AS NOSSAS VELHAS IGREJAS DE NATAL

A majestosa Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, o primeiro templo religioso erguido no Rio Grande do Norte.

Luís da Câmara Cascudo

A República, Natal, Rio Grande do Norte, 2 de março de 1939, página 3

O sitio da Cidade estendia-se do edifício do Tribunal de Apelação[1] até as imediações da Santa Cruz da Bica[2]. A Praça André de Albuquerque foi inicialmente chamada. “Rua Grande” e “Largo da Matriz”. A Igreja vigiava o quadrilátero de onde se irradiou a cidade. Aí começa, oficialmente, nossa vida social. A missa de 25 de Dezembro de 1599 deve ter sido rezada numa capelinha de barro e palha onde hoje a Matriz ergue sua torre quadrada. A praça é, evidentemente, o chão elevado e firme, indicado pelas instruções do Governador Geral do Brasil para a construção duma Cidade, sentinela avançada da cristandade no setentrião selvagem do Brasil quinhentista.

Uma comemoração na década de 1920 diante da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação , na Praça André de Albuquerque, no Centro de Natal.

Em dezembro de 1633 os holandeses tomaram Natal. Vitoriosos em toda a parte, graças em parte as diligências do mulato Calabar, que está sendo apontado como herói e figura excepcional de grandeza moral, logo no primeiro domingo, 18 de dezembro de 1633, o pastor luterano Johanna, fez sua pregação no pequenino recinto da humilde Matriz, erguida pelas mãos católicas dos colonos portugueses. Até 1654 não ha noticia. Na retirada, os holandeses queimaram arquivos, destruíram casas, devastaram plantações. Também estão sendo glorificados como colonizadores de incrível acuidade progressista e liberal.

Ninguém queria ser Vigário em Natal, um lugarejo com 25 moradores brancos, cercados pela indiaria tumultuosa. O padre Leonardo Tavares de Melo ofereceu-se e veio pastorear o abandonado rebanho. Construiu uma outra capelinha, no local da primitiva, e celebrava Missas, casando, batizando e orando. Em 1672 pensou-se em erguer uma igreja compatível com as necessidades da colônia. Fez-se uma coleta. Pediu-se esmola até ao Rei de Portugal. Em 1694 a igrejinha estava pronta. Gravaram esta data numa pedra. Está na soleira da porta principal.

Em 1786, numa época de remodelações, fizeram-se as duas capelas laterais, do Bom Jesus dos os e do Santíssimo Sacramento, completando a figura ritual da Cruz.

Sucesso notável foi o primeiro roubo, historicamente comprovado. Na manhã de 21 de dezembro de 1841 apareceu uma porta aberta e uma lâmpada tinha desaparecido. O chefe de Policia, Dr. Basílio Quaresma Torreão Junior, virou investigador, farejando casas e matos, assombrado com o atrevimento do malandro. Prendeu dois homens. E achou o furto, enterrado debaixo dum cajueiro, em 23 do mesmo dezembro de 1841. A 24, num oficio jubiloso, levou a feliz pesquisa ao conhecimento de dom Manuel de Assis Mascarenhas, Presidente da Província, informando que a lâmpada fora encontrada.

Até 1856, ano do cólera-morbo os sepultamentos eram feitos dentro das Igrejas. Gente rica, graúda, importante, dormia na Matriz, na Igreja de Santo Antônio, e Capela do Senhor Bom Jesus das Dores da Ribeira. Escravos e condenados a pena de morte iam esperar o Juízo final na igrejinha de Nessa Senhora do Rosário dos Pretos.

Em 1856 o presidente da província, Antônio Bernardo de os, chamado popularmente “Presidente os”, mandou abrir o “cemitério publico” no bairro longínquo do Alecrim. Ficava, naquele tempo, no fim do Mundo.

Em 1857 o Presidente os iniciou uma subscrição pública para comprar um relógio destinado a Matriz. Em 1862 começou o serviço para a construção da torre cuja falta afeiava o conjunto. Doze meses depois, com peripécias e paradas, a torre ficou como está. E pam o relógio que ainda vive prestando serviços ao seu modo[3]. Em 1863 adquiriram um sino grande para a torre. , Custou 801$649 (oitocentos e um mil e seiscentos e quarenta e nove réis), pagos ao Sr. Domingos Henrique de Oliveira. Em 1874 foi a vez de chegar o sino pequeno. Deram por ele 301$453 (trezentos e um mil e quatrocentos e cinquenta e três réis), ao Sr. Joaquim Inácio Pereira. Em 1907 levaram o Cruzeiro da Matriz para o patamar da Igreja do Rosário.

