãs, italianas e japonesas estavam sofrendo derrotas em inúmeras frentes de combate ao redor do mundo. Coogan iniciou uma série de reportagens enaltecendo que foi a partir de Parnamirim Field que surgiu a “energia aérea” que estava ajudando a derrotar as forças alemãs e italianas no Norte da África. Daquela base aérea, decolavam, dia e noite, milhares de aviões de transporte com homens e materiais que ampliavam o poderio Aliado naquela parte do mundo.
Mesmo informando que era um segredo militar, o número de aviões que decolavam com um pequeno intervalo de tempo das pistas de Parnamirim, para Coogan era impressionante a quantidade de “Fortalezas Voadoras”, “Liberators”, “Mauraders” e outros modelos, que chegavam e partiam initerruptamente, durante as 24 horas do dia, sete dias por semana.
Os Acorrentados
Coogan observou que a base tinha um forte esquema de proteção e se encontrava cercada de trincheiras ocupadas por brasileiros e americanos, atentos a alguma ação do inimigo. Somente depois de novembro de 1942, após ações Aliadas na África que inviabilizaram um possível ataque inimigo ao Nordeste do Brasil, ocorreu um grande alívio para os defensores da grande base de Parnamirim. Estas ações foram principalmente o desembarque americano no Norte da África (Operação Torch) e a posse da cidade de Dakar, na época capital colonial da África Ocidental sa.
Posição geográfica de natal em reportagem estrangeira
O moral das tropas era elevado e havia muito trabalho sendo feito, o que deixava os homens sem tempo para pensarem em diversões comuns aos grandes centros.
Para o jornalista da United Press, as tripulações dos aviões americanos cada vez mais ampliavam sua capacidade operativa e suas habilidades, ao realizarem vários voos entre os Estados Unidos e as frentes de combate, sempre utilizando Parnamirim Field como ponto obrigatório.
O jornalista percebeu que, mesmo sem estarem diretamente expostos ao combate, os corpos e as mentes dos homens da Divisão de Transportes eram muito cobrados.
Portão em Parnamirim Field, guarnecido por brasileiros e americanos
Eles voavam constantemente no traslado de novos aviões, transportando homens e materiais de combate para as várias áreas do conflito. Coogan comentou que os pilotos de transporte na base aérea se autodenominavam “Os Acorrentados”, por viverem presos aos cintos dos assentos de suas aeronaves.
O Comandante Americano e Parnamirim
Nesta época não existia uma força aérea dos Estados Unidos independente, sendo esta força uma parte do exército deles. Por esta razão, o comandante em chefe das forças do exército americano no Atlântico Sul era o General Robert. L. Walsh.
Com 48 anos de idade, Walsh havia sido brevetado como piloto em 1918, pertencendo desde então ao quadro de aviadores do exército americano e havia assumido a função no Brasil em 20 de novembro de 1942. Vindo do setor de inteligência, era considerado pelo jornalista Coogan como o “mais modesto general americano”.
C-47, o “Burro de carga” da aviação Aliada. Muitos destes aram por Natal
Em uma entrevista concedida no Quartel General da Divisão de Transportes em Parnamirim Field, junto com a sua oficialidade, em meio ao constate barulho de pousos e decolagens de aeronaves multimotores, o reservado general tinha consciência da importância do trabalho dos seus homens e daquela grande base aérea, tida pelo Alto Comando Aliado como vital. Comentou que apesar de algumas improvisações iniciais, do limitado tempo para o lazer dos seus homens naquele inicio de 1943, a missão a eles ada estava sendo cumprida a contento.
Tanto o general como seus oficiais transmitiram a Coogan que as bases aéreas norte-americanas no Brasil eram de grande auxilio para o combate das forças nazifascistas, igualmente era notável a contribuição dos operários e técnicos brasileiros para a construção das bases aéreas, especialmente Parnamirim Field, a maior e mais movimentada.