Esse é um rápido e necessário relatório dos principais fatos na história da Matriz, hoje com luz elétrica, tribunas e ampliador radiofônico.

E qual teria sido a segunda Igreja de Natal?

Santo Antonio ou do Rosário? A vida natalense esteve, quase totalmente, condensada na Cidade Alta. Os dois pontos sempre foram relativamente povoados, derredor desses templos.

A Igreja de Santo Antonio dos Militares é um barroco delicioso e, edifício amplo e solido, devia ter exigido muito tempo para sua construção, mesmo com as reformas posteriores. Na fachada, acima da porta principal da Igreja de S. Antônio ha a data: — Agosto de 1766. E ao pé da torre: — Janeiro de 1798. Serão as datas em que foram terminados o corpo da casa e a torre? Três anos antes, em 15 de julho de 1763, já se erguia a Igreja de Santo Antônio, dando nome á rua. Num registo de “carta de data” concedida ao alferes José Barbosa de Gouveya, na rua nova do Senhor Santo Antônio, fala-se nas “cinco braças e meia de comprido e dez de fundo nesta Cidade no caminho que vai dela para o Rio de beber agua encostando nas outras que já tem na mesma parage na rua da Igreja de Santo Antônio”.

Fachada da Igreja do Galo e o seu símbolo no alto da torre, mandado colocar pelo capitão-mor Caetano da Silva Sanches – Foto – http://tokdehistoria-br.noticiasdaparaiba.com/noticia/uma-hista-ria-contada-por-igrejas/326825

Uma história tradicional lembra o capitão-mor Caetano da Silva Sanches, devoto de S. Antônio, que ajudara eficazmente a terminar a Igreja. Parece não se ter dado o auxilio para a nave e sim para a torre. Sanches reformou a torre e cobriu-a de azulejos, ao gosto português do século XVIII, e colocou, lá em cima, um Galo de Bronze. Um versinho de Lourival Açucena recorda o episodio: Caetano da Silva Sanches,

Governador português,

foi quem aqui colocou-me

ha mais de um século talvez…

Não se assustem-com a colocação pronominal. Para aquele tempo estava gramaticalmente certa. Sanches morreu em Natal, a 14 de março de 1800, de um estupor. Tinha cinquenta e cinco anos de idade. Descobri lhe o testamento no arquivo do Instituto Histórico.

Outra nota sensacional foi a faísca elétrica que, numa noite calma, pendurou, num choque brusco, o Galo, das alturas do seu poleiro secular. O caso se deu ás 8 e 35 minutos da noite de 6 de março de 1897.

A Igreja do Rosário é a enteada da História. Ninguém a cultua, procurando-lhe o ado. Destinada aos negros escravos, maior emoção merece do todos nós. Aquela nave pequenina abrigava as esperanças do amor negro, as alvoradas do futuro, com todos os milagres da alforria. Ali casaram e entraram para a vida cristã centenas e centenas de entes sem crônica, sem elogios e sem necrológicos, os ajudadores de tanta riqueza, nascida de seu trabalho sem pausa.

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no Centro.

O Governo de Portugal, por prestigio católico do clero, aconselhava que as autoridades istrativas em todos os domínios, facilitassem a fundação das “Irmandades” de N. S. do Rosário, dedicada Padroeira dos pobres escravos”. No dia da Santa havia folga e nenhum “senhor” tomava a ousadia de proibir que um negro particie das festas que duravam o dia e parte larga da noite. Para festejar N. S. do Rosário os negros organizavam as danças. com cânticos e declamações. Daí vieram os “Congos”, “Cachambís”, com outros autos populares. Ia tudo á porta do templo, cantando. Podia Nossa Senhora, naquelas 24 horas, dar-lhes a ilusão da liberdade.

A igrejinha de N. S. do Rosário dos Pretos (como era citada) não existia em 1706, mas estava construída em 1714. Até prova em contrario, é a segunda de Natal. Nesse 1714 regista-se uns “chãos para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário junto a Igreja”. Em 3 de novembro de 1706, Antônio Henrique de Sá registava uns “chãos” onde se quer fundar a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Em 1714, o mesmo peticionário requeria a doação perpétua do que já possuía desde 1706 e menciona a Igreja como ponto de referência. A 2 de julho de 1714, o padre Dr. Simão Roiz de Sá pedia “terras devolutas de fronte do Cruzeiro da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, indo pela estrada que vai desta Cidade para Ribeira”. Não conheço referência anterior a 1714.

Igreja do Bom Jesus das Dores – Fonte – http://turismo.natal.rn.gov.br/igrejas.php

A Igreja do Bom Jesus, ampliada, reconstruída, modernizada, foi uma capelinha que atendia ás necessidades religiosas dos moradores da Ribeira. Ha cento e sessenta e três anos (em 1939) já existia. Em 5 de fevereiro de 1776 o vigário Pantaleão da Costa de Araújo autorizava ao coadjutor Bonifácio da Rocha Vieira a casar Sebastião José de Melo com D. Ana Maria Gomes na “Capela do Senhor Bom Jesus das Dores”.

Igreja de Bom Jesus das Dores e a atual Praça José da Penha, na Ribeira.

A região ainda era despovoada e os sítios se estiravam no flabelo dos coqueirais. Ainda a 30 de dezembro de 1811 concede-se, sob o foro de 160 réis anuais, que Luís José de Medeiros se aposse das terras junto e detrás do “Senhor Bom Jesus”, “para plantar suas arvores de frutos e não prejudicando a terceiro e deixando livre a estrada que vai desta Cidade para o Senhor Bom Jesus”. ” Creio que a ordem cronologia das Igrejas de Natal será: — Matriz, Rosário, Santo Antônio e Bom Jesus.

Tais foram os princípios dos nossos templos, as sedes da força espiritual e da resistência animosa com que os velhos moradores da Cidade do Natal do Rio Grande defenderam e até nos trouxeram essa tradição de vida comum, cimentada na união do sangue e das preces.

NOTAS


[1] O Tribunal de Apelação é o atual Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, que nessa época ficava na antiga Avenida Junqueira Aires, 478, atual Avenida Câmara Cascudo, onde até o início de 2017 foi a sede da OAB-RN.

[2] Atual Praça da Santa Cruz da Bica, na Cidade Alta, na confluência das Ruas Mermoz, Santo Antônio e Voluntários da Pátria.

[3] Mesmo com atrasos, quebras constantes, durante décadas esse antigo relógio da velha Matriz da Praça André de Albuquerque foi o que regulou o tempo dos moradores de Natal do ado.

MÁRIO DE ANDRADE E NATAL: UMA ÓTIMA RELAÇÃO

A Relação do escritor paulista e a cidade do Natal

Autor – Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Em 2008 se comemoraram os oitenta anos da visita do escritor paulista Mário de Andrade ao Rio Grande do Norte, quando aqui sentiu, viu coisas interessantes, conversou, fez amizades e levou uma imagem sobre Natal e o Nordeste que marcariam sua obra. Mas como esta visita repercutiu em Natal? Como a imprensa da época tratou este assunto?

Em 1928, o paulistano Mário Raul Moraes de Andrade já era uma figura consagrada na nossa literatura, desde 1922 quando ocorreu em São Paulo, a Semana de Arte Moderna. Este foi um movimento cultural, do qual foi um dos líderes e exerceu grande influência em outros escritores. Neste mesmo ano publicou seu livro “Paulicéia desvairada”, que provocou forte reação do público e da crítica.

A partir de 14 de agosto de 1924, o consagrado autor a a manter com Luís da Câmara Cascudo, uma profícua troca de correspondências, onde decide realizar uma segunda “viagem etnográfica” pelo interior do Brasil (a primeira ocorreu em 1927 e visitou a região Norte).

Possuído por uma irrequieta e curiosa vontade de descobrir o que o Brasil dos “rincões” o escritor paulista não se contentava em ser um pesquisador de “gabinete”. A viagem era parte importante do seu processo de descoberta e contemplação da nossa cultura.

A época do planejamento e concretização desta viagem, Mário era amigo do paraibano, radicado no Rio Grande do Norte, Antônio Bento de Araújo Lima, que seria um dos seus acompanhantes durante esta empreitada.

A viagem ao Nordeste já estava planejada e orçada desde 1926, mas apenas em fins de 1928 pode ser concretizada. A chegada pelo mar se deu no Recife, em 3 de dezembro, dali em diante seguiram por terra e só retornara a São Paulo em 20 de fevereiro do ano seguinte.

As cidades de Natal, Recife e Parahyba (atual João Pessoa) foram suas principais bases para seus levantamentos e pesquisas e Natal foi local de permanência mais demorada. aram um mês e meio na capital potiguar, treze dias na pernambucana e onze dias na paraibana.