O interessante na entrevista com o General Walsh foi ele enaltecer primeiramente os operários e técnicos civis brasileiros, com bastante ênfase por sinal, e só depois comentar favoravelmente a colaboração de nossas autoridades.
Disciplina Folgada
Em uma das agens de sua extensa reportagem, que no Brasil foi publicada em quatro edições em jornais cariocas, Coogan comentou que a quantidade e o volume de tarefas em Parnamirim Field era tal, que a disciplina militar era mais “democrática”. Para o jornalista americano havia em Parnamirim Field uma “disciplina folgada”.
Os praças americanos em Parnamirim tratavam seus oficiais por “Senhor”, mas não ficavam a toda hora batendo os calcanhares, nem realizando continências simetricamente perfeitas. Se, por exemplo, os militares americanos de patente inferior estavam descanso em baixo da asa de algum avião, eles não se levantam rapidamente e prestavam continência a agem de qualquer tenentinho.
Na verdade, o jornalista da United Press, que morava há algum tempo no Rio de Janeiro e certamente conhecia os hábitos castrenses brasileiros, ao transmitir esta questão, mostrava uma das grandes diferenças que existia entre os nossos militares e os militares dos Estados Unidos. Enquanto os nossos oficiais, muitas vezes, se preocupavam mais com o tamanho de um corte de cabelo, a posição de uma mão na hora da continência, ou quão lustrada uma bota estava, para os americanos, valia mais a questão da operacionalidade do elemento e o cumprimento das missões, do que a rigidez de certos procedimentos de saudação militar.
Em contrapartida, os militares americanos daquela época nunca conseguiram compreender como a oficialidade brasileira aceitava tranquilamente conviver com negros em suas tropas.
Repouso e Diversão
Havia alojamentos, locais de alimentação e recreação distintos para praças e oficiais, mas não era incomum que em uma mesma mesa se alimentassem, ou realizassem um jogo de cartas, coronéis e majores, junto com capitães e tenentes. Os oficiais de maior graduação tinham seus alojamentos individuais, oficiais não tão graduados formavam duplas e dividiam um alojamento.
Já os praças, ao menos nesta época, se alojavam em grandes tendas montadas em sólidos alicerces de concreto, com pisos de ripas de madeira. Normalmente ficavam em número de quatro pessoas por barraca. O correspondente da United Press ocupou solitariamente a barraca de número 64. Apesar da força inclemente do sol nordestino, a tropa americana considerava o clima agradável pela ação dos ventos e as noites eram tranquilas e agradáveis.
As maiores diversões dos americanos dentro de Parnamirim Field eram escutar as emissoras estadunidenses em rádios valvulados de ondas curtas, jogos de cartas e calorosas partidas de beisebol. Este esporte tão estranho aos brasileiros na época envolvia as tropas do corpo aéreo do exército e da marinha americana, que tinham uma área dentro da base, junto com um setor exclusivo da Força Aérea Brasileira.
Uma interessante compensação para os militares americanos em Parnamirim Field, em comparação àqueles que estavam servindo na cosmopolita e animada cidade do Rio de Janeiro, ou outra localidade brasileira bem mais confortável, era que os jornais americanos chegavam com no máximo um ou dois dias após sua publicação.
Um Repórter Australiano em Parnamirim Field
Mas não eram apenas os jornalistas americanos que transmitiam para seus leitores impressões sobre Parnamirim Field.
Quase um ano após a publicação das reportagens de James Alan Coogan, esteve em Natal o jornalista australiano J. A. Marris, da revista Western Mail, da cidade de Perth,a capital e maior cidade do estado australiano da Austrália Ocidental.
Sua reportagem, intitulada “Skayway Base”, foi divulgada na edição de quinta feira, dia 20 de janeiro de 1944 desta revista, com amplo destaque na coluna “This Week”. Merris utilizou no texto uma linguagem bem clara, onde detalhou a importância estratégica de Parnamirim Field e um dia do seu intenso movimento aéreo.
O australiano informou que nesta época na grande base aérea já não havia tendas e nem trincheiras contra um ataque aéreo. Mas se por um lado o medo de um ataque já não existia, o movimento aéreo era intenso. Na sua opinião, nas pistas de asfalto de Parnamirim Field “avam os grandes heróis anônimos do transporte aéreo moderno”.
Vital para a vitória Aliada
O jornalista informou que a construção da base ocorreu enquanto na África do Norte os Aliados lutavam contra as forças do Afrika Korps, comandados pelo mítico General alemão Erwin Rommel.
A estratégica base área militar foi construída em solo brasileiro no mais rigoroso sigilo militar, onde um exército de brasileiros simples, a maioria sertanejos fugidos da grande seca, concluíam, com muito suor e sacrifício, um lugar que possibilitou a criação de uma rede de linhas aéreas que na época supria quase todas as frentes de guerra.
Quando o General Rommel ameaçou invadir Alexandria, no Egito, em 1942, os olhos do mundo estavam voltados para o Vale do Nilo, mas os olhos dos comandantes aliados estavam focados na distante base de Parnamirim. Pois foi através desta estratégica área militar, que um fluxo de aviões vindos dos Estados Unidos e transportando valiosos materiais estratégicos, foi fundamental para a vitória Aliada na frente Africana.
Para o jornalista australiano foi em Parnamirim que o destino do Egito e do Oriente Médio, e talvez de todo o curso da guerra, foi decidido.
Movimento Internacional
J. A. Marris cruzou o Oceano Atlântico em direção aos Estados Unidos. Narrou que, após a chegada a Parnamirim Field, na sua aeronave, logo adentrou uma equipe de homens do setor de defesa sanitária. Estes aram a fumegar em todas as partes do avião doses de veneno contra possíveis mosquitos africanos transmissores de doenças. Segundo nos narrou Fernando de Góes Filho, um dos oficiais brasileiros responsáveis por este serviço era o seu pai, o médico Fernando Góes.
Logo após desembarcar, o australiano soube que seu avião estava sendo requisitado para retornar a África e cumprir outra missão. Agora ele iria esperar uma vaga em outro avião que seguisse para os Estados Unidos, em meio a um dos maiores congestionamentos de tráfego aéreo de aviões americanos e de material de guerra. Marris agora era um “caronistas aéreo”.
Havia muita poeira e calor em Parnamirim Field, além de um barulho constante dos grandes motores aéreos ligados e guardas verificando as credenciais de todos que chegavam. Logo, os outros ageiros presentes ao setor de embarque e desembarque davam ao jornalista australiano uma ideia do caráter internacional da grande base aérea.
A importância de Parnamirim Field na época da Segunda Guerra pode ser medido pelo número de pessoas de importância política internacional que aqui estiveram. Como Eleanor Roosevelt, que esteve na base em 1944
Em um canto, um holandês, que trabalhava em um gabinete ministerial do seu país, dialogava com um funcionário de uma empresa aérea americana. Através de uma porta estreita, corre um coronel da Força Aérea Chinesa para pegar um avião que seguia para Washington. Mais adiante, era possível escutar histórias de pessoas que vinha de lugares tão diferentes como Chongqing (cidade no centro da China), Glasgow (Escócia) e Trípoli (capital da Líbia). Logo um grupo de militares a a observar com muita atenção em uma determinada direção. Era um grupo de enfermeiras americanas que desembarcavam.
Em pouco tempo pousava uma esquadrilha de bimotores B-25 Mitchell, parando para reabastecer antes do salto sobre o Oceano Atlântico em direção à África. Depois o repórter australiano testemunhou outro avião que taxiava na pista, ainda trazendo manchas barrentas do solo africano em seu trem de aterrissagem. Esta última aeronave deixava um grupo de soldados feridos, que seriam levados para a principal unidade hospitalar que atendiam estes militares em Natal e hoje é conhecido como Maternidade Januário Cicco. Um dos feridos não ava de um simples garoto, mas que trazia um grande ferimento na perna e era um calejado veterano. Recuperava-se depois de dois anos de combate.