Mário chegou a Natal no dia 14 de dezembro de 1928, uma sexta-feira, tendo sido recepcionado na estação ferroviária da Great Western por Câmara Cascudo, de quem era hóspede. Afirmou ao jornal “A Republica” que sua visita ao Rio Grande do Norte se prendia a “estudos literários”. No mesmo trem que trouxe o escritor paulista, uma pequena notícia social informava que, igualmente chegou de Recife, havia desembarcado o acadêmico do 1º ano do curso jurídico, o jovem Afonso Bezerra, sem haver nenhuma indicação de algum contato deste e Mário de Andrade.

A visita do escritor movimentava a intelectualidade da cidade. O colunista Aderbal de França apresentou Mário de Andrade como “vanguardeiro de uma das principais correntes do pensamento brasileiro”. Ele Perguntava; “e a que veio o notável escritor de Macunaíma?”, para mais adiante responder “na sua simplicidade habitual, estudar as tradições da nossa terra, para decantá-las na feição moderna que tão bem sabe lapidar os hábitos conservadores da nossa raça”.

Um pouco do que Mário de Andrade viu de Natal e que ainda existe.

Não faltou na coluna uma referência ao falecido poeta potiguar Ferreira Itajubá; “Mario de Andrade se desagrega das ruas, cheirando a indústria da paulicéia e vem as ruas com anseios de progresso da terra de Itajubá, que se vivo fosse vivo, seria, talvez, aqui, um da “escola paulista”.

Finalizava Aderbal apresentando uma ideia de certo pioneirismo que esta visita apresentava a cidade “Vem, dentro do seu modernismo, ver de perto o que possuímos aí pelos recantos da cidade e do interior, porque em verdade, a vida do norte vive sempre tão ignorada dos intelectuais do sul!”.

No dia seguinte, Mário e Cascudo visitaram o governador Juvenal Lamartine no seu gabinete, em visita de cortesia. Esta visita se repetiria no dia 18, e ficaram registradas.

Oscar Wanderley, comenta em artigo publicado em 8 de janeiro, uma visita feita pelo escritor, junto com Cascudo e Antônio Bento, a redação do jornal “A Republica”, então um ponto de encontro dos intelectuais da terra.

Já nos primeiros dias, além de Cascudo e Bento, Mário vai criando na cidade um círculo de amigos como Barôncio Guerra, Cristóvão Dantas, Jorge Fernandes e outros. Estes são os companheiros de banho de mar (principalmente na praia da Redinha), de eio, de descanso, de pesquisa. Em toda parte, “gente suavíssima que me quer bem, que se interessa pelos meus trabalhos, que me proporciona ocasiões, de mais dizer que o Brasil é uma gostosura de se viver”, conforme escreveria o autor no futuro.

As Impressões da Cidade Sobre o Escritor Paulista

Os jornais natalenses não são prolíficos sobre a opinião gerada na comunidade em relação à visita do escritor a cidade. Oscar Wanderley, entretanto, narra as impressões de uma visita noturna a Mário de Andrade, na “Vila Cascudo”.

Além de Oscar e do próprio Mário, estavam presentes, o anfitrião Cascudo, Vicente Gama, Alberto da Câmara, Arary Britto, e o desportista José Hugo, o “Zezé”. Mário acolheu a todos com familiaridade, estava ao piano, bebendo café, debatendo, ou reverentemente escutando e anotando freneticamente as toadas e canções que lhe eram apresentadas, principalmente por Vicente Gama e Arary Britto. Entre goles de café, Mário comentava com os presentes aspectos de “bruxarias”.

Sobre este comentário, Wanderley afirma que o jornalista Damasceno Bezerra, lhe informou estar o escritor paulista desejoso de visitar “um Catimbó lá pras bandas do Alecrim”.

Mário de Andrade é apresentado com “mãos longas, de dedos muito finos, cor de marfim velho, na extremidade de dois longuíssimos braços, que faziam gestos despreocupados, entremeando as nossas primeiras saudações”.

Wanderley deixa escapar em suas linhas que esta inimitável figura paulistana, já estava se tornando habitual, ao dia a dia da ensolarada capital nordestina, de vinte poucos mil habitantes; “Não sei se todos os senhores já o virão por aí, a caça de Sambas, de Cocos, de Pastoris, de Cheganças, de Bumbas-meu-boi. Viram-no, de certo”.

O encontro só acabou após as vinte e duas horas, onde o autor de “Macunaíma” deixou uma impressão de “honestidade estrutural do caráter do artista-escritor”.