Partindo de Parnamirim Field
Finalmente J. A. Marris recebeu a noticia que iria continuar sua viagem. O avião era um bimotor Douglas C-47, de uma pequena esquadrilha de três aeronaves idênticas. Estes haviam aterrissado apenas uma hora antes, foram rapidamente reabastecidos, revisados e agora estavam alinhados na pista prontos para outra viagem.
Base Aérea de Acra durante a Guerra. localizada na atual Gana, África, foi um dos destinos dos aviadores Aliados depois de partirem de Parnamirim
Toda a bagagem a bordo foi empilhada no meio da fuselagem, formando um grande monte de objetos, cobertos com uma rede para evitar que se deslocassem dentro da aeronave e tudo isso era amarrado no piso. Entre tripulantes e ageiros ali estavam vinte homens; o piloto, o copiloto, um alto executivo de uma grande empresa de aviação americana, dois oficiais do exército chinês, um grupo de náufragos americanos resgatados, um trabalhador de um estaleiro da Filadélfia, três funcionários do governo de Londres e meia dúzia de outros pilotos americanos.
Durante o voo o C-47 seguiu ao longo da costa brasileira e da selva. Alguns ageiros tentavam dormir em desconfortáveis bancos que foram originariamente projetados para paraquedistas, enquanto outros jogavam cartas. De vez em quando se mudava a posição das pernas para ar as dores musculares e, ocasionalmente, ficava-se em pé, onde era possível dar três os sem pisar em alguém e assim fazer o sangue circular.
Militares de países da Commonwealth são desembarcados de um C-47 americano. Parnamirim Field, como mostra a reportagem australiana, tinha um grande aspecto internacional
Apesar de todo desconforto, ao ler a reportagem de Marris, fica evidente para este repórter australiano que Parnamirim Field era a mais importante engrenagem aérea em sistema de grande circulação de material e armas de guerra.
Ele reproduziu um interessante comentário de um observador realista, que muito sintetiza a importância de Parnamirim; “certamente Hitler daria dez de suas divisões em troca daquele lugar”.
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Viveu Muitos Anos na Capital Pernambucana e Era Torcedor do Sport Club Recife
Autor-Rostand Medeiros
Recentemente estive mais uma vez naquele que, em minha opinião, é o maior templo da memória da região Nordeste, o Arquivo Público do Estado de Pernambuco.
No centenário edifício na Rua do Imperador, localizado no centro do Recife, está uma das mais importantes hemerotecas do país. Apesar de prioritariamente abrigar a memória pernambucana, pessoas de outros estados da região sempre encontram muito material interessante, com boas histórias para contar.
Ao buscar realizar uma coleta de dados para um trabalho sobre a Segunda Guerra Mundial, me deparei com inúmeros e interessantes materiais. Daí surgiu à história, na verdade um epitáfio, de um jovem inglês chamado Thomas Peter Logan Griffith. Comentava que ele já havia morado em Recife, possuía família naquela bela cidade, era bem conhecido da sociedade local e havia morrido em combate em Malta.
Forte Ligação Inglesa Com Pernambuco
Thomas Peter Logan Griffith, ou Tom Griffith, nasceu em 09 de junho de 1917, em Cringleford, Norfolk. Era filho de Thomas Logan Griffith e Lucy Irene Beryl Blomfield, mas sua família tinha uma antiga e forte ligação com o Brasil. Seu avô se chamavaa Thomas Comber Griffith, representante em Recife da empresa de navegação Price Line Ltd, era casado com Isabel Clara Prangley, uma típica inglesa de Norfolk, mas com um nome tipicamente português. Eles tiveram dois filhos nascidos em Recife e outros que casaram nesta cidade.
Isso não era nenhuma novidade, pois os súditos da coroa inglesa sempre mantiveram fortes laços com Pernambuco. Assim como o avô e o pai de Tom Griffith, muitos destes estrangeiros exerciam cargos em empresas inglesas existentes em Pernambuco e espalhadas pelo Nordeste. Era o caso da Western Telegraph Company, da Pernambuco Tramways and Power Company, da Great Western of Brazil Railway Company (que possuía ramal ferroviário até Natal), da Telephone Company of Pernambuco, do Bank of London & South America,do London & River Plate Bank,da Price Waterhouse,da Machine Cotton,White Martins e de outros mais.
Os ingleses exerciam inegável influência entre a elite social pernambucana, divulgando seus hábitos, suas comidas, suas bebidas, sua maneira de vestir e seus esportes tradicionais, principalmente o “foot-ball”.
Vamos encontrar o pai de Tom Griffith como membro da equipe de futebol do Sport Club do Recife, participando de um jogo histórico; a primeira peleja do chamado Leão da Ilha contra o arquirrival Clube Náutico Capibaribe, um dos clássicos mais antigos do futebol nacional.
O jogo aconteceu na tarde de 25 de julho de 1909, um domingo, no campo do Pernambuco British Club e o resultado foi 3 x 1 para o Náutico, com participação decisiva de Thomas Logan Griffith no único gol da equipe rubro-negra. Consta que Thomas L. Griffith transmitiu sua paixão pelo rubro negro da Ilha do Retiro a todos os seus familiares e assistia aos jogos com seus filhos.
Vivendo em Recife
Durante a Primeira Guerra Mundial vamos encontrar a família Logan Griffith na Inglaterra. Segundo a reportagem existente no periódico recifense “Jornal Pequeno”, após o fim deste conflito a família retorna a capital pernambucana, onde Tom Griffith a toda sua infância e adolescência, sempre muito bem ambientado.
Após o falecimento do avô de Tom Griffith em 1921, a representação da empresa de navegação Price Line Ltd continua com seu pai, com escritório na Rua Bom Jesus, número 220, sala 5, 2º andar. Esta rua é a antiga Rua dos Judeus, onde durante o período da dominação holandesa no Brasil (1630-1654) foi ali fundada a primeira sinagoga das Américas.
Aparentemente Thomas Logan Griffith foi naturalizado brasileiro, pois em 1934 chegou a ser designado pelo então presidente Getúlio Vargas, delegado da Diretoria de Estatística Econômica e Financeira do Tesouro Nacional em Pernambuco.
Segundo pudemos apurar os Logan Griffith residiam na Rua Padre Inglês, 314, bairro da Boa Vista, Recife, próximo as tradicionais escolas evangélicas Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil e a Escola de Trabalhadoras Cristãs, atual Seminário de Educação Cristã-SEC. Não podemos esquecer que no bairro da Boa Vista, a Rua Padre Inglês ganhou fama por hospedar diversos súditos do Império Britânico.
Tom Griffith em uniforme da RAF
Após o início a Segunda Guerra Mundial, muitos jovens de origem britânica que moravam no Brasil, nascidos ou não em nosso país tropical, ingressaram nas forças armadas de Sua Majestade e seguiram para várias áreas de combate. Tom Griffith foi um deles.
O Cerco de Malta
Apesar de servir na RAF – Royal Air Force (Real Força Aérea), a função de Tom Griffith não era no ar, mas no mar. No final de 1939 ele fazia parte da tripulação de uma lancha de alta velocidade do RAF Marine Craft, o também conhecido RAF Marine Craft, um grupo de elite que se arriscava dia e noite com a função de salvar vidas.
Barco HSL 130 da RAF realizando o salvamento em alto mar. Era neste tipo de barco que Tom Griffith servia.
Acredito, mas sem comprovação, que este jovem inglês vindo de Recife testemunhou os episódios épicos da Retirada de Dunquerque e participou de salvamento de pilotos durante a Batalha da Inglaterra. De certo sabemos que o destino de Tom Griffith foi o arquipélago de Malta, onde participou ativamente da defesa deste importante bastião estratégico Aliado no meio do Mar Mediterrâneo.