A Natal Popular e Outras Paisagens

É nesta condição de “honestidade cultural” que o pesquisador organizado, aliado a sua infatigável capacidade de trabalho, parte para conhecer, junto com Câmara Cascudo, Antônio Bento e outros, o Boi, o Fandango, a Chegança, os Congos, o Catimbó, seus mestres e feiticeiros. Busca os bairros populares, “sem iluminação, sem bonde, branquejado pelo areão das dunas”. Mário de Andrade mostra sua predileção pela Natal menos visível, dos bairros proletários, com suas brincadeiras populares. Nas praias de Areia Preta e da Redinha, o escritor encontrou; “Sambas, Maxixes, Valsas de origem pura, eu na rede, tempo ando sem dizer nada”, (conforme comentaria em seu futuro livro “O turista Aprendiz”).

Para ele, a Natal do final dos anos de 1920, era uma cidade que se mostrou alegre, mas com relações distintas, onde o escritor paulista não deixa de lado a crítica social: pois, “se saúde, facilidade, bem-estar fosse dedutível da alegria, o proletário nordestino vivia no paraíso”.

O escritor comenta, em uma anotação feita em 2 de janeiro de 1929, o que via da cidade; “Não há mocambos (favelas). O mangue fica da outra banda do Potengi, onde ninguém mora. No Alecrim, como em Rocas, as casas são cobertas de telha e muitas de tijolo. Se enfileiram pequititas, porta e janela de frente, em avenidas magníficas, todas com o duplo de largura da rua comum paulistana”.

Mário realizava um roteiro até então pouco usual de introdução às cidades nordestinas. Apreciando a cultura, festas populares, arte, história, mas também as comidas e as bebidas locais, as praias e os banhos de mar.

Durante sua permanência em Natal, junto com Antônio Bento, o escritor vai à fazenda “Bom Jardim”, na região de Goianinha, conhecer e se encantar com o trovador “Chico Antônio”, como era conhecido Francisco Antônio Moreira. Para Mário, “Chico Antônio não sabe que vale uma dúzia de Carusos”.

Chico Antônio na década de 1920.


Depois de algum tempo desfrutando das benesses da capital e da região próxima ao litoral, chegou à hora de seguir em direção ao interior do estado. Dois relatos sobre a visita ao sertão são publicados no jornal “A Republica”; uma foi a série de crônicas de viagem produzidas por Câmara Cascudo, intituladas “Diário dos 1.104 km” e a outra foi o interessante material escrito por Antônio Bento “Macau-Assu-Seridó-1.104 km em cinco dias”, escrito no dia 27 de janeiro.

A Despedida da Cidade

No dia 25 de janeiro, Mário de Andrade realiza uma última visita de cortesia ao governador Juvenal Lamartine. No outro dia, às oito da noite, no tradicional Hotel Internacional, ele é homenageado com um jantar, onde estiveram presentes, além de Câmara Cascudo, Antônio Bento, Cristóvão Dantas, Lélio Câmara, Omar O’Grady, Luiz Torres, Nunes Pereira, Adauto Câmara, Jorge Fernandes e Gonzaga Galvão. Juvenal Lamartine foi convidado, mas não foi, mandou seu ajudante de ordens, o capitão Genésio Lopes, representá-lo.

Na manhã do dia 27, o escritor paulista tomou um automóvel para a cidade da Parahyba (atual João Pessoa), em companhia de Antônio Bento e a convite de José Américo de Almeida.

Qual foi a principal marca que a visita de Mário de Andrade deixou em Natal?

Mário de Andrade e Câmara Cascudo viajando pelo sertão.


O engenheiro agrônomo potiguar Garibaldi Dantas, em uma interessante crônica, publicada no dia 6 de abril de 1929, em “A Republica”, apontava a validade da iniciativa de Mário de Andrade em visitar e pesquisar as tradições nordestinas, mostrando a intelectualidade local à importância do que possuíamos em termos de cultura.

Dantas criticou duramente a intelectualidade potiguar, afirmando que “ao invés de ficarem nas eternas questiúnculas bizantinas de escolas estrangeiras, fossem ao nosso interior, e de lá trouxessem estes motivos interessantes que um dia poderão ser gênese de algum trabalho formidável e original”. Conclamava os “literatos do norte” a evitarem a triste ideia corrente de crescer e fugir do meio. Dantas afirmava certamente baseado na experiência de um engenheiro agrônomo que conhecia o interior, que “o Brasil não está nas capitais. Está no sertão rude, brutal, desconhecido mesmo”.

Dantas afirmava que a corrente de brasileirismos criada pela Semana de Arte Moderna de 1922, mesmo com seus exageros, “terá um dia a sua significação formidável, na formação de uma mentalidade brasileira”.
Ele não estava errado.

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