Este lugar é habitado (e cobiçado) há tantos séculos, que as estruturas sobreviventes dos templos megalíticos em Ġgantija, Hagar Qim e Mnajdra, são consideradas algumas das mais antigas estruturas construídas pelos homens no mundo. Entre 800 a 218 antes de Cristo, Malta foi colonizada pelos fenícios e cartagineses e em seguida ou a fazer parte do Império Romano. Consta que no ano 60 depois de Cristo, o apóstolo Paulo naufragou próximo ao arquipélago e sobreviveu. Segundo o folclore local, a partir daí Paulo converteu os habitantes locais ao cristianismo. Depois os árabes chegaram em 870 e sua presença teve uma considerável influência sobre a agricultura e a linguagem maltes.
Foto de satélite mostrando as ilhas de Gozo, Comino (a menor) e Malta ( a maior) – Fonte – odysseyadventures.ca
Depois veio uma sucessão de conquistadores até o ano de 1530, quando as ilhas foram entregues aos Cavaleiros da Ordem de São João, uma organização religiosa cruzada fundada em Jerusalém. Em 1798 o arquipélago de Malta caiu sob o domínio de Napoleão. Dois anos depois os ingleses ajudaram a libertar estas ilhas e tornou o lugar uma pequena parte do Império Britânico. Ali eles construíram uma grande e estratégica base naval.
Durante a Segunda Guerra Mundial o arquipélago maltes sofreu um pesado cerco aéreo e naval.
Posição estratégica de Malta na área do Mediterrâneo
Com o envio de forças alemãs do Afrika Korps para o Norte da África, comandadas pelo marechal-de-campo Erwin Rommel, a estratégica Malta adquiriu um papel fundamental no conflito. Deste ponto os britânicos podiam corta grande parte todo o abastecimento nazifascista vindo da Europa para a África e Rommel rapidamente reconheceu sua importância.
Aspecto do resultado dos bombardeios em Valletta, capital de Malta
Para provocar a derrota deste bastião estratégico os alemães e italianos decidiram forçar a submissão de Malta através de bombardeios e da fome, atacando seus portos, estradas, cidades e linhas marítimas de suprimentos. As forças aeronavais da Alemanha e da Itália nazifascistas realizaram mais de 3.000 bombardeios num período de dois anos, tornando Malta uma das áreas mais bombardeadas da Segunda Guerra Mundial.
Muita Ação Violenta
Tom Griffith ficou lotado na base da RAF em Kalafrana (ou Calafrana), um centro de operações de hidroaviões na Baía de São Paulo, extremo sul de Malta e principal casa dos grandes hidroaviões quadrimotores Short Sunderland. Neste local seu barco era uma lancha do tipo HSL, de 63 pés, com o seu armamento focado principalmente para defesa contra aviões. Normalmente possuía duas torres com metralhadoras gêmeas Vickers 0,303, um canhão Oerlikon de 20 milímetros e metralhadoras Browning ponto 50.
Uma lancha HSL e um avião Hurricane
Durante aquele período Tom Griffith viu muita ação. Praticamente todos os dias a Luftwaffe e a Regia Aeronautica realizavam suas “visitas” a Malta. Eram ataques que começavam no início do dia e se prolongavam até ao entardecer. No dia 4 de fevereiro de 1942, uma terça feira, não foi diferente.
Segundo o diário do reverendo Reginald M. Nicholls, Chanceler da St.Paul’s Anglican Cathedral, na cidade de Valletta, o “expediente” daquele dia começou por volta das nove e meia da manhã, quando dois ou mais caças foram vistos ao norte de Malta. Depois do meio dia um grupo de seis Hawker Hurricane, dos esquadrões da RAF 249 e 126, decolaram do aeródromo militar de Ta Kali (ou Ta ‘Qali) e interceptaram ao sul de Kalafrana alguns bombardeiros médios alemães JU-88, sendo um dos inimigos avariados e sem perdas para os ingleses.
Hawker Hurricane – foi um dos mais famosos aviões de caça britânicos da Segunda Guerra Mundial. Fator de preservação de Malta nas mãos dos aliados.
Às três da tarde, vindas do norte, um grupo de aeronaves inimigas atacam com grandes bombas o campo de Ta Kali, deixando muitos danos e crateras na pista.
Ataque Mortal
Nesse meio tempo partiu da base de Kalafrana a lancha HSL 129, com a missão de realizar um resgate perto da ilha de Filfla, ao sul de Malta. Comandava o barco rápido o tenente F. Nicolls, junto com os tripulantes Tom Griffith, Gerry R. King, Thomas L. Nielsen, Jock Muir, Dennis Whittaker, o cabo Cooper e o ajudante Norton.
Ilustração do artista Thierry Dekekr de um Messerschmitt Bf 109, também conhecido como Me 109, do Jagdgeschwader 53
Após o ataque a Ta Kali um grupo de aviões de caça alemães Mercheshimit ME-109, provavelmente do Jagdgeschwader 53 (JG 53), sobrevoam a região de Benghisa Point, onde localizam a HSL 129 próximo a Filfla e am a atacá-la impiedosamente.
Em meio a fuzilaria, aos rasantes dos caças alemães, ao revide das armas do barco e a fuga em ziguezague da HSL 129, a matança foi pesada. O tenente Nicolls foi atingido no estômago, caiu na casa do leme, mas veio a sobreviver. Gerry King foi para uma das torres de tiro e logo foi morto com um petardo na cabeça. Já o primeiro timoneiro Nielsen foi morto no leme. Tom Griffith, que estava na torre de tiro traseira, mesmo disparando sem cessar, foi gravemente ferido e morreu. Outros três tripulantes ficaram feridos.
Ilha de Filfla, onde em suas proximidades a HSL 129 onde estava Tom Griffith foi atacada pelos caças alemães.
Em dado momento os aviões alemães partiram da sua rapinagem e nenhum deles foi derrubado.
O cabo Cooper, mesmo com uma mão cortada no punho e esvaindo-se em sangue, conseguiu com a outra mão pilotar a HSL 129 danificada de volta para Kalafrana, aonde este barco chegou praticamente destruído. Apesar dos ingleses estarem em guerra a quase três anos, de Malta ser atacada naquela época todos os dias, os relatos dão conta que, diante do estado em que se encontrava a lancha na base de Kalafrana e as mortes dos tripulantes, muitos militares daquela unidade ficaram chocados com o resultado do ataque dos ME-109.
Lanchas HSL
Mais tarde, pela sua coragem, o cabo Cooper foi condecorado, mas considerado inválido e colocado fora do serviço militar.
Uma Mensagem Dos Seus Pais
O sacrifício deste torcedor inglês do Sport Club Recife não foi em vão. Os comboios Aliados foram capazes de sustentar e reforçar Malta, enquanto a RAF defendia seu espaço aéreo à custa de imensas perdas vitais e materiais. Depois os Aliados desembarcaram tropas no Marrocos e Argélia, o que obrigou Rommel a desviar suas forças para estas regiões e os ataques contra Malta foram reduzidos. O cerco ao arquipélago maltes terminou efetivamente em novembro de 1942.
A lápide de Thomas Peter Logan Griffith é uma das 719 existentes no Cemitério Naval de Kalkara, conhecido como Cemitério Capuccini, onde repousam os combatentes britânicos que morreram durante a Segunda Guerra Mundial na defesa de Malta e região. Junto a este inglês que cresceu em Recife repousam os seus companheiros de infortúnio King e Nielsen.
Mas é apenas na lápide de Tom Griffith que se encontra os dizeres “Until we meet again beloved son” (Até que nos encontremos de novo filho amado).